Dead Fish lança novo disco, “Vitória” | Leia entrevista exclusiva

10/03/2015

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Daniela Grimberg

Por: Daniela Grimberg

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10/03/2015

Fotos: Igor Lavrador

Dead Fish está de volta. A banda capixaba lançou oficialmente nesse fim de semana Vitória, seu sétimo álbum de estúdio. O disco marca o retorno dos veteranos do hardcore brasileiro à produção totalmente independente, após anos com a Deckdisc – o último trabalho dos caras pela gravadora foi Contra Todos (2009).

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Vitória é resultado do projeto de financiamento coletivo aberto no ano passado pela banda na plataforma Catarse, que acabou batendo o recorde de arrecadação por crowdfunding no país: a banda levantou mais de R$ 250 mil junto aos fãs, superando de longe a meta inicial de R$ 60 mil para a gravação do disco.

O lançamento oficial do álbum ocorreu nesse fim de semana, no Hangar 110, tradicional casa de shows do circuito alternativo de São Paulo. Com a entrada do guitarrista Rick Mastria (Sugar Kane) e o baterista Marco (Ação Direta), o som ganhou velocidade e arranjos mais agressivos, reafirmando a potência do Dead Fish após 24 anos de estrada.

Confira abaixo nossa entrevista exclusiva com o vocalista Rodrigo Lima:

Rodrigo Dead Fish

Como surgiu a ideia de produzir um álbum por crowdfunding?
Desde 2011 já vínhamos conversando com nosso antigo empresário. Internamente, a gente não botava muita fé nesse recurso, o que realmente atrasou todo o processo. Os caras mais novos que trabalham conosco tiveram que ser pacientes. Sempre fomos muito auto-suficientes, e a ideia de ser financiado diretamente pelo público era ótima. Mas tínhamos nossas restrições porque sempre fizemos o que quisemos de nossos álbuns, não queríamos mais pressão além da interna da banda. No fim das contas, isso se provou um belo preconceito da nossa parte, principalmente meu e do Alyand. Já tínhamos estado em uma gravadora e não tínhamos sido pressionados a nada. O crowdfunding foi mais libertador ainda, mesmo com atrasos na gravação e no prazo de entrega.

Como foi bater o recorde de arrecadações? O que vocês pretendem fazer com a grana extra?
Eu particularmente fiquei muito feliz e assustado ao mesmo tempo. Quando estamos muito envolvidos internamente a gente acaba não sentindo muito bem do que se trata nosso trabalho para os outros. Nosso legado é relevante e não fui eu quem disse isso, foi a arrecadação da vaquinha. Mesmo batendo recorde de arrecadação, não é nossa intenção ganhar uma baita grana com ela. O que era pra serem 600 álbuns se tornou 3.300, e com isso custos aumentam. Principalmente da porra do envio, os correios são ridiculamente caros. O que era pra ser 500 camisetas se tornou quase 3 mil. Enfim… Quanto mais grana, mais custo. Pra mim, sem problema. Estou rico de felicidade de saber que temos uma tiragem inicial de 3.300 discos vendidos sem serem ouvidos. Sequer uma demo foi mostrada, isso é um absurdo, o cúmulo da confiança num país como o Brazaland. Como diz a propaganda, isso não tem preço. As pessoas foram realmente muito generosas conosco e isso faz toda a diferença. A grana extra provavelmente será reinvestida na banda em equipamento, material pra trabalhar na estrada, e uma parte deve ser distribuída para os envolvidos no crowdfunding – nada mais justo, também. Eu gostaria de ter grana pra comprar uma van só da banda, mas não vai sobrar tanto pra que isso aconteça.

