Entrevista | Loic Koutana é todo transparência e tônus no projeto L’homme Statue

13/12/2019

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Brenda Vidal

Por: Brenda Vidal

Fotos: Gleeson Paulino/Divulgação

13/12/2019

Loic Koutana admira as estátuas. Com elas, ele reconheceu e incorporou a potência da linguagem do corpo e a capacidade de comunicar e emocionar sem dizer uma palavra. É do corpo retinto, que carrega a herança direta dos pais africanos, que ele fez sua trajetória como modelo, performer e dançarino. Quem já teve a oportunidade de assistí-lo ao vivo ao lado da Teto Preto sabe o quanto seu porte grandioso e em estado de graça impressiona: na performance, Loic ganha ares de divindade, mito, epifania.

Diferente das estátuas, seu interior não é nem oco nem maciço. No corpo-espetáculo de Loic cabe o tônus necessário para se manter firme, resiliente e aterrado, mas também uma transparência que transborda sinceridade, afeto e vulnerabilidades. É vestindo-se do avesso que ele agora ingressa na música como compositor e cantor no projeto solo L’homme Statue. Com sonoridade inspirada pelo R&B eletrônico com pegada de rock, ele se permite ser carne viva, mostra seu íntimo, sua sensibilidade e suas vulnerabilidades, entre feridas e curas.

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Hoje, ele lança mais um single que adianta o que poderemos conferir em seu álbum de estreia, Ser, com previsão de lançamento para fevereiro próximo. “Egoísta” é a nova faixa de trabalho que saiu pelo selo mexicano Onda Mundial e que você não só pode como deve ouvir logo abaixo. Na sequência, siga o fluxo, leia o papo que batemos com ele sobre os novos caminhos na música e confira uma playlist exclusiva com suas inspirações musicais.

Quais são suas memórias afetivas com a música e com o canto? Existe alguma imagem ou algum momento marcante que lhe inspirou na decisão de se começar a cantar?
A música sempre esteve presente na minha vida porque minha família tem um trabalho dentro da música; meu pai toca baixo e o meu irmão toca piano, aprendeu o instrumento sozinho, e faz beats, e a minha mãe sempre gostou de dançar também. Você pode achar que isso me incentivou a cantar ou tocar, mas foi ao contrário. Eles eram tão talentosos que eu tinha vergonha de dizer que cantava, eu não sabia se cantava bem, tanto que eu nunca dancei ou cantei na frente da minha família. Meu irmão foi me ver em um show do Teto Preto recentemente! Quando descobrem que ele faz beats para rappers gringos, as pessoas falam “nossa, já que seu irmão faz música, você poderia colaborar com ele, né?”. Mas às vezes tenho vergonha né, penso “será que eu sou bom o bastante?”. Sobre as memórias afetivas, bom, sempre gostei de ouvir músicas de vários estilos diferentes, porque na minha casa era assim. A gente ouvia desde música africana até jazz, música brasileira, Milton Nascimento – eu amo muito o Milton!-, também música eletrônica, que sempre esteve muito presente na infância, e o rap americano.

Seus pais nasceram no continente africano e você morou por um tempo na Costa do Marfim. Em outras entrevistas, li relatos de você relembrando o quanto a dança estava presente naquela cultura, sobre o quanto as crianças preferiam passar o recreio da escola dançando, que essa era a sua verdadeira brincadeira. Existia isso também com o canto?
Na França era engraçado porque a gente tinha muitas atividades tipo natação, tênis, ou seja, esportes individuais, e na África, eram muitas atividades coletivas, em grupo, além da dança, o que para mim era uma coisa inédita. O canto também era algo presente porque, na França, era obrigatório ter canto, mas eu também tinha vergonha de cantar nas aulas da época do colégio. Os meus professores falavam que eu tinha uma voz interessante, que eu deveria aperfeiçoar e continuar nessa direção, mas eu sempre pensava que não, que era uma brincadeira. Mas eu já cantei para o meu irmão, para um dos beats dele, mas eu nunca vou passar o link para ninguém [risos]!

