Entrevista | O Rap Repente de Jéssica Caitano

30/10/2019

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Brenda Vidal

Por: Brenda Vidal

Fotos: Divulgação

30/10/2019

“Rap repente/ Rap repente/ Rap repente/ Então, segura, minha gente!”. É, por mais que Jéssica Caitano diga “segura, minha gente” na faixa “Rap Repente”, a potência do seu som não é porreta. Bate forte, mas bate bem.

Cria orgulhosa da cidade de Triunfo, localizada na região do Sertão do Pajeú, em Pernambuco, Jéssica é rapper, cantora, compositora, percussionista, educadora e ativista. Muitos adjetivos? Espere até ouvir seu som, tão múltiplo quanto ela.

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De mansinho, ela foi transformando a admiração pela tradição do coco em inspiração para sua criação. Foi ao lado do grupo Radiola Serra Alta que ela inicia sua linguagem cunhada como “eletrecoco muderno”. Agora, ela se prepara ao lado do produtor Chico Correa para lançar seu trabalho solo, que tem tudo para sair já no próximo ano.

A artista é nome instigante da cena independente e, não só sou eu que estou dizendo isso. Ela é uma das indicadas ao Women’s Music Event Awards de 2019 na categoria de voto técnico “Escuta as Minas”, apresentada pelo Spotify. Além dessa conquista, ela é uma entre os 30 artistas selecionados para os showcases da SIM São Paulo 2019, que rola de 4 a 8 de dezembro, ao lado de nomes como Luedji Luna e Josyara.

Com a carreira em notável florescer, não perdemos tempo e batemos um papo com a Jéssica sobre o início de sua trajetória, suas referências, o rap repente, expansão de linguagens através da cultura nordestina e planos futuros. Não dá pra perder, né? Desça e confira!

Quando você começou a fazer música e percebeu que queria investir nesse caminho? 
Eu comecei na música de forma profissional em 2007, como percussionista de um maracatu que chamava Maracatu Serra Grande do Pajeú, lá de Triunfo. Depois desse processo no maracatu, comecei a tocar percussão numa banda que se chama Ambrosino Martins, que rola até hoje na minha cidade, e fui desenvolvendo outros projetos, como a A Cristaleira, que é um projeto de coco orgânico e música autoral, depois veio o Jéssica e os Gatos Mouriscos, em que a gente misturava maracatu com rock, já dávamos umas “brincadas”, mas ainda não tinha música eletrônica. Depois, comecei a compor cocos e entrei pra produção da Radiola Serra Alta em 2012, e começamos a fazer o que a gente chama de “eletrococo muderno”.      

Como começou essa pira de misturar repente, coco, rap e beats e sintéticos? 
Começou quando eu entrei para o Radiola. Eu já vinha compondo coco e poesias, mas entrei pro grupo bem na parte de produção, ajudando a montar e desmontar equipamentos e fechar alguns rolês, alguns shows. Um dia, compus um coco que falava sobre dois brincantes da cultura de Triunfo e foi a partir dele que comecei a incorporar essas batidas eletrônicas e comecei a cantar de um jeito mais rápido. Foi aí que a gente viu que também poderia ser um rap. Depois a gente criou um coletivo chamado Zé da Laranja, que já era com a pegada de rap repente, ainda em meados de 2012. Assim, comecei a me juntar de fato com a Radiola no palco, cantando. Nosso primeiro disco, Computador de Ciço (2014), já tem a produção de Chico Correa. Em 2018, eu e Chico estivemos juntos em uma residência artística com a Red Bull, e aí brotou o trampo que a gente vêm desenvolvendo hoje. 

Como tem sido o processo criativo entre vocês dois? O que podemos esperar desse disco, o que você já pode nos adiantar sobre ele? 
Estamos gravando nos estúdios da RedBull. A relação com Chico vem desde a Radiola Serra Alta, mas foi um show que fizemos juntos em Triunfo que se tornou um marco pras coisas se desenrolar. Nós consolidamos essa parceria na vivência e demos início a várias ideias sonoras. Bom, o que vem por aí é muita música dançante, com pegada nordestina, novos timbres, novas mídias, novas modernidades e muita participação linda. 

Esse caráter híbrido que funde rap e repente veio do teu próprio flow mesmo? 
Sim, mas entrar na cultura hip hop e colocar o rap repente” dentro dessa linguagem veio também da infância. Desde pequena, eu conhecia o mestre Nelson Triunfo, que é o pai do hip hop no Brasil, e é da minha cidade, do sertão do Pajeú. E até hoje ele nos influencia, cola nos rolês, na comunidade, e é uma grande troca. 

