Keziah Jones: salvando o mundo com blufunk

17/11/2014

The specified slider id does not exist.

Powered by WP Bannerize

Revista NOIZE

Por: Revista NOIZE

Fotos:

17/11/2014

Há muito tempo atrás, um guitarrista nigeriano criou uma forma de tocar única e chamou ela de blufunk, uma sonoridade peculiar que funde o blues com a pegada rítmica do funk e soma essa mistura às suas raízes cravadas na cultura yorubá da Nigéria. O que poderia ser a narrativa do nascimento de um super-herói do 3º mundo é também a história de Olufemi Sanyaolu, músico famoso pelo nome artístico de Keziah Jones.

Quando criança, Keziah foi mandado por seus pais para viver em Londres com o plano de que estudaria para assumir os negócios da família. Ao invés disso, preferiu ser músico e ir tocar nos metrôs de Paris. Entre um batuque e um slide, Jones acabou construindo uma carreira sólida como um baobá. Desde o seu álbum de estreia, Blufunk Is A Fact (1992), lançou cinco outros discos de estúdio e se apresenta regularmente mundo afora. Seu último lançamento, Captain Rugged (2013), leva o nome do personagem que ele criou para simbolizar a dura vida do povo da Nigéria. O Capitão Acidentado (numa tradução muito livre) é um super-herói nigeriano que vive suas aventuras pelas ruas de Lagos, a capital do seu país. E mais do que um conceito do álbum, Captain Rugged se tornou protagonista de uma graphic novel feita pelo músico em parceria com o desenhista Native Maqari.

*

Amanhã, Keziah Jones começa em Porto Alegre uma turnê pelo Brasil: o primeiro show é no bar Opinião; no dia 19, ele toca no Circo Voador, no Rio de Janeiro; no dia 20, o show é de graça no Vale do Anhangabaú, em São Paulo; e, no dia 22, o músico toca em Belo Horizonte, no Sesc Palladium. Alguns dias antes de vir ao Brasil, o Sr. Blufunk trocou uma ideia com a NOIZE por telefone.

keziah jones

Sua música une as raízes africanas, o ritmo yorubá, com o blues e a guitarra elétrica. Como você percebeu que era possível fazer isso? Que sons você ouviu que lhe fizeram se dar conta disso?

Eu ouvi muito blues antigo, muito Fela Kuti, pegando esse lado da música nigeriana, mas também, é claro, muito Jimi Hendrix, muito Frank Zappa, Funkadelic. Quando eu tocava nas ruas de Londres, me dei conta de que precisava achar uma forma de fazer o violão soar como uma banda inteira. Então achei um jeito de tocar com o slide e fazer a percussão ao mesmo tempo. Mas eu não sei bem, um pouco disso veio de outros músicos, um pouco veio da minha herança de música africana, juntei tudo e surgiu um estilo musical.

A vivência de tocar nos metrôs teve um papel importante nisso, eu imagino.

Sim, a época em que eu tocava nos metrôs de Paris foi basicamente uma escola pra mim. Tocando na rua, você tem que achar uma forma de fazer as pessoas pararem para ouvir. Foi assim que eu desenvolvi muitas técnicas. Tudo para fazer sozinho um som que fosse grande e barulhento para fazer alguém assistir ao show inteiro. Obviamente, nas ruas, as pessoas estão caminhando o tempo todo – e você tem que fazer elas pararem para lhe ver. E tem que ser muito convincente para fazer isso. Então acho que essa foi a minha maior escola, tocar nas ruas.

Seu novo álbum, Captain Rugged, comparado com trabalhos anteriores, soa mais futurista. Parece que você adicionou alguns elementos novos ao seu som. Você pode falar um pouco sobre isso?

Esse disco tem muito do Funkadelic do George Clinton, aquele estilo bem funk. Não que isso não tivesse aparecido antes. O assunto principal do disco é um super-herói chamado Capitain Rugged, que é uma forma que achei de falar sobre algumas ideias minhas. Através da história dele, posso falar de uma forma mais sobre conhecimentos que tenho da África do que se falasse apenas enquanto artista. Eu posso falar do futuro da África, eu posso falar da corrupção que acontece, coisas assim. Esses temas aparecem no disco todo, é um disco bem diferente dos anteriores.

Como você criou esse personagem, o Captain Rugged? De alguma forma, ele representa um lado seu?

Eu venho escrevendo histórias como essa há um bom tempo. Eu sempre conversava e brincava com meus amigos sobre como seria um super-herói nigeriano. Como ele se pareceria? O que ele vestiria? O que ele comeria? Qual seria seu super poder? Então fiquei imaginando esse personagem na minha cabeça. Aí me dei conta de que haviam alguns super-heróis na minha vida. Fela Kuti claramente era um super-herói para mim, Jimi Hendrix também. Então fui achando um jeito de criar esse personagem, eu queria que ele fosse especificamente nigeriano. Ao longo dos anos ele foi ficando mais claro. Conforme tive mais experiências com a música e a cultura nigeriana, terminei a história dele. E vi que não havia nenhum outro super-herói nigeriano mesmo.

Foi sua ideia criar a graphic novel?