Por quê? 
Eu tenho muita vergonha! Mas enfim, eu já cantei para o meu irmão, e eu sabia que tinha capacidade de cantar, mas, agora, fazer um álbum?! Eu admiro muito os cantores, sabe? Cantoras como Xenia França, Luedji Luna… e aí, quando penso neles, quando eu vou aos shows deles, eu fico tipo “Nossa! Que tudo!”. E é engraçado, eu passo tanto tempo performando com a Teto Preto, já nos apresentamos na Austrália, na França, mas é uma coisa diferente estar com uma banda e dançar, e estar sozinho no palco com um microfone, sabe? Acho que 2020 vai ser um ano muito surpreendente porque muitas pessoas criam projeções a partir do Teto Preto, que tem uma estética forte e impactante, mas acho que o meu trabalho vai ser exatamente sobre o que está dentro, o que tem de mais sensível. Acho que quando você faz um álbum, quando escreve, você se mostra muito mais. Sobre as composições, bom, algumas das músicas que estão no disco foram escritas em 2015, 2016, 2017. Por exemplo, a música “Vela” vem do fato de que a minha avó sempre gostava de acender velas em África, principalmente durante a noite. E aí eu perguntei “mas por que você acende vela?”, e ela me dizia que ao acender uma vela durante a noite, a gente afastava os espíritos maus e que daí não teríamos mais medo. Eu escrevi pensando nisso, mas se tornou uma coisa bem interessante porque o fogo que destruiu a minha casa foi causado por uma vela. Mas, ao mesmo tempo, isso me deu uma nova forma de ver a vida, então eu vejo isso como uma alegoria positiva. Eu tinha medo, mas agora não tenho mais. 

Além de fazer parte do Teto Preto, você já teve participações como performer em clipes de Rincon Sapiência e Baco.Teremos Laura Diaz, Rincon e Baco no disco também? Tem alguma parceria prevista? 
Ai que legal! É algo muito interessante isso que você tá me perguntando porque o Teto Preto está gravando uma nova música que também sairá pelo selo do México, o Onda Mundial, e a Laura me ligou dizendo que queria que eu cantasse com ela. Então, é a primeira vez que eu vou participar do Teto Preto como cantor. Sobre participações do Teto Preto no meu projeto bom, em primeiro lugar, é bem importante mostrar que esse projeto é uma nova porta aberta e, para não confundir o público, a gente preferiu ainda não ter parceria ainda. Mas já tem uma música feita e pronta com o Chay Suede. É uma música que já está pronta, que ele canta comigo, porque ele é um dos artistas do selo que tá querendo descobrir novos talentos. Então vai ser uma das surpresas para 2020, mas não posso dizer em que data vai sair. Agora, pensando nas minhas parcerias dos sonhos, acho que seria uma colaboração com o Baco Exu do Blues, que é um grande amigo meu. Ele, inclusive, tinha me convidado para, mais uma vez, emprestar meu corpo para a arte do próximo álbum dele, mas eu não consegui porque eu tava viajando pelo Rio. Mas a gente planejou para 2020 pensar uma parceria de alguma forma, em clipe ou em música, mas é um artista com o qual eu sempre vou me relacionar. Eu adoraria colaborar com a Urias, é uma artista que eu admiro muito, que por muito tempo foi vista “só” como a melhor amiga da Pabllo Vittar, mas acho que ela tem muito para mostrar. Eu admiro muito a dedicação, a beleza e a força dela. Acho que ela é uma das minhas apostas musicais. E talvez um artista gringo, né?

Você tá assumindo vocais, composição e co-produção ao lado de Pedro Zopelar. Como foi o processo e que referências estéticas e musicais formam o disco que vamos poder conferir? 
A parceria com o Zopelar começou quando eu tava cantando no backstage, porque eu te falei que sou tímido, né? Mas com eles eu me sinto confortável. E aí ele me ouviu e disse “você canta”, e eu perguntei, “será?”, e ele “não, você canta!”, ele reforçou que era uma afirmação e não uma pergunta. Aí ele disse para eu passar no estúdio na semana seguinte para ver quais eram as minhas ideias, que a gente poderia brincar um pouco, fazer uma música. De repente eu cheguei com todos os textos que eu já tinha e foi assim, começamos a fazer a primeira música. Aí peguei o gosto pelas coisas, e já faz um ano disso, começamos lá por 15 de novembro de 2018 e naquele final do ano já não tinha mais show do Teto, estávamos de férias, então, como tínhamos muito tempo, a gente sempre terminava e falava “amanhã, a gente se vê? e amanhã?”, e aí em um verão nós fizemos o álbum. O engraçado é que também teve minha ida para a Chapada Diamantina, na Bahia, que é um lugar de muita paz, e eu me conecto muito com a natureza, e foi aí que eu criei muitas músicas. Pude falar mais facilmente sobre assuntos que não falaria se não fosse essa experiência, como o amor livre, empoderamento preto, minha relação com a minha família, que me achava egoísta pelo fato de viver no Brasil, então são coisas muito sensíveis que escrevi quase chorando em meio a natureza. E sobre as referências, minhas referência são Milton Nascimento, admiro muito a Elza Soares, são meus nomes de referência brasileiros. Meus nomes internacionais são King Krule, eu amo muito ele, amo muito também Toro Y Moi, eu amo muito também Solange, minha diva, Frank Ocean, vai ter essa vibe assim, sabe? De R&B. Depois tem coisas mais eletrônicas como Nicolas Jaar. Também tem o fato de que eu falo 4 línguas fluentemente, achei que ia ser algo que iria atrapalhar, eu também falo muito no gênero neutro também, amigues, obrigade, então são coisas que estão dentro do álbum, o gênero neutro,  a mistura de línguas. É como se eu tivesse recriado o meu próprio mundo dentro do álbum. 

