Junior Marvin, guitarrista do The Wailers, lembra do que viveu com Bob Marley

06/02/2019

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Ariel Fagundes

Por: Ariel Fagundes

Fotos: Reprodução

06/02/2019

No dia 4 de fevereiro de 1977, Junior Marvin teve que fazer a escolha mais difícil de sua vida: entrar pra banda do Stevie Wonder ou pro grupo do Bob Marley. Felizmente, Marvin escolheu Marley e, depois disso, o reggae não foi mais o mesmo. O primeiro disco que Junior fez no The Wailers foi o excelente Exodus (1977), depois veio Kaya (1978), Survival (1979), Uprising (1980) e o póstumo Confrontation (1983).

Ao longo desse tempo, Marvin viu de perto os últimos instantes de Bob Marley e viveu ao seu lado momentos históricos, como o show de comemoração da independência do Zimbábue e o One Love Peace Concert, que ajudou a acabar com a onda de violência política que assolou a Jamaica no fim dos anos 1970. Marvin é uma peça-chave no mundo do reggae e tivemos uma conversa com essa lenda, veja abaixo.

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Bob Marley e The Wailers em 1977, quando Marvin entrou pra banda

Bob Marley e The Wailers em 1977, quando Marvin entrou pra banda

Como você se sente de volta ao Brasil? Você morou aqui em 1997, né?
Eu amo o Brasil, sabe? A música, o povo… Tudo é maravilhoso aqui, estou bem feliz de estar me apresentando aqui de novo, sempre gosto de vir pra cá. Eu morei em Goiânia!

E por que você veio morar aqui?
Eu me casei com uma garota brasileira! (Risos)

E quanto tempo você ficou no Brasil?
Morei um ano e meio entre Brasília, Goiânia, Rio de Janeiro e São Paulo. Me diverti muito morando no Brasil.

Você chegou a criar uma banda aqui, a Batuka.
Sim, nós criamos uma banda de reggae que misturava uns ritmos brasileiros. Era uma banda boa, nós nos divertimos muito. Mas aí eu voltei pros Estados Unidos e voltei a tocar com The Wailers.

É verdade que você ficou amigo do Gilberto Gil?
Sim! Nós chegamos a fazer alguns shows juntos em Curitiba.

Mas nunca gravaram nada juntos?
Não… Ele gravou “No Woman, No Cry”, que foi um grande hit no Brasil, e gravou algumas músicas com a Rita Marley e as I Trees. Eu não tive a oportunidade de gravar com ele, mas nós estávamos conversando sobre isso, sabe? Talvez no futuro gravemos algo.

Você entrou pro The Wailers em 1977, quando o Bob já estava fazendo muito sucesso.
Sim, ele fez muito sucesso com o Rastaman Vibration. E aí, quando eu entrei, nós fizemos Exodus, Kaya, e todos discos depois disso.

E como você entrou na banda? Você foi convidado pra tocar com o Stevie Wonder também, não?
Eu fui convidado pra tocar com o Bob Marley e com o Stevie Wonder no mesmo dia, sabia? (Risos) Foi uma situação bem inusitada ter que decidir entre a banda de qual dos dois eu iria participar. Porque eu adorava os dois. No final, meus amigos e família falaram mais alto, já que eu nasci na Jamaica, achei que seria melhor tocar com o Marley primeiro. Então eu fiquei com ele. Mas eu amo o Stevie Wonder também! Ele é um grande artista, foi uma oportunidade incrível poder tocar com ele. Mas considerando meu contexto, minha história e o fato de que eu nasci na Jamaica, achei que seria melhor tocar com um artista jamaicano.

E vocês chegou a compor algo com o Bob ou ele fazia criava tudo sozinho?
Em algumas músicas, como “Could You Be Loved” e “Exodus”, eu ajudei ele com o começo das canções. Ajudei ele com as introduções, os arranjos… A gravadora não deu os créditos, mas eu estava envolvido na criação dessas músicas. Eu acho que a ideia era fazer parecer que Bob criava tudo sozinho, mas nós sabíamos que não era bem assim. (Risos)


Qual foi o show que mais lhe marcou?
Acho que o meu primeiro show em Londres foi muito bom pra mim, o primeiro na Jamaica, o One Love Peace Concert, também foi. O show do Zimbábue também… Além disso, fizemos grandes shows em Milão pra mais de 150 mil pessoas. Também na Nova Zelândia, Austrália, Japão… Todos foram bons!

