Entrevista | D2 encara o desafio do álbum transmídia “Amar É Para Os Fortes”

21/09/2018

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Matheus Chaparini

Por: Matheus Chaparini

Fotos: Divulgação

21/09/2018

Para quem queria passar dos 40 rimando, como diz na letra de “Febre do Rato”, Marcelo D2 foi longe em sua caminhada. Aos 50 anos, lança Amar É Para Os Fortes, o décimo disco da carreira, onde D2 fez bem mais do que rimar. No primeiro álbum independente de sua vida, que também é um filme, escreveu roteiro, dirigiu, produziu, foi atrás da grana e, claro, rimou.

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O disco se completa com o material audiovisual que leva o mesmo nome. Marcelo define essa obra como “um disco para ver”. O protagonista da história é o Sinistro, um jovem criado em uma favela de uma grande cidade que “está tentando fazer a coisa certa, mas não está fácil”. O personagem é representado por seu filho Stephan Peixoto, também conhecido como Sain.

Na primeira faixa, “Prelúdio em rimas cariocas”, D2 entra atropelando com uma sequência de referências que juntam 2Pac, Jack Kerouac, Jimi Hendrix e a Velha Guarda da Portela. À mistura de hip hop com samba e rock, que marca a discografia do artista, o novo trabalho traz uma mistura de ritmos mais diversificada. O forró nordestino, os pontos de terreiro, o funk do Rio são algumas das novidades. O disco conta com a produção de Mario Caldato Jr. e traz as participações ilustres de Gilberto Gil, Wilson das Neves, Seu Jorge, Rincon Sapiência, Alice Caymmi, Anna Majidson e Alice e Danilo Caymmi.

Marcelo D2 falou com a NOIZE sobre o novo trabalho e sobre porquê falar de amor é um ato subversivo. Confira abaixo nosso papo.

D2 no set de filmagem de “Amar É Para Os Fortes” (Foto: Divulgação)

A produção deste trabalho foi bem diferente da dos seus anteriores. Como foi se envolver em outras etapas do processo?

É, eu me envolvi em todas as etapas. Este é meu décimo disco e, por incrível que pareça, foi meu primeiro disco independente. Os do Planet Hemp e os meus primeiros solo saíram pela Sony, os três últimos saíram pela EMI. Aí a EMI foi vendida para a Universal e eu resolvi tentar uma coisa diferente na minha carreira. Eu queria fazer algo especial, algo que me trouxesse um desafio novo, não só no lado artístic,o mas no de empreendedor também. Neste projeto eu consegui abrir novos campos de trabalho pra mim e, quando falo trabalho, é trabalho mesmo, não só pela grana. Eu senti mercado para andar e ir para a frente.

Como você define o formato da obra?
Cara, eu tô falando que é um disco para ver. Foi a melhor maneira que eu encontrei para definir o projeto.

A escolha desse formato audiovisual teve a ver com a importância que tem o YouTube hoje?
[Hoje] é o momento em que a gente mais está vendo música no mundo, vendo mesmo. A coisa mais importante para mim era fazer uma obra relevante, mais do que exibir o produto, era ter algo relevante. Pô, eu tinha feito 16 clipes para 16 músicas no meu último disco, o Nada Pode me Parar (2013). Depois que eu terminei, vi que podia ter feito uma história entre os clipes.

Talvez esse tenha sido o maior desafio da minha carreira, mais do que o primeiro disco. Escrever roteiro, trabalhar como gravadora, captar grana, ter que fazer tudo, foi um desafio enorme. Eu tive que ter um balanço entre ser o produtor, o empresário e o artista.

D2 no set de filmagem de “Amar É Para Os Fortes” (Foto: Divulgação)

O disco tem como tônica falar de amor de uma forma não-romântica. Em várias letras, as palavras ‘amor’ e ‘guerra’ aparecem juntas, por exemplo. Por que falar tanto de amor agora e por que falar de amor desta forma?
Primeiro, eu acho que o mais subversivo neste momento seria falar de amor. Momento em que está uma loucura no mundo, Brasil está louco, mas o mundo todo [também]. O nome do disco veio depois de um assassinato de uma amiga minha que foi assaltada e tomou um tiro na cabeça. Estava todo mundo revoltado e tocado por aquela situação e um amigo meu falou essa frase, “amar é para os fortes”, porque a gente tinha que manter a cabeça no lugar naquela hora. Eu acho interessante que [o disco] é quase como uma autobiografia, mas ele pode ser uma biografia minha, ou do meu filho ou de qualquer cara que vive numa cidade grande como o Rio de Janeiro.

