Entrevista | Mergulhe no climão com a Letrux

22/03/2018

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Brenda Vidal

Por: Brenda Vidal

Fotos: Divulgação/Ana Alexandrino

22/03/2018

Letrux em Noite de Climão é um álbum tão humano que em algum momento você vai se identificar e, até mesmo, se ver descrita em algumas letras – mesmo que você esteja apaixonada ou que esteja sozinha. Desde o lançamento do disco, em julho do ano passado, Letícia Novaes tem dado vida à persona Letrux, se jogado no climão e feito muito sucesso. O projeto, solo veio após o fim do Letuce, duo de MPB ao lado do antigo namorado Lucas Vasconcellos. Mas, não pense que esse seja um disco que fale só sobre fim de relacionamentos ou só sobre Letícia. O climão convoca homens e mulheres a mergulhar em si mesmos, nos altos e baixos da vida (amorosa ou não), a rir e a chorar e a não passar batido na festinha.

Ganhadora de prêmios e citada em diversas listas dos melhores álbuns de 2017, Letrux segue em turnê e visita Porto Alegre neste final de semana (com direto a sold out e show extra), passa por Campinas no dia 5 de abril, em São Paulo no dia 21, e participará de diversos festivais pelo Brasil, como Popload Festival.

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Leia o papo exclusivo que a NOIZE teve com a cantora sobre a repercussão do disco, sexualidade feminina, se jogar na bad e saber como sair do climão. Vem conferir!


Letrux em Noite de Climão
é bem autobiográfico e ondulatório, vai da fossa à superação. Como que você encontrou a leveza e o tom certo para falar disso de um jeito tão fluído?
Ah, eu acho que eu devo isso ao meu bom humor porque, apesar de eu ser muito profunda e mergulhar nas coisas profundas, eu acho que o humor salva vidas. Então, apesar de ser um álbum denso, ele tem uma carga de comédia bem forte porque eu acho que eu gosto dessa coisa do tragicômica. Eu adoro chorar para caramba e daqui a dois minutos eu já tô gargalhando do meu drama e do meu choro, e eu não sou bipolar nem nada disso. É apenas uma administração saudável e curiosa que eu tenho dos meus humores, do meu mergulho, do que é dramático e também do que é comédia. Eu acho que é um disco autobiográfico, mas tem muita coisa de personagem também porque eu quis criar essa persona. Eu até falo uns textos no palco que não são necessariamente eu, Letícia, falando. Alguns textos são uma persona, uma mulher que eu me inspirei, pode ser a minha mãe, a minha vó, as mulheres que eu amo, as artistas que eu admiro. Eu fiz essa “noite de climão” pensando em amigas, não chega exatamente só eu, é uma coisa bem misturada mesmo.

O trabalho é mega independente, fruto de financiamento coletivo. De repente, ele estoura e é celebrado como uma das grandes façanhas atuais da mpb. Como você processa tudo isso?
Eu fico muito feliz. É para mostrar que a música independente existe e ela é de boa qualidade. Muita gente fala “Você é do nicho, você não vai chegar a estourar”. Eu falo: “Claro, eu não tenho mecanismos para isso”. Não é porque a minha música é ruim, não é porque eu fiz um hit. O Artur Nogueira, um compositor do Pará, escreveu um texto muito importante no Facebook falando que se vários discos que foram lançados nos anos 80 e 90 fossem lançados hoje, eles seriam tipo a gente [músicos independentes]. No entanto, como foram lançados na época das gravadoras e na época das rádios, eles estão aí tocando nas rádios. Até hoje, eu entro no Uber ou no táxi, não toca música atual, a não ser assim axé, funk, coisas que tem respaldo de gravadoras ou da grande mídia, às vezes nem são artistas, são mais celebridades. Então, eu achei muito bom ganhar prêmios, achei muito bom isso tudo estar acontecendo porque mostra que a música independente respira, tá bem e tá viva, sabe? Isso é muito, muito importante.