O show que vocês fizeram no Zimbábue foi muito importante para o país. Você se lembra daquela noite?
Eu acho que o Zimbábue era um dos últimos redutos europeus na África, e o país estava sendo influenciado pela África do Sul de Nelson Mandela. Era uma época de mudanças, sabe? O regime colonial africano estava nos seus últimos dias, tinha chegado a hora da África tomar conta de si mesma. O show que fizemos naquela noite foi muito excitante. Tinha muitos militares querendo entrar no show, e não tinha mais lugar. Depois de um tempo, eles derrubaram o portão e entraram. Todo mundo entrou em pânico, as pessoas se jogavam na frente dos carros, com medo. A polícia se meteu no meio e jogou gás lacrimogênio pra todo lado. Mas no final ficou tudo bem. Fizemos um show extra pras pessoas que não conseguiram curtir a celebração.

Poucos anos antes, Bob sofreu um atentado a tiros em sua casa. Vocês não tinham medo de que algo ruim pudesse acontecer?
Eu entrei na banda depois desse atentado na Jamaica, que foi no fim de 1976. Aí ele foi pra Londres, onde eu o conheci em 1977. O atentado aconteceu por causa das tensões políticas que aconteciam na Jamaica naquela época. Muitas pessoas tentaram fazer do Bob um político, sabe? Mas ele fugiu daquilo tudo e só voltou pra fazer o show One Love Peace Concert. Os partidos políticos ficaram mais tolerantes e menos violentos. Acho que o Bob fez uma grande diferença ao ajudar as pessoas a pararem de se matar por causa da política.

E vocês, sendo a banda que estava com ele, se sentiram ameaçados em algum momento?
Não… Quer dizer, a política sempre é um pouco assustadora. Mas o atentado ao Bob marcou o fim da violência. Ninguém se machucou muito, ninguém foi morto… Então tivemos sorte! (Risos)

Peter Tosh não teve a mesma sorte…
É… Mas eu acho que o caso do Peter Tosh teve mais a ver com um assalto do que com questões políticas.

E como vocês sentiram a morte do Bob? Como foi pra banda?
Foi uma grande surpresa pra todos nós. Nunca esperávamos que ele fosse partir tão rapidamente e que o câncer fosse ser tão forte. Acho que naquela época as pesquisas sobre o câncer ainda estavam engatinhando e ele não teve a sorte de encontrar o tratamento certo a tempo. Mas a música segue viva.

Depois que o Bob morreu o que aconteceu? O The Wailers seguiu tocando junto por um tempo, mas depois vocês se separaram e surgiram vários grupos se chamando The Wailers. Em 2009, você criou o The Original Wailers; hoje, Aston e Carlon Barrett e Tyrone Downie se apresentam com o nome de The Wailers. O que você acha disso?
Houve muitos problemas pra conseguir receber o dinheiro dos direitos das músicas depois que o Bob morreu. Alguns músicos ficaram muito frustrados porque estavam sendo muito mal tratados. Então todo mundo estava tentando sobreviver e criar algo novo. E aí nós fomos pra direções diferentes, sabe? Só isso. Não tinha como continuar como estava. Você não tem como ser o mesmo pra sempre. Nós continuamos mantendo contato, mas cada um vive em um lugar. Tem gente morando na França, na Inglaterra, na Jamaica, nos Estados Unidos… Estamos espalhados por todo mundo, sabe?

E quanto ao nome The Wailers?
Bem, o nome The Wailers pertence a quem tocou com o Bob. O baixista tem sua banda, Al Anderson, guitarrista, tem a The Original Wailers, eu tenho minha própria banda chamada Junior Marvin’s Wailers. Então, tentamos manter nossas próprias identidades. Bob era o líder, e ele não está mais aqui, então nós tivemos que achar novas formas de sobreviver.

Chegou a haver discussões entre vocês?
Não, acho que o problema principal foi com as gravadoras, empresários e advogados. Bob morreu e ficou muito difícil para nós sermos pagos pelos royalties, acho que foi isso que causou uma confusão na banda. As pessoas responsáveis por nos pagar, não queriam nos pagar. (Risos) Isso é complicado, mas você tem que encarar a realidade.

De todos gravações que você fez, tem alguma da qual você se orgulha mais?
Eu gosto de todas. Eu toquei com Toots & The Maytals, Bob Marley, Alpha Blondie, muitos outros artistas dos Reino Unido, África, Estados Unidos… E sempre tento dar o meu melhor, como músico é só o que você pode fazer, dar o seu melhor. Eu tento manter a música viva e ser original.

Seu último disco solo, Wailin’ For Love, é de 2007.
Sim, eu estou trabalhando em um novo disco agora chamado Unite The Time Is Right. Terá 14 faixas novas que eu tenho escrito há um bom tempo. Espero lançar ele no fim desse ano. Acho que agora é um bom momento de botar músicas novas no mercado. E também estou fazendo um disco com Junior Dread, um músico brasileiro de reggae muito bom. Estou muito feliz com esse disco também! Acho que sairá no fim do ano também, daqui a uns três meses.

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06/02/2019

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Ariel Fagundes

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