Entrevista | O peso e a loucura dos irlandeses do Girl Band

07/10/2015

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Leonardo Baldessarelli

Por: Leonardo Baldessarelli

Fotos: Divulgação

07/10/2015

Do silêncio, o som de um baixo começa a subir devagar. As notas sobem e descem de tom, indo e vindo lentamente. Logo entra a batida da bateria e uma voz esganiçada que soa desesperadora, combinando com o clima assustador do instrumental. A guitarra se aprochega muito barulhenta, e os instrumentos se juntam para um climax cheio de gritos e sons estranhos acontecendo. Essa é uma das descrições que poderiam ser feitas para “Paul”, música da banda irlandesa Girl Band. Pode ser um som “difícil” para quem não está acostumado com o barulho do noise rock e do post punk, mas, como o próprio guitarrista da banda, Alan Duggan, comenta: “é muito divertido de tocar”. Conversamos com Alan na terça-feira seguinte ao lançamento de Holding Hands With Jamie, disco de estreia do grupo no lendário selo Rough Trade, e ele nos contou sobre desde o processo de composição e gravação do álbum até qual a opinião dele sobre os rótulos musicais e a situação atual da Irlanda.

A banda foi formada há cerca de cinco anos, e mostrou seu som pelo circuito irlandês e pelas interwebs até que o pessoal da Rough Trade a descobriu em um pequeno show. Na quinta-feira anterior à entrevista, eles lançaram o álbum de estreia pela gravadora em Dublin, no domingo fizeram um show em Moscou, e na terça-feira já estavam de volta para Dublin. Holding Hands With Jamie, o disco, foi escrito em uma época terrivel para o vocalista Dara Kiely, que passou cerca de um ano e meio em depressão profunda após o fim de um relacionamento. Isso está exposto nas letras e também no clima de algumas músicas, e pudemos conversar com Alan sobre como foi a convivência naqueles momentos. Dê o play no clipe de “Paul” e mergulhe no nosso bate-papo com o guitarrista.

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Quinta vocês tavam em Dublin, domingo em Moscou e agora voltaram a Dublin. Como vocês encaram essas viagens e as turnês? E o show na Rússia?
Bem, o show em Moscou foi bem legal. Tinha muita gente para nos assistir, e eles estavam meio animados demais, era até meio bizarro. As pessoas tinham presentes para cada membro da banda, e bateram fotos com todos nós. Foi bem impressionante. E nós tivemos um dia de folga, também, então pudemos visitar o lugar, conhecer melhor a cultura. É tudo muito estranho, mas é interessante.

E vocês lançaram o disco em um lugar chamado The R.A.G.E., aí em Dublin, que é tipo uma loja de discos, mas também uma loja de jogos e um fliperama. Parece foda. Por acaso vocês têm alguma história com o local? Por que lançaram lá?
O The R.A.G.E. é, tipo, uma das melhores lojas independentes de discos de Dublin, mas não é só isso. É também o lugar em que nós fizemos nosso primeiro show como Girl Band, e o Daniel (baixista) e o Adam (baterista) já trabalharam lá. Além de tudo, o dono é um grande amigo nosso e o lugar é muito legal de várias maneiras. Então foi meio fácil decidir, tínhamos muita história lá.

Bom, já vi muita gente chamando vocês de noise, de punk, de post punk, de no wave e até de noise punk, mas ouvindo bem o som parece que vocês transcendem todas essas definições. Como vocês se sentem quanto a rótulos?
Nós tentamos não pensar muito neles. Eu consigo entender quando as pessoas categorizam uma banda como “isso é post punk” ou “isso é techno” ou o que quer que seja, mas o que sempre encontramos com a nossa banda foi um monte de gente sendo muito específico, e às vezes sem ter ideia sobre o que está falando. Já nos chamaram de “post goth”, “angry industrial”, “post avant garde rock”, coisas muito definidas, e que na real não significam quase nada.

Nos definir é difícil, até porque nós não conseguimos nos definir direito. Temos uma grande influência do no wave, gostamos de muitas bandas do gênero. Swans é uma delas, além de muitas outras. A ideologia desse gênero é algo que nos atrai também. Mas, no fim, não sei bem o que pensar.