Quais são as suas referências no rap, no repente e no coco? 
Primeiro veio o repente com [o coco de] embolada, ouvia muitos e muitos LPs e fitas cassete do meu pai, lembro da poesia que tinha ali. Com o primeiro cachê que recebi com música, comprei um pandeiro e aí comecei a fazer embolada, cantando, mas numa pegada mais diferente, cantando mais rápido. Já no rap, tem as manas da Sinta A Liga Crew, da Paraíba, e Arrete, de Pernambuco, ambos grupos de mulheres metendo a rima que são referências e forças para mim. E também nomes como Lindalva do Pandeiro e mestras do coco como Vó MeraOlindina

Em 2018, você participou do Red Bull Pulso como uma das integrantes do coletivo de Anderson Foca. Neste ano, você voltou ao projeto, mas como curadora, à frente de um time escolhido por você. Quais foram as sementes e os frutos dessas duas passagens? O que floresceu em você neste um ano? 
Acho que o que tem florescido com maior impacto é o projeto com o Chico Correa. Foi lá dentro da residência que a gente começou a fazer esse show e formamos o “Nordeste Crew” com Wilton Batata, Gabriel Souto e Teago Oliveira da Maglore. A gente tinha uma ideia de continuar, mas acabou continuando só Chico e eu, trabalhando nesses frutos do Red Bull Station. Lá fizemos as tracks “Faz a Linha” e “Mote”, além de várias outras músicas pra trabalhar e que estamos reunindo nesse trabalho que sai em 2020.  

E qual foi o seu sentimento ao ser convidada para ser uma das curadoras do RedBull 2019, montando um time só com artistas do nordeste? 
Fiquei muito feliz em poder voltar porque, para mim, a RedBull Station foi uma das experiências musicais mais importantes da minha vida. A troca entre músicos, tanto os qu não conhecia quantos os que conhecia e admirava, os diálogos entre diferentes linguagens, foi tudo muito rico. Poder voltar esse ano, montando meu próprio time, foi demais! Chamei Luana Flores, Guirraiz, PH e a Negrita MC; dois paraibanos e dois pernambucanos!

Você trabalha com ritmos nordestinos, tidos como regionais. Você já sentiu que esse rótulo de “música regional” foi empregado à você de uma forma limitante por pessoa de fora do nordeste?
Eu não vejo problema nenhum na gente estudar outras linguagens ou transitar entre elas musicalmente; eu até gosto e quando sinto abertura para isso, eu faço. Quando eu fiz um som com Luísa e os Alquimistas [“Descoladinha”] a gente mergulhou muito no tipo de som que eles estão pesquisando lá, mas com essa cara do som que a gente faz aqui no Pajeú e não acho que isso seja um problema. Pelo menos, para mim, não é. Mas já fui questionada algumas vezes por sempre vir na linguagem mais do rolê orgânico.

 Sobre a canção “Faz a Linha”, você disse que era uma espécie de expressão da sua “ancestralidade transitando na contemporaneidade” e, além disso, sua mistura traz muito elementos eletrônicos, digitais. O sertão também é sintético? Você acha que, de alguma forma, seu som e sua mensagem se contrapõem à miopia de muitas pessoas do sul/sudeste que tomam o nordeste como uma região não-tecnológica ou urbana? 
Total, acho que vem justamente pelo lado contrário a essa miopia, em contraposição a esse pensamento. Existe internet em todo o lugar, sabe? A mensagem chega! Achar que o sertão só tem seca, chão rachado e gente com sede, é meio egoísta e limitado, né?  

Como é ser uma mulher sertaneja que amplifica a sua voz por meio da música? Você se preocupa em dar um caráter coletivo ao seu discurso? 
Eu trabalho com vários coletivos aqui no Sertão do Pajeú. Sinto uma grande responsabilidade em representá-los, em me mobilizar para que eles furem essa bolha, circulem mais a partir da voz que a gente vêm tendo a partir do trabalhos nos coletivos. Trabalho pelo Pajeú porque acredito que a gente precise sempre se conectar com a fonte. 

Você tá se preparando pra se apresentar no showcase da SIM São Paulo, né? Qual a importância de ocupar um espaço como esse, ainda mais como artista independente? O que você está preparando?   
É muito foda, né? Quando você pensa que foram quase 3 mil inscritos e só 30 selecionados. E sabe, já que chegamos aqui, vamos fazer bem e de um jeito que a gente consiga levar a nossa voz, nossa música, nossa essência, nossa ancestralidade, nossa presença nesse mundo, nossa vivência. Além da visibilidade que a feira nos dá, pessoas do mundo todo verão a gente.

O som de Jéssica Caitano não pode passar despercebido pelos seus ouvidos (Foto: Divulgação)

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30/10/2019

Brenda Vidal

Brenda Vidal