Como foi a correria para a produção de um disco novo, no ponto em que a banda está hoje, sem uma gravadora por trás?
Esse foi um ponto crucial. Os dois caras mais novos da banda seguraram uma responsa logo na primeira gravação deles. O Aly vive em Vitória, o que dificulta os ensaios aqui em SP, e está passando por um momento complicado na vida particular. Acabou que não pudemos contar tanto com a presença dele para muitas coisas. Isso, se não atrasou, deu uma quebrada no ritmo de tudo. Sempre fomos uma banda em que todos têm que participar de tudo, principalmente da parte de produzir um novo álbum. Mas no fim o Marco e o Ricardo tiraram de letra e, do jeito deles, conseguiram preencher uma estrutura que uma gravadora nos daria, conseguiram fechar tudo lindamente e passar pro [produtor] Fernando Sanches um belo trabalho, e ainda ficar ali no estúdio quase todo o tempo. Não senti falta de ter uma estrutura de gravadora por trás, foi bem natural esse processo… Eu também estava a menos de 2 km de casa e tínhamos tempo e paciência pra fazer a coisa toda acontecer, o que foi crucial também. Eu nunca havia gravado um álbum da forma que gravei, nos intervalos do trabalho, à noite e com menos tempo pra testar letras e melodias com o Ricardo. Mesmo assim, apesar de eu ter levado mais do que o dobro do tempo pra gravar o álbum, foi uma baita experiência estar no El Rocha fazendo um disco. Sou muito agitado e estar dentro de um estúdio, pra mim, é como me botar dentro de uma solitária e me esquecer lá dentro por meses, muito agoniante. Só que não foi isso que aconteceu. Eu tive um imenso prazer em estar ali nas noites com os caras da banda e o Fernando. Realmente foi inspirador e bastante didático fazer um disco nesse estúdio. Acho que isso transparece no disco em si: não só a mão do Fernando fez a diferença, mas o clima dentro do estúdio também.

É mais fácil voltar a ser independente após todo o percurso que o Dead Fish seguiu?
Sim, definitivamente. Não precisamos provar mais tantas coisas como uma banda iniciante. Sabemos pra onde queremos ir, o que podemos e não podemos no meio da indústria da música brazuca, em que meios vamos ter desenvoltura, em quais rádios vamos tocar por um tempo. Isto tudo faz diferença, sabemos o que nos espera ali na esquina, coisa que muitas bandas, por serem novas, não sabem e acabam errando como nós erramos no passado.

Vitória tem uma pegada bem intensa, se destaca dos outros discos da banda. Quais seriam as principais mudanças no som do Dead Fish pra vocês, com a entrada do Rick e do Marco?

Sempre muda tudo quando um novo integrante chega. Sempre é um processo dolorido reformular e mesclar as potencialidades dos caras novos com as regras da banda. Eu acredito que esse é um álbum muito mais coletivo do que vários outros, o que me agrada demais, mesmo eu escrevendo boa parte das letras. O Marco e o Ricardo trouxeram esse sentimento de equipe de volta e a pegada deles, principalmente a do Marco que é um baterista muito bom, mas com suas próprias características. A escola dele é o punk do ABC desde os anos 90 e ganhamos muito em agressividade na cozinha com ele. Já o Ricardo me impressionou por jogar pra banda, por ser uma porra de guitar hero também, mas com sentimento de lateral argentino, entende? Não quer driblar demais. Bota velocidade, força e caminha pro gol, tudo sem perder beleza plástica. Isso somou demais e esta aí a prova do trabalho dos dois e nosso… Que disco!

Quanto ao nome Vitória, ele remete à idéia de vencer, de persistir, e ainda faz alusão à cidade? Qual a relação entre essas ideias?
Sim, é exatamente isto. Vitória é uma ilha e o colonizador chegou a Vila Velha, bem em frente à ilha, mas só conseguiu pisar na ilha mais de trinta anos depois de estar na região. É uma mistura do sentimento de ser capixaba, resistente, isolado e bastante toscamente auto-suficiente, com estar numa cidade onde o esquema é filho da puta, onde a grana conta mais do que uma boa índole, mas que tem as pessoas mais maravilhosas que já conheci na vida. Todas mergulhadas numa sopa cinza de impessoalidade, sonhos tortos de prosperidade e um desnível econômico entre classes brutal, e mesmo assim, ótimas pessoas. Olham pra frente, são de todos os lugares do mundo e, mesmo assim, têm certo senso de pertencimento grande. Sou apaixonado pela experiência cosmopolita paulistana e quero dar a minha contribuição de capixa como um paulistano, que somos todo de todos os lugares do mundo. Essa é uma das ideias do disco.