Foi quase uma necessidade, sabe? Lagos tem vários prédios super modernos junto com outros muito antigos em estilo português, aí do lado você tem uma capelinha e, do lado dela, uma mansão incrível. É meio selvagem, meio sujo… é uma paisagem bem impressionante, que está retratada na graphic novel. As graphic novels em geral se passam em cidades como Nova Iorque, ou em Londres, imagens ocidentais, né? Manhattan, etc… Tentamos mostrar uma realidade que virtualmente não aparece nunca, por isso fizemos a graphic novel. E também, em termos musicais, você pode ouvir a música acompanhando a graphic novel ao mesmo tempo. É mais uma forma de se envolver com a música.

Você tem planos de lançar outros episódios dessa história?

Temos o plano de desenvolver uma história que tenha três partes. Essa foi a primeira, a segunda parte vai sair quando eu lançar meu próximo disco e assim por diante. Com certeza, vamos continuar com isso.

Seu próximo disco abordará esse mesmo tema então?

É bem possível… Em dezembro eu vou começar a escrever ele. Eu ainda não tenho certeza sobre como vai ser exatamente, mas esse pensamento sobre a África é uma coisa que está em todo meu trabalho. O próximo vai ser uma continuidade disso.

De alguma forma, o Captain Rugged é um símbolo da luta que as pessoas do 3º mundo precisam encarar dia a dia?

Com certeza. É uma pequena forma de usar a música para expressar isso. A situação mundial atual está bastante intensa, veja as políticas contra os imigrantes na Europa. O debate global mais importante de hoje diz respeito à movimentação livre das pessoas pelo planeta Terra. As pessoas estão procurando locais para fugirem da guerra, da fome, e há toda uma estratégia para impedir elas de conseguirem isso. Então o Captain Rugged é uma forma de olhar para essas pessoas, para os refugiados, por exemplo. Na Nigéria, 90% das pessoas são pobres, então Captain Rugged é uma forma de dar alguma voz a essas pessoas para que o mundo possa ouvi-las um pouquinho. Nem que seja através dos quadrinhos de uma graphic novel. Então sim, é um símbolo que eu criei para explicar o que está acontecendo na Nigéria.

Acho que no Brasil não é tão diferente assim. Você é um artista muito respeitado internacionalmente, mas você tem espaço para tocar na Nigéria? Você mora na Nigéria hoje?

Sim, sim. Eu estou agora mesmo na Nigéria. Eu morei no exterior por muitos anos, mas voltei há quase quatro anos. E eu toco aqui sim, faço pequenos e médios shows, participo de alguns eventos também. Na verdade, eu passei 20 anos morando fora, mas sempre voltava por causa da minha família, que mora aqui.

E o que as pessoas estão escutando mais na Nigéria hoje em dia?

Agora, o que está rolando mesmo é o hip-hop nigeriano. É um fenômeno gigantesco, todo mundo que tem 20, 25 anos ouve artistas nigerianos de hip-hop. As pessoas também ouvem muito a cantora Asa e a família do Fela Kuti, o Seun Kuti, mas o que mais se ouve mesmo é hip-hop, que uns chamam também de afropop.

keziah jones 2

E como você vê a África na indústria musical dos dias de hoje? Parece que muitos artistas estão buscando inspiração na África.

Eu acho que é um ciclo. A cada 20 anos se renova o interesse pela cultura africana e pela música africana. Acho que estamos nesse momento agora. Os negros dos Estados Unidos descobriram o Fela Kuti e, como resultado disso, acabaram se envolvendo com a alma da África como um todo. O resto do mundo do mundo tem redescoberto muito a moda africana, sabe? Nós temos trabalhado mais na Nigéria, e vejo que, aqui, o mercado da música nigeriana tem sido bem atraente, tem crescido também o mercado de cinema nigeriano – é chamado de Nollywood. Então, sim, eu acho que a África tem sido uma grande fonte de inspiração. Porque é um continente imenso com muitas países, muitas línguas, muitas culturas. Com certeza continuará inspirando as pessoas. O que estamos tentando fazer agora é controlar o que está saindo pra fora. Queremos que as pessoas se inspirem na África, mas não que elas façam isso da forma errada. Temos que ter controle sobre os produtos da cultura africana que saem da África. Essa é uma nova psicologia que está rolando agora entre o povo africano.

É interessante que o Brasil tem uma herança nigeriana muito forte, muitos escravos que foram trazidos para cá vieram da Nigéria e trouxeram a cultura daí para cá centenas de anos atrás. A cultura yorubá vive aqui também e talvez isso tenha algo a ver com a sua música.

Eu acho que isso é o principal. Acho que essa conexão que já existe deve ser fortalecida. A conexão yorubá e nigeriana é fundamental. Ainda que, enquanto artista, eu gosto de criar obras que sejam versões modernas dessas culturas tradicionais. Eu acho que vocês vão perceber esse intercâmbio todo quando me ouvirem porque o rock, o blues e a música ocidental estão bem misturadas na minha forma de música. Estou muito feliz de poder tocar para o público brasileiro, vou mostrar a união perfeita entre a música afro e o funk. É para isso que estou indo ao Brasil, para mostrar essa união.

Tags:, , , , , , , , , , , , , , ,

17/11/2014

Revista NOIZE

Revista NOIZE