#Acenavive | Felipe Rodarte (estúdios Toca do Bandido e Soma) fala sobre coletividade entre bandas independentes

22/03/2015

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Revista NOIZE

Por: Revista NOIZE

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22/03/2015

Foto: Sidnei Ribeiro

Em tempos de Facebook, por mais irônico que pareça, prevalece o individualismo. Estamos “conectados mais do que nunca estivemos” e, ao mesmo tempo, distantes uns dos outros, enfraquecidos. Com as bandas independentes, o cenário não é diferente. O pouco espaço que ainda resta é motivo para uma competitividade imensa entre os grupos.

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Tanto tempo trabalhando com diferentes bandas, o produtor Felipe Rodarte, dos estúdios Soma e Toca do Bandido, percebeu que era preciso fazer algo para o jeito com que a cena musical do Rio de Janeiro estava se configurando. Bastou ele apresentar alguns grupos que já havia produzido para essas bandas perceberem que a coletividade era a solução e quem sai ganhando com a competitividade entre os independentes é apenas o mercado da música. “Essa briga por espaço acaba fazendo com que ninguém se fortaleça”, conta Felipe nesta entrevista com o produtor.

Ele começou a movimentar a cena do Rio de Janeiro dessa forma, mas o objetivo é que a ideia se espalhe pelo Brasil e que a hashtag #acenavive seja um instrumento para isso. Na capital carioca, as bandas já organizaram juntas festivais, estão gravando discos produzidos por gente grande, como Marcelo Yuka, e até irão lançar uma coletânea com dez bandas do #acenavive. Além de agitar outros projetos essenciais pra divulgação da música independente, como a campanha pela volta da Rádio Cidade, que ressurgiu estreando o “A vez do Brasil”, um programa para grupos que precisam desse espaço. #Acenavive é compartilhamento de equipamentos, estúdios, contatos e, especialmente, ideias.

Por que a necessidade de transformar o modo como as bandas se relacionam entre si? Como essa coletividade afeta o trabalho final e divulgação de cada grupo?

Havia, na verdade, a necessidade de potencializar o que estava sendo feito individualmente e a única forma de fazer isso, sem dinheiro, é somando os esforços. Transformar três shows vazios em um evento cheio, ao menos, de músicos assistindo uns aos outros. Um influenciando o outro e colaborando para que aquele evento fosse o melhor dentro da realidade que viviam. Todos sendo responsáveis por todos e tudo sendo feito em busca de uma melhoria da realidade coletiva. Isso foi conduzido preparando os envolvidos para compreenderem o momento de cada um, que os mais preparados estariam conquistando espaço na frente, mas que seria uma conquista de todos, pois teríamos o modelo, a vitória sinalizando o caminho certo a se seguir. O sucesso é individual pois depende da entrega e dedicação de cada um. Por isso o “Do It Together” fez sentido para todos eles. Os contatos são compartilhados, as batalhas são coletivas e ainda há um respeito e admiração pelas conquistas individuais. A individualidade é totalmente preservada, o grande lance é essa pluralidade. O que conseguimos criar foi um movimento em que as individualidades se potencializam através do coletivo e quem conquista sabe da sua responsabilidade com os outros. Isso ajuda no compromisso na divulgação dos eventos, na formação de um público que vai ter uma variedade de bandas que certamente vai encontrar um som que o represente.

Com que bandas tudo isso começou? Qualquer banda pode entrar para a #acenavive e participar dessas reuniões e festivais que vocês organizam?

Começamos com uma reunião no meu estúdio Soma, perto de casa, no Jardim Botânico. Antes disso, conheci as bandas por conta do Estúdio Toca do Bandido, da Constança, com quem casei em 2009 e resolvi que deveria apresentar as bandas que produzia umas as outras, pois só com uma cena de verdade conseguiriam levar adiante seus sonhos de se desenvolverem com artistas de rock. As primeiras bandas foram Canto Cego, Folks e Drenna. Na sequência, as bandas fizeram alguns eventos como o Rock Bandido (NoveZeroNove organizou com a Folks e com o Canto Cego) e o Engaja Rock (Esse da Drenna e seus produtores na época, Priscila Reis e Vinicius Giffoni). Além disso, aconteceu do Kauan, vocalista da Folks, participar do vídeo da Stereophant (“Toda Glória da Derrota”) e decidi então marcar essa reunião no Soma com essa 5 bandas: Stereophant, Drenna, Folks, NoveZeroNove e Canto Cego.

Uma visão de coletivo fechado não faz jus a sua missão e devemos evitar restringir seu alcance

Liguei pro Kauan e pedi pra ele ligar pra bandas avisando que queria conversar. E assim foi feito. Planejamos algumas ações, definimos metas e começamos o trabalho. #Acenavive começou com essas bandas, mas não é um clube, nem agremiação. Uma visão de coletivo fechado não faz jus a sua missão e devemos evitar restringir seu alcance. Falamos que #acenavive pra quem vive a cena e nesse sentido fico mais feliz, pois mais que uma hashtag ou movimento é uma forma de se relacionar, de viver em todo seu potencial o que o outro pode te trazer e o que você pode dar pro outro. Trata-se de uma forma de se buscar a construção de uma nova realidade em que somos responsáveis uns pelos outros nessa ação de renovar, fomentar e conquistar novos espaços. Deixando isso claro, a cena vive não é de alguém, mas sim de todos que queiram construir, somar, participar e se comprometer com ela.

