Uma brisa com Lê Almeida

29/05/2015

Powered by WP Bannerize

Leonardo Baldessarelli

Por: Leonardo Baldessarelli

Fotos: Janine Magalhães/Isabela Souza

29/05/2015

No último mês de março, o carioca Lê Almeida lançou seu segundo disco de estúdio, Paraleloplasmos, distribuído nacionalmente pela Deckdisc e lançado lá fora por vários selos gringos. É um trabalho que trás o “rock de guitarra” clássico do artista, mega inspirado nos anos 90, mas que aponta novos caminhos em músicas mais longas e tristes, com mais fuzz do que nunca. Lê é o principal nome da Transfusão Noise Records, selo independente do Rio de Janeiro que está há mais de dez anos na ativa e já ganhou o respeito de muita gente. Boa parte do próximo disco do Autoramas, O Futuro do Autoramas, foi gravado na sede da TNR, com a produção do próprio Lê Almeida. O músico vem ao Rio Grande do Sul no início de junho para cinco shows, passando por Sapiranga, Caxias do Sul, Gravataí, Santa Cruz do Sul e Porto Alegre. Na capital, Lê se apresenta no Festival VDD, evento que une artes visuais, música e performances, e rola no Beco da Cidade Baixa durante a noite do dia 4.

Em 2013, a sede da gravadora deixou de ser a casa do músico e virou o Escritório, um espaço para gravações, shows e exposições no centro da cidade. Em uma conversa por telefone, o multi-instrumentista conta que o Escritório foi essencial para o crescimento do selo nos últimos anos e que o espaço também foi o lugar em que boa parte do Paraleloplasmos nasceu. Além disso, Lê falou sobre como é (tentar) viver da música, o futuro dos selos nacionais e sua participação no novo disco do Autoramas. Coloque o som do artista para tocar e leia a entrevista abaixo.

*

Você realmente gravou o “Paraleloplasmos” inteiro? Todas as faixas, do início ao fim?
Sim, gravei sozinho.

E como rolou o processo? Você trouxe as faixas prontas para o estúdio ou foi mais no improviso?
No começo, eu estava gravando uma coisa mais programada, que eu já tinha feito as músicas no violão e tudo. Na hora de gravar, claro, eu improvisava umas outras coisas no meio, algumas faixas a mais. Acabou que, no fim do disco, 90% do que entrou foram essas faixas a mais. Joguei fora quase tudo o que planejei antes e tinha preparado para gravar, deixei sem terminar. Então, praticamente o álbum inteiro veio do improviso dentro do estúdio. São umas faixas que eu vinha fazendo em um dia e gravava no outro.

Também foi o primeiro disco que eu gravei fora do meu quarto, gravei no Escritório. Então, lá eu poderia viajar mais. Cheguei a passar fins de semana inteiros gravando, sem interrupções, sozinho lá dentro.

Por que o Paraleloplasmos ficou tão maior em duração do que o Mono Maçã?
Foi uma evolução natural, mesmo. No começo, eu fazia as músicas curtas porque eu achava legal assim, mas hoje já não é o jeito que eu mais gosto. Agora eu prefiro os sons mais longos, e tudo o que eu tenho feito também vem nessa onda. É até um pouco mais guitarreiro do que o normal.

Você vive só do trampo com a música ou precisa fazer outras coisas para se sustentar?
Eu trabalho com o meu pai, em uma oficina de malas que é próxima ao escritório, fica a uns 500 metros de lá. Então, eu fico indo de um lugar para o outro toda hora.

Com certeza a grana aumentou depois que chegamos ao Escritório, mas não só o dinheiro cresceu. Tudo ficou mais prático, até porque eu consigo fazer mais coisa agora, não preciso concentrar tudo em casa. Fazer CD, juntar camisa, todo o tipo de coisa que envolve a Transfusão Noise Records eu faço em ritmo muito mais acelerado do que antes, acho que até dez vezes mais acelerado. Também consegui fazer um estoque no Escritório, com disco, camisa, etc. Tem uma movimentação maior, inclusive, até pelas pessoas que frequentam o lugar, nos shows que rolam.

E nessa mudança para o Escritório, que rolou em 2013, vocês viram uma crescimento instantâneo de público ou foi mais gradual?
Foi um pouco lento, né? Acho que todo lugar que começa não é muito bombado. Aos poucos as coisas foram crescendo e hoje em dia nós não somos simplesmente uma casa de show, não é qualquer banda que vai lá e toca. A maioria das bandas são pessoas que a gente conhece, que já frequentam o lugar. E a gente não é um grupinho fechado, as pessoas vão lá assistir show, falam da banda delas, depois voltam para tocar, continuam frequentando. Então, está sempre crescendo.

Tem o fato de que o lugar é bem pequeno, também. Deixa a galera muito próxima. Parece um quarto, tem uma televisão com vídeo cassete, um monte de colagem. É muito informal.

E o Escritório acabou impulsionando o crescimento do selo, também, eu imagino.
Sim, uma coisa leva à outra. Hoje em dia eu não vejo muitos exemplos no Brasil de um selo que tem uma sede em que as bandas se reúnem para fazer show, outras bandas gravam discos e rolam exposições. O Escritório tem exposição, oficina, esse tipo de coisa. Então, é uma coisa meio única, pelo menos no Brasil.