Dead Fish Vitória

Desde o surgimento da banda, o que vocês notam de diferente na cena do Espírito Santo? Isso se observa em outras regiões do país?
Não sou mais tão ligado ao cenário local do Espírito Santo. O que sei é que sempre teve e sempre terá muitas bandas boas. Do meio pro fim dos anos 90, tivemos um cenário bastante produtivo e intenso por lá. Participei e, sinceramente, já disse isso em outras entrevistas, o que tínhamos no Espírito Santo naquele tempo era a melhor e mais produtiva cena de música punk e hardcore do Brasil. Tínhamos muitos zines per capta, um bilhão de bandas por todo o estado, gente envolvida numa rede bastante independente, festivais grandes e médios… até rádio tínhamos. Era algo bonito de se ver e viver, foram grandes anos. Só que a gente, por estar mais isolado dos grandes centros, não percebeu, e isso provavelmente afetou a longevidade desse processo todo. Acabamos importando algumas ideias pouco factíveis pro nosso cenário, principalmente a de segmentar musicalmente a coisa toda. Enfim, são ciclos, né? Não se pode querer que o grunge seja uma novidade em Seattle pra sempre, né? Brasília teve um ciclo desses nos anos 80 e 90 com o hardcore de lá. Acredito que Porto Alegre tem uma tradição de cenário rock que difere de tudo, porque sempre foi misturado e com uma sensação de autonomia muito grande, o que é completamente diferente do cenário dos anos 90 do Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Existem sutilezas e elas não podem ser desprezadas nunca, essa história precisa ser contada, até porque todos esses cenários, em um dado momento, estiveram conectados, mesmo antes de a internet ser uma ferramenta cotidiana. Isso é super importante para as pessoas mais novas envolvidas em um cenário de arte, música e cultura independente, que estão ali nas cidades que citei, dando continuidade a algo que pode errar menos e se entender melhor sabendo da história toda.

Pra vocês, quais bandas se destacam atualmente na cena hardcore no Brasil?
Eu gosto de uma banda chamada O Inimigo aqui de São Paulo. Vejo uma molecada super correria nas bandas Plastic Fire, Days of Sunday, Bullet Bane e Rótulo. Cada uma da sua forma está somando. Gosto dos Renegades of Punk, de Aracajú, que estão trazendo uma mentalidade e uma novidade sonora muito foda.

O recorde no Catarse pode indicar que a música politizada ainda tem espaço no Brasil?
Olha minha definição de política é bastante ampla. Comer é uma decisão política certo? Dar descarga nos seus dejetos e saber pra onde ele vai é uma percepção política, ou não? Essa é minha exata percepção de política: vida cotidiana. Acredito que sempre existiu e sempre existirá espaço em qualquer lugar do mundo, e principalmente no Brasil, para música com postura politizada. Se tu for focar na música mainstream do mundo, ela é o lixo dos lixos da escória do cocô do bagual, daí tu não tira nada, mas é política também. Muito ruim, massificada e ao mesmo tempo elitista, mas é política. Só que, se tu for procurar por música independente por qualquer lugar, vai achar bandas super interessantes e gente fazendo bem bonito. Independente se estão questionando o governo ou falando do demônio ou de uma garota. Sempre é uma postura política e é nessa aí que todos deveriam estar interessados. Só que, no Brasil, não acontece por n motivos, de preguiça intelectual a políticas públicas equivocadas. Não é que a música politizada com conteúdo não tenha espaço, ela é mesmo ignorada e barrada até certo ponto por quem domina os meios neste país.

“Gigante e Inseguro” fala sobre os protestos recentes no país. As manifestações de junho de 2013 tiveram um impacto no discurso da banda, já bem alinhado com a ideia de reagir, ir às ruas etc?
Sim, a coisa começou tão bonita com os MPL aqui em SP resistindo ao fascismo da polícia do Alckmin… Existia uma perspectiva tão importante naquilo tudo, com a Globo condenando os protestos no começo e a molecada resistindo. Só que, em algum momento, a coisa desandou pra um lado tradicionalmente provinciano, estúpido e conservador do brazuca de qualquer classe. Somos um país muito violento e pessoalista desde sempre. Não existe um sentimento republicano por aqui, sempre fomos o seu coroné e suas ovelhas votantes. Isso de Belém a Porto Alegre – não vejo diferença entre os Calheiros e a Ana Amélia de vocês, no Rio Grande do Sul. São gente mal intencionada e manipuladora, na oposição ou na situação. A letra é exatamente sobre isso, sobre chorar de felicidade em junho e, em julho, estar rangendo os dentes de raiva de nós mesmos.

A banda está preparando o clipe da faixa-título de Vitória. Assista ao making of:

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10/03/2015

Jornalista, futura geógrafa.
Daniela Grimberg

Daniela Grimberg