É, é complicado. E muitos já chegam falando que são uma coisa ou outra coisa, né? Já começam uma banda dizendo que fazem parte de um gênero.
Sim, e eu acho isso meio limitador. Porque, assim, algumas bandas já começam a escrever pensando “somos um grupo de noise rock” ou “fazemos post punk”. É uma ideia que impõe um limite, sabe? Você já começa fazendo um som que tá numa caixa, e tem um universo inteiro no lado de fora que às vezes você não considera. O modo com que nós se aproximamos da música é exatamente o contrário. Sabíamos que havia uma série de bandas que nós não queríamos ser parecidos, que definitivamente não gostávamos, e então tínhamos o resto do mundo da música aberto para explorarmos. Por isso que às vezes dá para ver a banda indo em várias direções diferentes. O que pode nos influenciar é praticamente ilimitado.

E que bandas são essas que vocês não queriam se parecer?
Bem, quando começamos estávamos vivendo o boom do indie inglês, então havia milhares de banda que tocavam o mesmo som. Isso era o que nós realmente não queríamos ser. Tinha o Kasabian, o Arctic Monkeys, o The Kooks, coisas como essas. O “indie rock” parecia meio cansado, porque nós realmente gostávamos das bandas mais antigas, como The Strokes, The Libertines, mas dava para perceber que eles tinham uma atitude diferente, que até nos inspirou um pouco.

Também tinham muitas bandas em Dublin que soavam como o Radiohead, e, apesar de respeitarmos muito a banda e admirarmos eles, eram tantos grupos tentando imitar os caras que simplesmente não dava para ser mais um. E a partir disso pensamos nas coisas que realmente gostávamos de ouvir, música mais experimental, muito punk. Da soma disso e do que não queríamos ser, começou a surgir o som do Girl Band.

Agora falando sobre o disco novo Holding Hands With Jamie e o processo de gravação dele. Eu percebo que tudo soa cheio de energia, tensão, intenso e até meio desesperador. Isso é um reflexo de como foram as gravações? Quer dizer, foi difícil fazer o álbum em estúdio?
Bom, não foi muito. As gravações foram divertidas, bem divertidas. Nós mesmos gravamos, então tínhamos controle sobre tudo o que estava acontecendo desde o processo de escrita. Sobre a intensidade das faixas, é até meio engraçado e surpreendente, porque nós somos caras meio comuns, não somos monstros bizarros, mas estamos aí fazendo um som extremamente tenso, dramático e pesado. A real é que esse estilo é extremamente divertido de tocar, tanto ao vivo quanto em estúdio. Plugamos os instrumentos e fazemos um monte de barulho, e poucas coisas são mais divertidas do que isso. Não é algo agressivo para nós, é algo que gostamos de fazer.

Ao vivo, às vezes, as coisas mudam um pouco. Há certa raiva subconsciente que nos faz ser ainda mais agressivos e pesados. Mas gravar é só gravar, e dessa vez foi muito divertido porque tivemos controle quase total do processo e ficamos no estúdio por muito tempo. Pudemos gravar todas as faixas de cada música dentro de um mesmo estúdio, acabou sendo algo bem normal, bem “ok, agora vamos gravar o álbum”.

Algo que me chama atenção no disco é a percussão, que sempre parece meio estranha, cheia de barulhos diferentes surgindo aqui e ali. Eu tô louco ou vocês experimentaram bastante nas batidas?
Sim, tentamos fazer várias coisas estranhas na gravação das baterias e também de outros instrumentos. Nós botamos a caixa da bateria na frente do microfone e plugamos o mic num pedal de distorção, fazendo o som sair de dois amplificadores que ficavam um de frente para o outro. Isso criou um efeito de peso, terror e distância, bem interessante. Em “Umbongo” (faixa de abertura do disco) tem uma parte em que o som fica mais calmo e depois vai voltando a ficar pesado aos poucos. Nesse momento usamos “pipe cleaners” (esponja para limpar cachimbos em geral) como baquetas em cymbals quebrados. Jogamos coisas contra paredes e capturamos o som, chegamos a passar tardes caminhando pelo estúdio e batendo em qualquer coisa para ver que tipo de som saía e se talvez pudéssemos usar, e algumas coisas entraram nas músicas. Teve até uma faixa em que ficamos pelados para gravar, para criar um clima, assim, meio tribal. Nos divertimos muito.

