Entrevista | IDLES na luta contra os clichês

16/09/2020

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Nilo Vieira

Por: Nilo Vieira

Fotos: Tom Ham/Divulgação

16/09/2020

O IDLES está entre os principais expoentes do rock nos últimos dez anos. O som dos britânicos tem as mesmas influências de várias bandas herdeiras do post-punk, mas eles vão na contramão da cartilha blasé do gênero: prezam pela alegria e são ótimos de palco. Após conquistarem Europa e Estados Unidos com seu carisma, era a vez da América Latina prestigiá-los na edição deste ano do festival Lollapalooza.

A pandemia impediu a turnê, mas a banda seguiu produtiva. Ultra Mono, seu terceiro álbum, está marcado para o próximo dia 25 e já rendeu cinco singles, todos com clipes produzidos durante o período de quarentena. Conversamos com Mark Bowen, o divertido guitarrista da banda (e cover do Julinho da Van) sobre o novo álbum, a história da banda e o mundo na pandemia.

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IDLES (Foto: Tom Ham/Divulgação)

Como você está, Mark?
Estou bem, estamos em Londres no momento, fazendo o possível e respeitando as orientações de saúde. Sessões de fotos, imprensa, promocional, para preparar para o lançamento em breve. É estranho pensar essas coisas, antes parte da rotina, agora parecem totalmente diferentes.

A banda está na estrada por algum tempo, mas com só dois álbuns, impressiona o quão longe o IDLES chegou – ainda mais considerando o declínio de popularidade do rock. Como você explicaria o sucesso da banda?
É tudo que sempre quisemos. Como você disse, estamos ativos por uns dez anos agora, sempre tivemos a ambição de ser a melhor banda do mundo e acredito que alcançamos isso nos últimos anos. Creio que havia um apetite devido à situação da indústria musical: uma falta de sinceridade, ambição, humor, alegria. Acho que isso nos levou ao sucesso, a habilidade de não prestar atenção na indústria e, desculpe por dizer, no que a mídia diz também (risos).. sinto que somos externos a isso tudo. (O sucesso) É algo bom e assustador, de várias maneiras. E vamos continuar! Ficamos melhores a cada álbum, e espero que o próximo seja tão bom quanto o Ultra Mono.

O Joe Talbot, vocalista do grupo, é bem enfático sobre o IDLES não ser uma banda punk. Existe alguma razão política para isso ou é apenas uma questão de não gostar de rótulos?
Sim, é mais sobre não se vincular a nenhum gênero musical. Creio que rótulos são úteis e ajudam as pessoas a entender as coisas, mas se atrelar a eles é problemático – limita seu ponto de vista e criatividade. Entendo porque as pessoas nos descrevem como uma banda punk, mas não é algo que levamos em conta para composições ou nosso ethos. O punk é um movimento de quarenta e cinco anos, e há vários aspectos nele dos quais discordamos profundamente. E vários com que concordamos, claro, mas não é empolgante para nós e nem tão inclusivo como somos.

O Sleaford Mods acusou vocês de “apropriarem a classe trabalhadora”…
Gostaria que qualquer um apontasse onde fizemos isso. Entendo porque o Williamson (vocalista do Sleaford Mods) se sinta assim, mas ele está completamente errado. Meu pai é dentista, minha mãe é professora, nunca fingi ser algo que não sou.

O verso “I want to be loved/ Everybody does” do single  “A Hymn” lembra um trecho similar de “How Soon is Now?”, dos Smiths. A banda segue influente, mas sabemos o que o Morrissey se tornou. O mesmo caminho aconteceu com o Sex Pistols e Oasis, por exemplo. Nesta altura, qual sua opinião sobre separar arte e artista?
É algo importante a se fazer, a menos que você faça arte relacionada à mensagens políticas.Se alguém estiver mentindo, é bom que seja apontado e as pessoas saibam. Mas creio que devemos separar arte e artista o máximo que pudermos. Historicamente, muita música boa foi feita por otários e ainda consigo apreciar de alguma forma.

O novo álbum, Ultra Mono, está marcado para setembro. Existe certo debate sobre lançar novos trabalhos durante a pandemia, e uma pesquisa no Sunday Times apontou que pessoas consideram artistas entre os profissionais “menos essenciais” nestes tempos…
Menos essenciais? Não faz sentido, inclusive tenho consumido mais arte que nunca durante o lockdown. Não somos essenciais para manter o país alimentado e bem cuidado, mas (a arte) é importante para a saúde mental, cultura, para que as pessoas entendam o mundo ao seu redor, educação, catarse, empatia (risos)… Também é importante para protestar contra o status quo e os governos fascistas que estão tomando nossos países. Quando consideramos arte não essencial, eles vencem.

Qual o significado por trás do nome e da capa do disco?
Ultra Mono é sobre o singular, é o IDLES destilado à forma mais essencial, tudo ao redor de uma única ideia. E (o conceito) também lida com o indivíduo, o modo que as pessoas se percebem, a coragem, ou falta dela, de ser você mesmo e estar sob a própria pele. E a singularidade dentro da comunidade: quando um grupo de pessoas se reúne no nosso show, isso o torna um show do IDLES – e viramos uma única entidade em movimento. E a capa tem essa dicotomia, luz e sombra. E acho que expressa o soco na cara que é ser impactado por uma unidade tão massiva… ou alguém ser atingido por uma bola rosa gigante (risos).