Nessa pegada, parece que você estava processando muitas coisas íntimas durante a produção do álbum. Às vezes eu mesma ouço alguma música do disco, penso que no começo eu me identificava, mas depois eu já canto muito animada porque superei a situação a qual ela me remetia. Como é para você, nos shows, ouvir um coro cantando coisas tão confessionais?
Isso mostra o quanto a gente é um indivíduo que sente coisas. O meu disco, sei lá, eu acho que as letras são coisas específicas, mas elas também dialogam com sensações coletivas, sensações que as mulheres sentem, que os homens sentem. Eu fico meio abismada ainda, não sabendo como lidar, meio “Ai que lindo, tão cantando a minha música!”. Eu não acho isso natural, acho forte, acho curioso, fico impressionada. Uma música que você faz, sei lá, pelada na sua casa, tocando violão no quarto, na Tijuca, um bairro da zona norte do Rio. Aí, de repente, eu vou para Florianópolis e a galera começa a cantar a sua música e você fica “Gente, não acredito!”. É muito impressionante. Eu fico muito honrada de fazer parte de algo que é do reino da emoção porque a pessoa ouve uma música e ela se emociona. Então eu fico impressionada e feliz mesmo.

Essa vibe mais glam, 70 e 80 que o disco tem, é reflexo de algo que você estava ouvindo na época ou foi uma decisão mais de referencial estético?
Não, na verdade…olha que engraçado! É uma pergunta que acontece muito, sobre a questão dos anos 80, e eu, Arthur Braganti e Natália Carrera, que produzimos o álbum, nunca falamos “Gente, vamos fazer um disco meio anos 80?”. Eu fazia as composições na cabeça, outras no violão, outras confiando no Arthur, eu chegava com as propostas das melodias, das letras, e o Arthur me ajudava no piano, e quando a gente foi se encontrar com a banda, para fazer os arranjos,a gente não falava tanto sobre o que a gente ia fazer, era uma coisa meio fluída. Claro que tinha direcionamento, tanto da Natália quanto do Arthur, mas foi uma coisa que. . .não sei. A gente tem a mesma idade, eu, Arthur e a Natália somos todos de 82, Natália é até 83, mas enfim, a gente tem um diálogo, ouvimos as mesmas coisas, saímos na mesma época, tivemos as referências parecidas. Acho que isso ficou no coração e acabou que saiu, mas foi tudo muito natural mesmo, foi uma coisa que fluiu e aconteceu.

Você tem uma preocupação muito forte com a estética de Letrux em Noite de Climão. As roupas, os shows, os clipes, tudo conversa. Em uma outra entrevista, você disse que a cor vermelha, que é a cor predominante na estética do álbum, era uma fase sua, que você estava amando ruivo, estava sangrando e sentindo-se mais passional. O significado do vermelho mudou para você nesse meio tempo?
Não, eu acho que eu nunca tinha feito show com o Letuce de vermelho e acho que desde que rolou o golpe, a cor vermelha começou a ter outro significado. Virou um statement sair de vermelho hoje em dia. Eu senti isso e é louco porque eu também gosto de verde e amarelo, mas aí começou a ter aquelas manifestações para a galera de verde e amarelo e eu pensei “se eu estiver de verde e amarelo vão pensar que eu sou um deles”, olha que louco, né? As cores acabam ganhando outros símbolos, outros significados. Eu acho que o climão é vermelho, o climão tem a ver com sangue, tem a ver com paixão. A paixão é vermelha, o sangue é vermelho, então eu acho que foi só uma decisão de símbolo da cor vermelha mesmo. É bonito, as pessoas tem ido de vermelho ao show, acho curioso, acho que nos une de alguma maneira, algo de “tamo aqui, tamo lutando, vamo sangrar, vamo morrer”, como Marielle Franco morreu, – e eu votei nela. Mas temos que resistir, às vezes dá muita vontade de desistir. Ontem [dia em que Marielle Franco foi assassinada], eu pensei “Meu deus, eu vou embora do país”. Mas é foda, não dá, agora é a hora talvez de resistir, de lutar, de tentar.

Você me parece bastante visceral e franca neste trabalho, mas ao mesmo tempo existe uma aura de sereismo, meio misteriosa, de penumbra. Você acredita que isso é uma decisão apenas estética ou estava descobrindo uma Letícia/Letrux que não conhecia? Como essas duas coisas jogam?
Ah, eu gosto de mistério. Eu sou de uma família espírita, então eu sou uma pessoa que respeita muito o que é invisível, o que também não é dito, o que é uma névoa, o que fica no ar, o que é etéreo. Eu acho que o climão também é misterioso, às vezes você não sabe nem porquê você sente “nossa, que climão” com alguém. Não sei nem como começou, sei lá, às vezes o santo não bate, às vezes é uma explicação invisível. Eu acho que de alguma maneira isso aconteceu também, veio essa atmosfera etérea pro disco, foi impressionantemente. É muito bom as pessoas sentirem isso e falar “Nossa, aquela música é um mistério”. E que bom né! Às vezes mistério é bom para não ser desvendado.