E como vocês pensam em levar esses sons para os shows?
Bom, os cymbals quebrados meio que fazem parte do kit de bateria, e outras coisas não são difíceis de reproduzir de algum jeito. Acho interessante pensar como o disco foi pensado e gravado ao vivo, então não temos como separar muito bem o que é uma música no álbum e o que é uma música ao vivo, vai mais pelo nosso sentimento e pela nossa interação com o espaço do palco e com o público. No fundo, o que fizemos foi praticamente um disco ao vivo. E podemos fazer tudo o que fizemos no “estúdio” em cima do palco.

É, e pensando no som de vocês eu consigo imaginar um show realmente foda. Como vem sendo as apresentações? Tem alguma que marcou muito vocês?
Shows de música, no geral, são bem divertidos, sabe? E pensando sobre como andam as nossas performances, dá pra perceber que as músicas vão mudando um pouco, se aperfeiçoando, começam a ganhar uns toques diferentes, e tudo isso meio que vem ao natural. Cada um de nós entra na sua pira, meio que nos perdemos na música e entramos em transe. Em certo ponto, perdemos o controle, mas aprendemos a canalizar essa tensão para o que está acontecendo na música.

Pessoalmente, eu tive algumas experiências até meio desagradáveis em shows. Eu enlouquecia, perdia o controle sobre mim, sentia meu coração batendo muito rápido e chegava a suar. Era algo muito estranho, algo como um colapso nervoso. Felizmente eu comecei a me controlar mais e, recentemente, estou bem mais focado, botando esse tipo de “desespero” dentro da música, canalizando os sentimentos negativos em coisas positivas, e os shows não param de ficar melhores.

O Dara (vocalista da banda) ainda sofre um pouco com o fato de fazermos muitos shows, mas isso é algo bem pessoal. As letras do nosso novo disco vieram de uma época terrível para ele, mais ou menos nos últimos dois anos, quando ele acabou um relacionamento e entrou em uma depressão profunda. Apesar de ser complicado viver com isso, ele também consegue canalizar essa negatividade bem, e tudo meio que entra no espetáculo. Às vezes o Dara parece muito afetado com tudo no fim dos shows, mas as coisas sempre acabam bem.

E sobre isso que aconteceu com o Dara, como foi conviver com ele nessa época? Isso afetou muito a banda?
Bem, depois que ele acabou o relacionamento foi mais ou menos um ano e meio de uma época extremamente negativa para ele. Como somos mais do que integrantes, somos grandes amigos, tudo nos afetou, e ele estava realmente depressivo e ansioso com tudo, era algo meio assustador. Foi muito difícil, tivemos que adiar turnês, adiar lançamentos de singles, mas continuamos trabalhando e as coisas se desenrolaram. O que nos ajudou, também, é o fato de que não forçamos nada, e isso é uma característica nossa. Não nos importamos de adiar as coisas, porque não temos aquela mentalidade de “isso tem que acontecer agora, precisa ser agora”. Deixamos cada um levar o seu tempo, e acho que só em casos extremos passaríamos por cima de alguém, e isso é algo que ainda não chegou perto de acontecer.

Mudando de assunto, o Daniel (baixista) comentou para a NME que vocês praticamente só ouvem música antiga, mas eu imagino que vocês ouçam coisas novas, pelo menos para ficar por dentro. Estou certo?
Sim, claro. Nós sempre estamos ouvindo o que está tocando por aí ou o que achamos ou nos indicam, mas existe tanta música antiga, sabe? É um mundo inteiro de coisas para descobrir.