Seu som traz bastante citação das suas referências. Você sente uma responsabilidade de dizer quem são estas pessoas que vieram antes de ti?
Eu gosto de falar disso, cara. “Responsabilidade” é uma palavra meio foda. Eu gosto muito da coisa visual, de construir visualmente uma poesia, uma letra, e acho que eu consigo levar as pessoas a estes lugares em que eu me sinto representado. Eu começo o disco com “Prelúdio…”, que é só referência. Acho que eu sou uma espécie de soldado da música. Isso pode ser um dever meu. Acho que “compromisso” é a palavra. A música me deu isso, então deixa eu levar em frente.

Quando você começou, há 25 anos, o cenário do rap no Brasil era bem diferente de agora…
Não tinha muito um cenário, né, cara… (Risos)

Pois é, e tinha também muita marginalização do rap. Como você vê esse cenário hoje?
Qualquer movimento, como foi o punk, o rock ‘n’ roll, tem uma hora em que as pessoas abraçam e vai virar comercial de refrigerante, sei lá. É diferente o rap hoje, cara. Quando comecei, tinha uma coisa de [ser] uma luta contra o sistema, de querer ter a sua voz. O que me parece hoje é que o rap está bem mais próximo do sertanejo, do funk. Se eu começasse a fazer rap hoje, eu não sei se me agradaria, entendeu? Porque a coisa mais legal do rap, quando eu comecei, era ser diferente de todo mundo, hoje parece que o rap tá meio igual. Não sei se é bom ou ruim, acho que é natural. Mas tem muita gente boa, cara.

Eu acho que a gente está vivendo um dos momentos mais foda do ser humano. Talvez essa revolução digital mude mais o ser humano do que a revolução industrial. E esta revolução tem muito a ver com ego. Antes o rap era ‘nós, nós, nós’, principalmente o rap brasileiro. Hoje o rap é muito mais ‘eu, eu, eu’, ‘eu tenho mais grana, eu tenho isso, tenho aquilo’. Eu acho chato isso, cara. E eu fico olhando, vou te falar, eu tenho muito mais coisa e nem fico falando. Acho que perdeu um pouco da guerrilha. Eu gosto de guerrilha, eu comecei a andar de skate por isso, comecei a ouvir punk, a ouvir rap por isso.

Às vezes parece que o que importa é views no YouTube. Pô, Anitta e Luan Santana tem muito mais views que qualquer rapper, então não pode ser esta a conta: “se quem tem mais views, é mais foda”. Aí fudeu, né, cara?

Você disse que tem alguns nomes novos que lhe agradam e seu disco tem participação do Rincon Sapiência, quem mais você citaria que está fazendo algo diferente?
Gosto muito do Baco [Exu do Blues]. Esse primeiro disco dele é cru, mas eu achei bom pra caramba. Ainda tem uns passos pra frente para dar, acho que vai virar um grande artista. A mulecada aqui do Rio, do Bloco 7, do Pirâmide Perdida, é família, gosto pra caralho. Emicida e Criolo… O que me chama atenção é quando tem uma parada que só você faz.

Este ano completa 20 anos do seu primeiro disco solo, Eu Tiro É Onda, o que mudou pra você no jeito de fazer o seu som?
Eu fico tentando não me repetir, o que é difícil pra caralho. Lá em 97, quando eu saí da cadeia, eu pensei: “Pô, eu tenho um disco pra fazer, da mistura do rap com o samba”. Ali abriu uma janela fudida pra mim. Foi um momento foda na minha vida, como ser humano mesmo. Achei uma parada que era minha. Eu venho tentando manter essa chama acesa, fazer com que essa janela esteja aberta sempre, porque eu sempre tenho algo relevante para falar.

Agora, a maneira de fazer música, pô, está muito mais fácil agora. Em 1998, eu fui pros Estados Unidos comprar uma MPC, umas caixinhas e era tudo no vinil. Agora, em um quarto, você faz tudo. Esse último disco eu gravei em 12 estúdios com um pen drive no bolso. Talvez o processo não seja tão divertido quanto era antigamente, mas esta facilidade é legal porque dá para pensar em outras coisas e construir um universo maior em volta.

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21/09/2018

Matheus Chaparini

Matheus Chaparini