#BQVNC | A nudez barroca eletrônica do NU

25/11/2015

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Ariel Fagundes

Por: Ariel Fagundes

Fotos: Pedro Hurpia/Divulgação

25/11/2015

Quando percebemos que o corpo humano é um agente político, notamos que a nudez é um ato de protesto. O projeto NU, ou Naked Universe, aborda esse questionamento através de metáforas poéticas e de um som que une a bagagem erudita da cantora Ligiana Costa à experiência de produção eletrônica do músico Edson Secco.

A dupla soltou na semana passada o seu disco de estreia, homônimo, que será lançado oficialmente no próximo dia 28, em São Paulo (mais informações aqui). O álbum apresenta um caldo liquidificado com conceitos da astrofísica, gravações de ativistas palestinos, ícones da indústria pop (com direito a cover de “Toxic”, da Britney Spears) e ecos de uma religiosidade pagã ligada a um feminino livre e incontrolável (como na faixa “Lilith”).

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Conversamos com a Ligiana e o Edson sobre a dimensão subversiva de sua obra que convida o público a se despir de suas ideias pré-concebidas. Abra alguns botões e zíperes mentais e leia a entrevista abaixo.

Vocês dois já trilham um caminho na música há anos. Como aconteceu seu encontro e o que inspirou vocês a criarem o NU?
Ligiana: Nos encontramos realizando juntos a trilha de uma peça linda chamada Rózà, ficamos próximos nessa criação e percebemos que tínhamos um belo diálogo, que nos respeitávamos mutuamente e que podíamos crescer se nos uníssemos na arte. Assim fizemos. Começamos a compor meio em modo jam session eletrônica e, como os temas espaciais, metafísicos e astrais sempre permearam nossos papos (e consequentemente as composições), um dia veio a ideia do nome NU, pela simplicidade do nome, pela beleza de se desnudar frente ao desconhecido e como sigla de Naked Universe.

Edson: Conheci a Ligiana durante esse espetáculo em que estávamos trabalhando, ainda não tínhamos muito contato e eu conhecia pouco seu trabalho solo. Fui assistir a um show dela e fiquei impressionado com sua performance e presença de palco. Cheguei em casa e mandei uma mensagem dizendo: “Temos que fazer algo juntos!”. A partir daí começamos a nos aproximar mais durante o Rózà e acabamos fazendo a trilha juntos, tocando ao vivo.

Desde as primeiras conversas tínhamos em mente a vontade de fazer algo apenas conosco, que tivesse um jeito de banda, mas sem a necessidade de outros músicos. Um formato que se sustentasse em termos musicais e performance. Começamos a ter encontros semanais em estúdio, abertos ao que surgisse, e logo num dos primeiros encontros já gravamos materiais pra “Rooftop”, faixa que está no disco, a partir de uma composição em piano minha de anos atrás.

Sempre que estávamos no estúdio surgiam conversas a respeito de tudo, especialmente questões políticas por um viés mais existencial. Como sou um grande entusiasta da astrofísica e física de partículas (acredito que seria cientista se não fosse artista), tenho observado minha existência e o entorno a partir das escalas micro e macro conhecidas pela ciência atual, e esse conhecimento tem interferido diretamente na maneira como percebo o mundo. Essa interferência estava constantemente presente nos nossos encontros, gerando reflexões desde as mais básicas, como em relação ao espaço que ocupamos em nosso planeta e nesse espaço sideral, e outras bem mais profundas como “o que é tudo isso?”. Foi logo depois de uma dessas conversas que mostrei a gravação que tinha do piano pra Ligiana e ela saiu improvisando os primeiros versos do que se tornou a “Rooftop”.

Sua música apresenta uma intersecção entre o eletrônico e o erudito. Foi difícil chegar a um ponto de equilíbrio entre estéticas tão diferentes?
Ligiana: Acho que a música do NU apresenta algumas interecções porque somos pessoas de fronteiras, eu e Edson, sob vários pontos de vista. Vivemos em lugares diferentes pelo mundo, nos nutrimos de músicas e sons inusitados e, a principio, desconexos. Eu, por exemplo, tenho minha formação musical toda na música barroca, sou doutora em ópera barroca (sou também musicóloga), estudei canto antigo. Então para mim não há nada muito surpreendente nesta intersecção porque ela é bem orgânica em mim. Assim como flertar com o rap, que é algo que tem me tocado muito nos últimos tempos, ou ainda com ritmos afro brasileiros… tudo é desse planeta, né? Acho que louco mesmo seria se fizéssemos intersecções com sons de Marte! Esse é o sonho!

Edson: Foi meio natural. O encontro dessas diferenças é que possibilitou explorarmos lugares incomuns pra gente. A influência que tenho da musica eletrônica vem de longa data, então pensava bastante a partir dessa estética, bem como com a influência de outras áreas também, como o cinema e o teatro. O processo de produção do disco ajudou bastante a encontrar esse equilibrio. Algumas musicas surgiam de estímulos que a Ligiana trazia, mas, no geral, era a partir do encontro que as idéias fluíam. Pesquisávamos timbres, arranjos e efeitos e montávamos um “mostrinho”. Depois vínhamos lapidando, criando atmosferas e aperfeiçoando os arranjos. Outro aspecto do processo que foi importante pra entendermos esse encontro foi quando começamos a pensar como seria o show, como executar essa música ao vivo. Isso ajudou a repensar (em alguns casos totalmente) algumas músicas e influenciou bastante a criação das musicas que ainda viriam.