Ultra Mono foi composto durante o período em que o brexit foi aprovado. Influenciou a atmosfera do LP?
O mundo ao redor nos influencia, e o brexit é parte dessa grande cultura do medo da agenda fascista no meu país, no seu, nos EUA… e isso nos levou a uma busca por compaixão, unidade, comunidade. Nesse aspecto, influenciou. Mas acho que isso foi mais forte no disco anterior, quando tentamos passar esperança em meio ao pânico dessa farsa que é o brexit.

O disco foi produzido para “capturar o feeling de um disco de rap”, contando inclusive com o produtor Kenny Beats. 
Hip hop sempre nos influenciou, especialmente o Joe, o jeito que ele canta tem muito a ver com o hip hop que cresceu ouvindo. E sonicamente também. Diria que “Grounds” é uma canção de rap com instrumentos de rock, por exemplo. “Reigns” é um som techno, mas novamente com uma banda de rock tocando. Foi 100% intencional, sempre tivemos isso em mente enquanto escrevíamos. É lindo sairmos de nossa zona de conforto, então contatamos o Kenny Beats e ele adicionou a sensibilidade do hip hop, nos ajudou com o som de bateria e o low end de guitarra e baixo. Não procurávamos uma mixagem tradicional de rock. Quero que você ouça esse álbum e depois qualquer coisa do Kanye West, Jay Z ou Kendrick Lamar e perceba que o fluxo sonoro se mantém.

Há várias outras participações especiais de gente como a Jehnny Beth, Warren Ellis, David Yow também.
Muito da essência do Idles é sobre ouvir os outros, compartilhar experiências, então era importante ter colaborações. A maioria foi por acidente! O David Yow foi só porque o conhecemos em turnê, ele é um dos seres humanos mais incríveis que já encontrei e tem essa bela voz e grande energia. A Jehnny Beth foi porque estávamos gravando na França, aí o Joe queria uma música cantada em francês e no dia seguinte, fomos participar do programa de TV dela, Echoes with Jehnny Beth. Mostramos a canção pra ela, que disse “seu francês é terrível”! Então foi apropriado se aventurar no idioma com uma nativa, além da importância da voz de uma mulher no álbum.

O release do Ultra Mono sugere “cuspir clichês como fina arte para as massas”. Já vi pessoas criticando as letras por serem muito simples…
A intenção é essa (risos). Estamos tentando passar um ponto de vista do jeito mais direto e conciso nessa indústria. Especialmente neste disco, que é sobre o momento, acreditar no que você diz, ser o mais honesto possível e isso frustra algumas pessoas porque elas gostam de pompa. Então é, dane-se essa gente (risos).

Algo que acho curioso é que as letras nunca são transcritas nos encartes físicos, mas sim pensamentos relacionados a elas. Por que?
Exatamente por serem tão diretas! (risos) Acho que as pessoas não precisam delas escritas para entender o que falamos, e é uma oportunidade de explicar as intenções do álbum em profundidade, fornecer mais nuance e abrir a imaginação dos ouvintes…

Teve uma exibição em Londres com peças inspiradas pelo Joy as an Act of Resistance, o segundo disco de vocês. O quanto a arte visual os influencia? 
Muito. Eu e Joe temos pais artistas. Quando começamos a trabalhar na gênese do álbum, discutimos o título, o que significa sonoramente e liricamente e a tradução visual disso – é algo que informa muito sobre o trabalho. O Joe é uma pessoa muito visual, e eu me sinto mais inspirado para compor depois de observar quadros ou assistir filmes do que após ouvir a música de outra pessoa. Há uma espécie de satisfação instantânea que a arte visual proporciona… e buscamos isso, pintar um quadro através de nossa música.

O IDLES é conhecido por ser uma banda muito física ao vivo. Tem receio que os shows não serão os mesmos?
Não… não acho que o IDLES fará shows com distanciamento social, não parece apropriado e não é por isso que as pessoas vêm até nós. Humanos criam contato e conexões uns com os outros, e as pessoas estão desesperadas por isso durante esse período de isolamento. Então não me preocupo, pode demorar certo tempo até podermos fazer as coisas como queremos, mas no instante em que subirmos no palco, estaremos mais empolgados que nunca.

Inclusive no Brasil, já que vocês viriam para o Lollapalooza…
É, nós acompanhamos as notícias e a merda está por todo canto, governos aproveitando a oportunidade e o medo geral para suprimir direitos e precisamos estar vigilantes. Estávamos muito entusiasmados para ir ao Brasil, é um marco para a banda. Sabemos que precisamos ir para a América Latina. Já ouvi muitas bandas brasileiras, e inclusive nosso primeiro baterista era do Cansei de Ser Sexy!

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16/09/2020

Jornalista, quando não está pregando sobre Billie Ellish, edita o blog Bass Doom.
Nilo Vieira

Nilo Vieira