Eu fico com a sensação das músicas falarem de um amor muito pós-moderno, líquido. Não é sobre “cartas não enviadas ou ligação não atendidas”, é sobre querer se jogar na pista, “não passar batida na festinha”, ter tatuagem com o nome do namorado que não deu certo. Foi intencional traduzir algo tão atual?
O disco tem composições desde 2012 até 2017, engloba, uns cinco anos da minha vida. Várias composições de várias épocas: época que eu tô casada, época que eu tô separada, época que eu já conheci alguém, época que eu já desconheci, época que eu já experimentei outra circunstância. Então, ele passeia por muitas questões. Eu acho que quando você faz um disco, por mais que as coisas sejam fluídas de alguma maneira, querendo ou não, algumas coisas são mais redondinhas. E aí eu acho que pensei muito nessa questão de contar uma saga amorosa, essa mulher que sou eu, ou pode não ser eu – pode ser uma amiga, pode ser a minha avó, pode ser uma mulher que eu não conheço- que passeia por esse lugar, por essa circunstância. Ela vive os altos e baixos dessa noite de climão. Ela sai, ela vai passear, ela volta para a casa, ela sente coisas estranhas. É uma curva, uma trajetória de uma mulher durante uma noite em que ela meio que vive de tudo. Eu acho que a gente tem que passar por essas situações, experimentar, viver de tudo, eu acho que é o que conecta tanto.

Dá para perceber que você fala sobre a superação de finais de ciclos, de relacionamentos, sem entrar em clichês do tipo “vou emagrecer e você vai se arrepender de ter me largado”, sabe? Essa sua busca por autoestima vem mais de dentro? Você sempre enxergou a autoestima dessa forma?
Sim. Eu sofri bullying na adolescência e acho que isso é um processo que é para o resto da vida quando se sofre bullying nessa época crucial da adolescência. Imagina, eu fiz análise, fiz terapia, fiz teatro e então as coisas melhoraram um monte, mas é para o resto da vida. Fazendo esse disco, é claro que eu quis brincar com outras coisas, fazer um cabelo diferente, ficar mais sensual, mas não porque me separei, nada disso. Até porque o meu ex-marido, meu ex-namorado, o Lucas [Vasconcellos], nunca foi esse tipo de pessoa, sabe? Pelo contrário, eu falava “Essa ou essa blusa?” e ele sempre ele escolhia a que era a mais decotada. Ele nunca me podou, nunca me cortou, nunca fez nada disso. Eu tive muita sorte. Então, eu acho que o processo de autoestima não tem ver com a separação, tem a ver com o movimento feminista mais. Eu acho que nos últimos dois, três anos, a gente foi cada vez mais se conectando com outras mulheres, se percebendo. Tipo, que loucura, nossa! Por que raspar a perna? Para quem raspar a perna? Eu acho que a autoestima tem mais a ver com o movimento feminista.

Tem momentos que você canta para “sair desse climão” e, em outras, diz que “parece que é bad, mas vou adorar”. Você encara a dor como algo agridoce?
Quando eu falo “parece que é bad, mas vou adorar”, é falo antes sobre “remédio, terapia, naufragar”. Tem gente que acha que tomar remédio é uma bad, gente que acha que fazer terapia é bad. Tem gente que fala “Não, não naufraga!”, “Não desiste, é mó bad”, sabe? É bom se afogar, é bom fazer terapia, é bom às vezes tomar remédio. Existe uma condenação muito grande para essas pessoas. Ah, “Você tem que ser feliz”! Você tem que nada, entendeu? Eu acho que às vezes é bom se afogar, sim, e às vezes também você tá num climão que é legal estar. Essa música [“Noite Estranha, Geral Sentiu”] que eu falo “sai desse climão”, eu tô falando para uma amiga. A parte do “se você tá apaixonada, ou se você tá sozinha” e a hora que eu do um conselho, tipo, “sai desse climão”! Mas isso não invalida o poder do naufrágio, o poder do remédio. Eu acho que como amiga, tanto de mim mesma quanto de outras amigas, é importante a hora de dizer “olha, acho que tá, vive isso, se afunda”, assim como é importante dar a mão e falar “ó, sai desse climão!”. Acho que as duas coisas são fortes.