Acabou de sair a playlist com o disco completo no canal do NU no Youtube! desNUde-se#nakeduniverse#ouniversoestaNU

Posted by NU on Quinta, 19 de novembro de 2015

Vocês já levantaram o lema “DesNUde-se”. Na sua visão, do que as pessoas deveriam/poderiam se despir? As roupas são metáforas para o quê?
Ligiana: Nós fizemos stêncils pela cidade toda com a frase “O universo está NU” e tem sido muito lindo ver as reações das pessoas, tem gente que fala “ah, eu também gostaria de estar NU!” e isso é demais. Eu particularmente super defendo a nudez, sempre que posso vou a praias de nudismo e acho uma pena um ser humano passar por esta vida sem sentir seu corpo nu em contato com o mar. Acho uma aberração também as caretices e reacionarices sobre o corpo da mulher, que é vítima de um patriarcado violento e decadente. Às vezes, nos shows falamos de nudez sim, mas não acho que seja nossa bandeira principal… na realidade acho que a nudez da alma, da mente, da sociedade escrava do capital e das regras, se desnudar desses lugares que nos são impostos, seja nossa bandeira poética.

Edson: Vivemos em um momento cada vez mais cheio de “verdades absolutas”. Me parece que quanto mais avançamos e aprofundamos na Tecnologia, na Ciência e no Social, no sentido de compreender a complexidade do ser humano através dessas áreas (e vice-versa), mais fechada e indisponível boa parte das pessoas se torna ao que surge. Desde que o mundo conhecido é mundo sabemos que pessoas são diferentes umas das outras, que culturas são diferentes umas das outras, religiões, países, planetas e etc, então, ao que parece, diferenças vão sempre existir. O que falta é compreender a diferença com respeito, compreender a diferença como diversidade, olhar a sua volta e perceber a existência de um mundo (pensando “apenas” no planeta que habitamos e todas as espécies que dividem ele com você) maior do que você. Despir-se de preconceitos e de verdades absolutas. Deixar-se atravessar pela complexidade da vida, pelo mistério da existência.

Seu disco une o hino pop estadunidense “Toxic” ao coro da Via Campesina (passando por uma participação especial do ativista e MC Tef Poe e a voz de uma ativista palestina na faixa “Quem”). Como vocês trabalham com esses paradoxos aparentes?
Ligiana: Pergunta maravilhosamente provocativa! Eu e Edson temos posturas políticas muito parecidas, pensamos num mundo mais solidário, acreditamos em formas sem opressão de convívio entre os seres, e eu, em particular, sou ativista no MST, que considero um espaço de prática utópica incrível (uma grande pena que o Brasil é privado disso por termos uma grande mídia que boicota e inclusive atrapalha). Eu acredito que os movimentos de luta devem se apropriar da linguagem pop, dos meios contemporâneos (não é a toa, por exemplo, que o [Julian] Assange é super conectado com o MST!) e que devemos ressignificar e nos empoderar dos símbolos e sons do pop! A luta não pode ter como trilha “de tu querida presencia, comandante Che Guevara” para sempre, né? Veja o que a M.I.A. faz, por exemplo! Aliás, “Toxic”, com este drama que estamos vivendo com a lama tóxica da Samarco pode ser ressignificada até literalmente, né? Quando falamos de universo também estamos falando da gente, de nossa essência humana, de nosso estar aqui, ocupando este planeta. De que forma estamos? Como convivemos com os outros seres? E entre nós mesmos?

Edson: No campo da ressignificação! Nesse universo sonoro onde todas as manifestações são possíveis, onde todas podem se encontrar, dialogar e conviver. Onde Britney cantaria um funk numa gira de candomblé. Onde as vozes palestinas que pedem respeito e resistência encontram as vozes dos nossos índios lutando contra o genocídio.

Ainda hoje a nudez seduz e assusta. Por um lado atrai, por outro apavora quem teme a liberdade dos outros ou teme se mostrar. Sua música procura abordar esses sentimentos? Como?
Ligiana: Nossa música é bem barroca, no sentido de ir a fundo nos sentimentos, nos afetos, de amar os contrastes. Acho que nossa música vai nessa direção. Sobre a nudez e provocar isso com a música, acho ótimo! Não foi nossa intensão inicial, mas se isso acontecer nos shows acho que adoraremos, imagina que incrível um show tão libertário que as pessoas se despem pra se conectar mais ainda! Em tempos de tanto fundamentalismo absurdo acho que seria bem vindo.

Edson: A nudez que trabalhamos é mais no campo poético mas, sim, poderia ser interpretada também na prática, já que o corpo nu é (infelizmente ainda) fonte de tanta polemica e ao mesmo tempo detentor de tanto poder. Aquele que supera a opressão sobre seu corpo se liberta de um modelo socio-econônico e isso amedronta muita gente (mais uma vez lidamos com o diferente). O corpo é política, tão forte, que vemos hoje a guerra travada pelos políticos e sociedade pela normatização ao invés da libertação do corpo. Uma mistura de medo e necessidade voraz econômica.

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25/11/2015

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Ariel Fagundes

Ariel Fagundes