Uma linguagem muito própria, né? 
Isso… às vezes são barulhos, às vezes lembranças de palavras da África, às vezes são misturas do francês e do português. Ainda não tem espanhol, é uma língua que a gente tá guardando para depois. Mas tem muito do inglês, do francês e do português. 

Sua trajetória pessoal e profissional é marcada por deslocamentos territoriais, passando por e morando em vários países, você inclusive encontrou o amor aqui no Brasil sendo que seus pais são de Congo e Costa do Marfim… 
Esses dias minha mãe disse “meu, como assim você foi buscar seu marido lá no Brasil?! Só você para fazer essas coisas!” [risos].

Mas, como essas experiências tão variadas influenciam seu repertório criativo? E como você se conecta com a música brasileira, como sente que ela te acolheu e como você a acolhe? 
Nossa, acho que foi a melhor pergunta que alguém já me fez em uma entrevista… mas agora nem sei como responder! Eu acho linda essa questão de pensar como a cultura me acolheu e como eu a acolho porque eu fiz muitos trabalhos, seja na moda, na arte, na performance, mas muitas vezes parecem jobs nos quais, em algum momento, quer você queira, quer não, você vai ser julgado, vão dizer que você deveria ser mais magro, mais alto, são jobs nos quais você vai estar em confronto com os outros. E eu sempre tento fugir disso, uma frase que eu amo é “tem espaço para todo mundo”, ninguém tá roubando o lugar de ninguém, sabe? Eu admiro muito o funk, por exemplo, amo o rap do Baco, do Rincon Sapiência, amo muito a geração da Linn da Quebrada, da Jup [do Bairro]… porém, tem uma coisinha que eu quase não achei na música brasileira que é o espaço do R&B que está quase flertando com o rock, um rap quase rock, mas, ao mesmo tempo, eletrônico. E eu acho que é aí o meu lugar na música brasileira, sinto que ainda existe um medo em flertar com outros gêneros. Inclusive, quando você ouvir o meu disco, vai ver que tem músicas que começam muito acelerada e daí a gente para tudo e começa algo mais Clube da Esquina, mais astral. Algumas são mais eletrônicas, outras tem guitarras elétricas bem rock; eu amo flertar com os mundos! Inclusive é algo sobre o meu próprio gênero; eu sou homem, mas não me importo se as pessoas me chamam de “linda”, então sempre gostei de flertar com esse lado masculino e feminino, é algo que acho muito lindo e que muitas vezes as pessoas querem bloquear. 

Você sempre comenta sobre o quanto você encara sua arte e a dança como liberdade, como se sente transparente nesse processo. Ao mesmo tempo, vi um vídeo seu no youtube, em que você comenta sobre o medo do olhar dos outros. Como está sendo revelar uma nova camada sua na música? Como é esse processo de utilizá-la  como ferramenta de exposição e ao mesmo tempo de mais protagonismo?
Nossa, que questão linda e profunda! Vou fazer uma confissão, talvez você nem vá acreditar, mas eu sou um falso confiante. As pessoas pensam que eu tenho muita confiança em mim, mas eu tô sempre pensando “será que as pessoas vão gostar?”. Eu digo muito para o meu marido que ele é quase que uma assessoria própria, sempre me dando segurança, dizendo que tá tudo certo. Agora você vê muitos textos no meu instagram, mas nem sempre foi assim, antes eu só postava uma foto e uma legenda com uma frase, às vezes uma palavra. Eu não tinha muito essa coisa de escrever textos, de falar nos stories, e foi meu marido que me deu o toque de que as pessoas queriam ver mais de mim. Foi aí que eu encontrei essa coisa da comunidade, que eu comecei a me abrir, comecei a crescer na frente do público, da minha comunidade, então eu acho que uma coisa que tá vindo muito a partir desse processo é que a minha comunidade influencia diretamente a mim e à minha arte porque, cada vez que eu tenho uma dúvida, eu acho que uma das coisas lindas das redes sociais é a possibilidade de se conectar com o público e poder propor, como um pingue-pongue, propor e receber de volta. 

13/12/2019

Brenda Vidal

Brenda Vidal