Tem alguma música do Paraleloplasmos que você já gosta muito de tocar ao vivo? Que você sentiu uma vibe muito boa no palco?
Acho que “Fuck The New School”. Na primeira vez que tocamos ela ao vivo, tínhamos planejados só passar o som com a música, isso há muito tempo atrás. Começamos a tocar, apareceu um monte de gente, o lugar ficou mega cheio e acabamos tocando a música inteira. E ela tem, sei lá, quase 15 minutos. Sempre tocamos ela e é uma música que sempre flui, acho que vamos tocá-la por um bom tempo.

Sim, e quando você ouve, ela não soa tão longa. Sei lá, ela é muito pegajosa, tem uma levada boa…
É. Para mim, eu toco e ela parece ser uma coisa, assim, de sonho, de sono, de você ficar com ela na cabeça. Foi algo que eu comecei a pensar nesse disco, de ter um riff e ficar batendo cabeça nele. Não é muito legal quando ele é curto demais, e do nada ele para. Então, é legal quando ele é longo e você pode ficar lá, batendo cabeça, curtindo ele.

É, e pensando sobre o Paraleloplasmos, ele é todo meio assim. Mais triste, profundo, não sei qual o melhor adjetivo…
Sim, é um disco que eu imagino tocar boa parte ao vivo pela vida inteira. Por mais que tenha uma onda meio triste, ele é bem divertido.

No fim do ano passado, você disse que estava trabalhando em cerca de 30 faixas para o Paraleloplasmos, mas só saíram 12. Onde essas outras foram parar? Pretende lançar elas?
Eu guardei em umas pastas para ver o que fazer depois. Na real eu não finalizei 30, eu tinha meio que o esboço de umas 30. Mas, no fim, eu gravei 16. Doze entraram no disco e sobraram quatro. Dessas quatro, duas vão estar em um vinil compacto de 7” que eu vou lançar mais para a frente, um compacto quadrado, transparente. São duas sobras. E, até o fim do ano, é quase certo que eu vou lançar um cassete com várias sobras de outros discos que eu tenho guardado com o tempo.

Mas você não costuma aproveitar as sobras que você escreve como Lê em outros projetos?
Acho que não. Cada projeto tem sua pasta, sua cota de coisas escritas. E o que aconteceu é que, depois que eu acabei esse último disco, eu continuei gravando. Então, eu tenho mais da metade de um novo álbum lá, gravado. Eu aproveitei a onda de ficar direto no Escritório e passei a gravar sempre. E até algumas das faixas que ficaram de fora eu fui reaproveitando. Mas eu tenho uma coisas mega prontas já. E, além disso, tem outros discos da Transfusão que sairão ainda nesse ano e que eu estou envolvido de alguma forma, simplesmente fazendo parte do selo ou ajudando as bandas, e não é pouca coisa não.

Mudando completamente de assunto, como é que rolou esse contato com a Deckdisc para distribuir o Paraleloplasmos?
Então, eu e o Rafael Ramos, da Deck, já nos conhecíamos via internet, e antes do disco eu troquei uma ideia por alto com ele, perguntando se eles tinham interesse em distribuir. A gente conversou sobre o assunto e ele demonstrou interesse, e, se fosse algo que desse certo, a gente faria com vários outros lançamentos da Transfusão. Então, a gente foi tipo o primeiro, e se der certo a gente vai continuar fazendo com outros.

Outra coisa que eu quero fazer aqui no Brasil é prensar um vinil pela Polysom. Eu sempre faço as paradas lá fora, já que é mais fácil e mais barato, mas eu quero prensar um na Polysom também. Até por que a fábrica é a 15 minutos da minha casa. É meio ridículo, assim. Passo lá de vez em quando, e outra hora percebi que é muito perto da minha casa mesmo.

E o contato com os selos gringos?
Eu já conheço um monte de gente de lá, até porque, lá fora, tem muita gente igual a nós, que têm um selo pequeno, até no próprio quarto, e fica distribuindo e gravando cassete, LP, CD. E lá é muito mais fácil fazer vinil, isso ajuda bastante.

Então, lançamos o Paraleloplasmos em cassete pela Lost Sound Tapes, de Seattle, e eles já tinham lançado um outro disco meu, o Pré-Ambulatório. O disco novo saiu pela WeePOP!, também, que é uma gravadora de Londres, de uma brasileira, e a IFB Records foi outra que lançou ele. A IFB já tinha lançado um álbum do Tape Rec, que é uma das minhas outras bandas, mas é uma gravadora que lança, na maior parte, hardcore.

Então, assim, eu sempre mandei material para uma galera pequena lá de fora, fazia contato, distribuía umas coisas pelo pessoal de lá. Eu acho que o contato é muito mais fácil de cá pra lá do que de lá pra cá. Rola essa coisa de trocar cinco cópias de um LP por dez cópias de um CD, 10 cópias de um CD por cassetes, e isso é bem legal. Aqui no Brasil é um pouco mais difícil.