Todos nós somos fãs de música, e isso nos faz sempre estar procurando coisas “novas”, sejam novidades “velhas” ou coisas de bandas atuais. E nós colecionamos discos, assistimos muitos documentários, amamos pesquisar história da música. E, acima de tudo, temos a mente bem aberta para novos sons. Nós realmente gostamos de música, então é natural que procuremos coisas antigas e tenhamos muito interesse por história e por descobrir como as coisas aconteceram, e como gravar de um jeito diferente, como produzir som. Aquilo que o Daniel falou tem muito mais a ver com o fato de haver uma imensidão de música antiga para ouvir e que as nossas principais influências são sons de outros tempos, mas não somos contra ouvir novos sons, de jeito nenhum.

Vocês acham que o fato de vocês serem irlandeses influencia o som que vocês fazem?
Bom, não diretamente. A Irlanda em si não é um assunto das nossas músicas, nem nos interessamos por pensar música desse jeito temático. Algumas bandas daqui até tendem a tentar ser “britânicas” de alguma forma, tentam soar “londoners”, como se quisessem conquistar o Reino Unido. E nós não queremos isso de nenhuma forma. Você sabe que vivemos uma grave recessão aqui, e isso acaba influenciando nossas escolhas de vida. Não há trabalho para os jovens, não podemos decidir quando teremos um trabalho ou não, é muito complicado. Isso acaba fazendo com que você comece a tocar música e se interesse por “inventar” seu trabalho. Nesse ponto, talvez, a influência de viver em Dublin tenha pesado na formação da banda.

Algo interessante sobre essa situação de Dublin é que, tipo, nos últimos dois meses uns 6 ou 7 amigos meus se mudaram para Dublin e vão viver lá por um tempo. O país está em recessão, mas continua atraindo muita gente. Consegue imaginar por quê?
Bom, eu não sei muito bem. Minha namorada, por exemplo, é brasileira, de Uberlândia, eu conheço algumas outras pessoas do Brasil, tem gente de outros países da Europa, da Austrália, da América. Mas eu realmente não sei. Definitivamente não é o lugar mais barato. Na verdade, é bem caro viver aqui. É mais barato do que Londres, então talvez as pessoas queiram estar próximas da Inglaterra e procuram um lugar mais barato.

A Irlanda é conhecida internacionalmente por o quão pequena é como país, e é bastante popular pelo mundo também. É um país muito divertido, se eu for ter que pensar numa razão; as pessoas são legais, elas são muito hospitaleiras, e todo mundo recebe bem os estrangeiros. Tipo, as pessoas vem aqui, passam por todo lugar e não recebem um olhar preconceituoso, sabe? É fácil se sentir bem recebido. Mas eu realmente não sei se esse é o principal motivo.

Só para finalizar de vez: como vocês se sentem ao lançar um disco por uma gravadora lendária como a Rough Trade. Quero dizer, como é lançar um LP no mesmo selo que lançou o The Smiths?
É muito legal. Algo que era bizarro, mas que agora já se tornou meio normal, é que o staff da gravadora são pessoas iguais a nós, assim, bem simples. O clima é totalmente informal, eles gostam de rir, são uma equipe pequena e atenciosa com tudo. É muito bom de trabalhar, e nos sentimos em casa. As coisas que eles fazem com a gente, também, eles ligam antes, perguntam o que achamos, se realmente queremos esse caminho. É incrível.

E isso foi muito importante, porque eles conversaram com a gente, cada um dos integrantes conseguiu crescer e aprender com eles. Até mais do que sobre música, sobre relações de trabalho, sobre a indústria. Desmistificaram um pouco nossa mente quando pensamos sobre “grandes selos”. Foi e continua sendo excelente.

Bom, então é isso. Um abraço, tudo do melhor para a banda e espero ver vocês aqui no Brasil logo.
Valeu. Com certeza estamos trabalhando nisso. Vejo você em breve!

O disco Holding Hands With Jamie já está disponível no iTunes e em todos apps de streaming. Ouça abaixo no Rdio.

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07/10/2015

Redator de social media, jornalista, músico, emo, jogador de bocha, astrólogo e benzedeiro nas horas vagas. Um colono que se encontrou na cidade grande e agora pensa que sabe escrever sobre qualquer coisa.
Leonardo Baldessarelli

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