Em “Flerte Revival”, você fala “Meu look eu pensei o dia inteiro, só para te encontrar” e que “Fica na pista o set inteiro, dançando como se o ‘seu’ corpo estivesse junto do meu”. Isso me pega bastante porque eu já fiz exatamente isso e me sinto muito ridícula de me importar com isso!
É, é uma vibe super boba, se você parar para pensar. “Meu look eu pensei o dia inteiro só para te encontrar”, não é nem agradar, é “só pra te encontrar”. É uma frase boba, mas todo mundo já fez isso! Todo mundo já pensou em uma roupa não para si, mas para encontrar o ser amado, o ser desejado. É tão bobo, tão bobo, mas como todo mundo já viveu isso, realmente essa música toca muitas pessoas. Todo o mundo já foi isso, já foi essa pessoa boba que pensa “Ah, que besteira, não tô me vestindo para mim, tô me vestindo para um date”. Eu acho que as pessoas baixam a guarda e falam “Ah, todo mundo já fez isso”, então tá tranquilo.

Você acha que isso fala um pouquinho do “rídiculo” que o amor tem?
Acho que fala. Nem é amor, eu acho que é paixão. Essa música nem é tanto sobre amor, é mais sobre paixão. O amor, talvez, não seja tão ridículo, mas a paixão é um absurdo de ridículo [Risos]. A paixão é ridícula e que bom! Que bom ser ridículo, né? Que bom baixar a guarda e cometer atos quase de loucura. E que bom que isso nos torna mais humanos, não máquinas programadas de “ai, não vou falar isso” ou “ai, não vou mandar essa mensagem”. Tem que viver o ridículo sim, acho que até para evoluir.

O álbum é muito sensual. Você explora essa questão da sexualidade de uma forma tão franca e natural, o que é muito incrível, principalmente para as mulheres. Esse efeito é resultado de um processo seu de se conectar com a sua sexualidade de um jeito mais leve? Ou você sempre conseguiu tratar isso de um jeito natural e orgânico?
Eu acho que é um processo. Eu não me acho uma pessoa sensual nem nada disso, pelo contrário, me acho mais palhaça. Aquela que quando vai fazer um striptease… imagina, eu nunca fiz, porque eu não me levo tão a sério. Mas aí o movimento feminista também foi me dando uns alertas também sobre o que é sensualidade. Talvez sensualidade não seja aquilo que o pornô te ensinou durante a sua adolescência inteira ou o que os homens mostram nas revistas. A gente teve um equívoco de educação sexual muito forte. Eu especificamente sou da década de 80, as meninas que tão vindo agora são muito mais à frente, eu tô aqui atrasada e recuperando o tempo perdido. Acho que teve mais a ver com esse processo do feminismo mesmo, por isso que veio essa sensualidade.

Letrux Em Noite de Climão é um universo muito completo e particular, a imagem da Letrux tá muito ligada a ele. Como que você lida com isso para que não se torne um peso e engesse os seus próximos trabalhos? Você tem essa preocupação?
Eu acho que eu não me levo tão a sério. Tipo, isso não mudou a minha vida, sabe? Eu continuo morando no mesmo lugar, indo na padaria… foi foda, foi um marco, claro que foi! E que importante que esse disco tenha vida, que lindo! Mas, sei lá, não me acho melhor porque eu fiz esse disco. Que bom que aconteceu, de bater nas pessoas, das pessoas se emocionarem, mas não é um peso porque eu não deixo ser também. Sou muito pé no chão, sou muito capricorniana. A vida tem outras frentes, outros momentos também. Mas sempre vou ser muito feliz e grata e o fato de eu achar que não é um peso não invalida a importância que eu dou ao meu trabalho e ao disco. Eu suei muito, muito. Foi um processo forte, tanto espiritualmente quanto de ralação, de ensaiar, ir na mixagem e voltar. Não foi fácil, “ai, cuspi esse disco”, não. Foi mó trabalho. Mas eu não me levo tão a sério, ou penso “sou foda”. Pelo contrário, acho que todo o artista precisa se questionar mais para evoluir. Acho que não pode bater no peito e falar “eu sou foda” nunca.

Para finalizar, você tem alguma dica para sair do climão?
[Risos] Nossa, sair do climão é difícil! Eu acho que para sair do climão, é sempre bom encontrar os amigos, aqueles “um ou dois” amigos ou amigas mais próximas, que dá para falar qualquer coisa. Bebendo ou não bebendo, porque, imagina, o álcool ajuda mas pode piorar as circunstâncias. Ou também ficar sozinha e tomar um banho de setenta horas e,sei lá, afundar na cama e chorar. Colocar as músicas favoritas para chorar e aí você vai afundar. Mas uma hora vai passar e você acaba saindo do climão, e isso é importante.

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22/03/2018

Brenda Vidal

Brenda Vidal