Justamente sobre essa situação do Brasil, você não acha que os selos independentes estão cada vez mais fortes e as grandes gravadoras enfraquecendo?
Com certeza. Eu acho que vai ter um momento em que a galera dos selos vai dominar geral, que ninguém vai precisar de gravadoras grandes. Eu digo precisar no sentido de… ainda existem bandas, hoje, que querem fazer parte dessas gravadoras, que querem ser o produto de alguém. Mas, ao mesmo tempo, tem um monte de pessoas que não está nem aí para isso. Eu, por exemplo, não quero nada disso. Eu quero lançar um disco legal, mas sem ter que fazer algo que eu não queira fazer. Tudo o que eu vou fazer é o que eu quero fazer. Então, essa galera que está tocando a música independente agora, se não parar, vai acabar sempre melhorando. A gente mesmo fazia altas coisas que eram mega fracas de “conceito”, de “ir pra frente”, sabe? E agora a gente tem uma sagacidade melhor, algo que vem com os contatos, vem de estar junto com os outros. A maioria das pessoas que frequenta o Escritório é um pessoal mais novo, que está a fim de montar uma banda e que vê a gente como referência para fazer algo, e que acaba chegando junto. Essa galera de agora vai fazer a mesma coisa, o lance é só continuar, não parar nunca.

Já pensou em fazer crowdfunding para fazer algo diferente, tipo, gravar um disco num estúdio muito grande?
Não exatamente para isso. Já pensei para bancar uma turnê nos Estados Unidos, por exemplo. Mas, quanto a som, eu estou totalmente satisfeito com o que faço. Eu pretendo comprar equipamento, fazer uma gravação diferente lá dentro do escritório. Estou sempre a procura de um som que eu não sei o que é. O dia em que eu achar, eu vou parar de tocar. Eu acho que essa é a onda. Estou atrás desse som, mas esse som é uma coisa a fazer, vai estar dentro do ambiente em que eu estou vivendo.

E, quanto a crowdfunding, eu já fiz no Pré-Ambulatório 1, e foi algo, assim, por mim mesmo. Não entrei nesses sites que organizam as paradas, eu só coloquei em pré-venda, quem entrava botava o nome na contracapa do disco, e era bem simples mesmo. Precisava de 50 pré-vendas e bati esse número bem rápido. Fiz o disco, tudo tranquilo. Totalmente independente. A única parte ruim é que todo dia eu tinha que ir no banco, mas pelo menos eu não tinha que pagar porcentagem para ninguém.

Muita gente liga o teu som ao Robert Pollard, Guided By Voices, mas eu vejo uma vibe meio Phil Evrum, Mount Eerie, The Microphones, tanto no som quanto no selo mesmo, a gravação. O Phil é o uma inspiração pra ti?
Com certeza, acho até que já falei isso em outras entrevistas. Quando era mais novo eu gravava as paradas em casa, mas achava tudo muito tosco. Até que eu ouvi um disco do The Microphones que tinha a mesma vibe, de ser tosco, mas aquilo ali era um disco mesmo, não era uma demo, não era algo que passasse batido. Era um disco. Daquele jeito mesmo, mal gravado, zoado, mas de propósito. Então, me influenciou muito no começo, de reconhecer que aquilo é uma coisa pronta, de que não precisa ficar polindo.

Esses dias saiu a info de que você coproduziu o disco novo dos Autoramas, O Futuro dos Autoramas. Como foi isso?
Então, eu produzi uma parte do disco, a metade que foi gravada no Escritório. Eu já conhecia o Gabriel e a Érika dos rolês do Rio, e sempre falávamos de gravar no Escritório. Há pouco, eles começaram a tocar um projeto dos dois lá no estúdio, e, do nada, rolou a saída dos outros dois do Autoramas e quando vimos era a própria banda quem estava lá dentro. Eles gravaram mais ou menos 7 faixas no Escritório, e nas primeiras eu toquei guitarra e baixo. Eles queriam um som bem Transfusão, com uma guitarra bem distorcida. E ficou muito bom, numa onda boa.

Achei muito legal que a galera tá bem rock ‘n’ roll, tá ouvindo Ty Segall, Thee Oh Sees. Eles tocaram no Escritório esses dias e curtiram muito a galera. Está rolando um entrosamento. Eu ouvia Autoramas há muitos anos atrás e nem imaginava que um dia fosse rolar algo com eles.

Joab, Bigu, Le e joão no Escritório (Foto: Isabela Souza)

Caso tenha rolado um interesse na Transfusão Noise Records, a gravadora lançou a compilação Gran Noise Family no ano passado, com vários sons incríveis dos primeiros 10 anos do selo. Dá para ouvir tudo no bandcamp.

Tags:, , , , , , , , ,

29/05/2015

Redator de social media, jornalista, músico, emo, jogador de bocha, astrólogo e benzedeiro nas horas vagas. Um colono que se encontrou na cidade grande e agora pensa que sabe escrever sobre qualquer coisa.
Leonardo Baldessarelli

Leonardo Baldessarelli