Qual a importância de estúdios como a Toca do Bandido e o Soma disponíveis para as bandas se reunirem para ensaiarem e trocarem ideias?

Dar acesso a informação e a equipamentos tem sido uma luta, uma batalha dentro de um mercado em transformação. Digo que é uma luta de guerrilha, uma guerrilha sem revolta, sem rancor com o que se vive, mas sem resignação, nem auto-piedade. Isso faz com que temos colocado os pés no chão sabendo das dificuldades e tendo uma real noção do que tem que ser feito. Esse acesso a esses espaços tem trazido um crescimento artístico e profissional para as bandas e mesmo as que ainda não tiveram esse acesso, estão em transformação por conta da vivência e da experiência das que já tiveram. A troca é constante, todos juntos, se misturando. Muito importante destacar a generosidade e comprometimento da Constança com artista novos, quer atuando na direção artística desses trabalhos com seu extremo bom gosto e inteligência, quer disponibilizando um estúdio com o arsenal impecável da Toca.

Como funcionam os festivais que #acenavive organiza?

Os eventos normalmente tem três bandas e nunca são as mesmas bandas. Estão sempre buscando novas bandas e ampliando a quantidade e qualidade desses eventos. Bandas não só do Rio, como por exemplo o pessoal do El Negro que esteve aqui fazendo três show em eventos diferentes. Isso faz com que o público comece a conhecer outras bandas e a também se misturar. A hashtag faz com que se você quiser saber o que está rolando é só clicar nela que vai ver a divulgação de diversos eventos. Estão surgindo diversos canais de YouTube e programas de TVs comunitárias que divulgam e cobrem esses eventos e festivais. Canais como o Foca na Cena e Coletivo Rock são exemplos disso.

Como vocês usam a internet a favor das bandas?

A internet democratizou o acesso de informações e se tornou o veiculo mais fácil para se comunicar, agregar pessoas, encontrar parceiros, além de facilitar na divulgação dos trabalhos. Tudo isso está sendo usado, mas conscientes de que se ficarem só na internet de nada vai adiantar, pois isso é uma ferramenta para potencializar os encontros, os eventos, afinal de contas o virtual nos interessa nesse ponto de facilitador, mas o que queremos é o real, a vivência das ruas, da cidade, dos espaços sejam públicos ou privados.


Bandas de rock são o foco do coletivo?

O rock no Rio de Janeiro estava muito sufocado, desprestigiado. Teve um período que ser guitarrista no Rio era quase uma afronta. Eu lembro que houve um período em que se a banda não tivesse uma percussão, um violão ou um DJ você estava fora. Eu mesmo tive que guardar minha guitarra para sobreviver. Não tenho problemas com isso, foi uma questão de uma época, uma tendência da cidade. #acenavive nasceu desse estrangulamento que essa turma mais nova vivia. A falta de espaço e de perspectiva, a vontade de ter voz, de construir uma nova realidade, de ver uma luz no fim do túnel. O rock em todas suas vertentes se abraçou debaixo desse guarda-chuva. Era se juntar ou desistir, não havia uma alternativa diferente disso.

Além do Rio de Janeiro, você percebe a coletividade entre bandas em outras partes do país?

O Rio por ter sido capital federal tinha uma característica aglutinadora de pessoas de todo o país e com isso uma força de ser precursora em vários movimentos de vanguardismo, mas com a decadência econômica e política iniciado no final dos anos 1970 e acentuado nos anos 1990 acabamos ficando pra trás, perdemos o norte. Existiam algumas ações de guerrilha que não deixava a coisa morrer como é o caso do CEP 20.000 [O Centro de Experimentação Poética acontece no Espaço Cultural Sérgio Porto toda última quinta-feira de cada mês, a partir das 20h] que dava espaço a toda uma geração órfã de causas coletivas que envolvessem a arte, mas essa percepção e realização do coletivo como forma de viabilizar e ocupar espaços e agregar pessoas abandonadas pelo poder público e privado se deu em outros lugares do país antes daqui nesse formato que tem na rede como uma das principais ferramentas. Temos muitos exemplos disso, mas pra mim o mais emblemático e que abriu a minha cabeça não só pelo fator coletivo, mas pela utilização da rede como ferramenta foi o Fora do Eixo. Enfim, existem outros exemplos em diversas áreas e acho que é uma nova forma de ajudar a construir soluções para nossa sociedade. Temos sido procurados por muitas bandas de vários lugares do pais que querem entender o que estamos fazendo e que estão querendo fazer o mesmo e temos ajudado nesse processo.

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22/03/2015

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