Do Arquivo | “Evolução vem a cada rima nova”, diz Rodrigo Ogi

18/08/2010

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Revista NOIZE

Por: Revista NOIZE

Fotos: Assis 176

18/08/2010

Rodrigo Ogi surgiu no grupo Contrafluxo e agora se prepara para lançar o primeiro disco solo, “Crônicas da Cidade Cinza”. Como prévia do álbum que deve sair em setembro ou outubro deste ano, o rapper lançou duas músicas: “A Vaga”, produzida pelo DJ Zala, e “Premonição”, produzida pelo DJ Caíque, que você confere no clipe abaixo:

Natural de São Paulo, Rodrigo Hayashi, o Ogi, é um cara urbano, das ruas. Começou a fazer rap em 1994, sem compromisso. Passou boa parte da década de 90 como pichador e rueiro. O estilo de vida do MC acabou refletindo no estilo de rimar e ele assumiu sua veia de cronista das ruas da metrópole paulista. Formou o grupo Contrafluxo junto do DJ Big Edy e o MC DejaVú, que depois ainda incorporou Munhoz, Maskot e DJ Willian. O grupo lançou dois discos, “Missões e Planos”, em 2005 e “SuperAção”, em 2007. Agora Ogi parte para o primeiro trabalho solo com indicação ao prêmio VMB na categoria rap e conversa com a NOIZE sobre tudo isso.

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Texto: Bruno Felin

Você começou com o rap ainda na década de 90, mas depois passou uma fase fazendo pichações por São Paulo. O rap é um retrato do seu envolvimento com as ruas? Sua fase de pichador é um retrato do gosto pelo rap?

Sim. O Rap aguçou minha curiosidade pelas quebradas. Ouvia o Brown falando do Capão e imaginava. Ouvia o Consciência Humana falando de São Matheus e também imaginava. Assim que comecei a pichar, fui pra essas áreas. Vi de perto o que eles falavam. A primeira vez que vi o cemitério São Luis fiquei em choque. Uma pá de cruz de madeira e na época rolava um boato de justiceiros na área, foi tenso o role.

Contar histórias reais é uma característica sua. Como surgiu esse conceito? Foi pensado, inspirado em alguém ou sai naturalmente?

Desde o começo a escrita no formato storytelling foi fácil para mim. Tinha mais facilidade escrevendo assim do que de outra maneira. Gosto de detalhar, dar emoção a cada fato citado. Tento fazer com que o ouvinte sinta as rimas como se estivesse dentro da história.

Rodrigo Ogi/ Foto: Assis 176

Após todos esses anos trabalhando em cima da arte de rimar, de onde surge a evolução pra você? Como tu trabalha nas letras?

Evolução vem a cada rima nova. Eu tento não repetir, busco novas terminações. Tento diferenciar a levada, cada beat pede uma coisa diferente. Estudo a métrica diariamente. Nas letras eu escrevo o que vivo e o que vivi. Tenho 30 anos e já vivi muita coisa, assunto não falta. Quando eu tiver 60, vou saber muito mais. Deixo a imaginação fluir e assim vem mais uma letra.

Fora da música, que tipo de leitura te ajuda a evoluir na hora de organizar as palavras e ideias em canção?

O Munhoz me apresentou John Fante e daí pra frente eu busquei outros escritores na mesma linha. Conheci o Charles Bukowski, li alguns livros dele e pirei. Tentei ler Kerouac, mas não curti. Li alguns livros do Moacyr Scliar, Ítalo Calvino, Jostein Gaarder… Estes são só alguns, e eu acho que li muito pouco. Um dia o Maleronka me apresentou um tal de João Antonio, Caraca! Virei fã. To lendo todos os livros dele e também alguns do Plínio Marcos. Hoje eu conheci um escritor chamado Lourenço Mutarelli e gostei muito do que li. Ultimamente eu tenho lido isso.

Suas letras mostram que é um cara observador. De onde veio isso? Você pichava sozinho?

Sou filho único. Sempre fui meio solitário. Brincava sozinho. Poucas vezes fui pichar sozinho, o role solo é tenso. Você tem que ter um comparsa essa hora, um ganha, o outro picha e vice-versa.

A solidão e a boemia são as melhores amigas do compositor?

No meu caso são. Gosto de compor e gravar sozinho. Na hora de compor eu me isolo me concentro e as palavras se encaixam. Volto embriagado no ônibus ouvindo um som no iPod. Gosto de beber com os amigos, mas adoro beber sozinho também. Quando bebo sozinho, analiso as pessoas, as conversas no boteco e várias idéias começam a aparecer na mente.

Rodrigo Ogi/ Foto: Assis 176

Quem te inspira hoje em dia em termos de composição? Quem fez ou faz as letras que te fazem parar pra pensar?

Me inspiro no Samba de Raiz. Geraldo Filme, Germano Mathias, Bezerra da Silva, Dicró, Dora Lopez, Nelson Cavaquinho, Aniceto do Império… O Samba é muito rico de compositores. No Rap eu sou fã do Brown e do Espião. Estes sujeitos me emocionam até hoje. Gosto muito das rimas do Rodrigo Brandão, vejo o Don Cesão como um MC promissor. O meu parceiro Rick voltou e vai dar trabalho nas rimas.

O projeto solo veio de uma vontade tua de expressar pensamentos diferentes do Contrafluxo? Qual a diferença entre os dois projetos pra você?

Sozinho eu tenho total autonomia nas composições, na escolha das batidas. Sempre tive vontade de fazer um disco solo, mas não me sentia preparado. Depois que fiz a “Por ai vou vagar”, senti que seria capaz e coloquei as ideias em prática. A diferença é essa: No Contra nós trabalhamos bem, as ideias combinam, mas por ser um time, todos têm voz na hora de decidir, ou seja, todos opinam.

Qual a parcela de importância da cidade de São Paulo nas tuas músicas? Como compara a metrópole com outras cidades por que passou?

São Paulo é foda! É a cidade onde nasci e aqui quero viver até morrer. É tensa, cinza. É um monstro prestes a te engolir. Mastiga e cospe e mesmo assim não troco por outro lugar no mundo. Sampa é a fonte de inspiração pra minhas rimas. Tenho vontade de passar um tempo em Nova York. Gosto de cidades grandes.

Você acha que o rap coloca um peso diferente dos outros gêneros nos artistas? Explico. No rap há muita crítica com quem é verdadeiro, representa, faz isso, faz aquilo. Como tu encara isso? Concorda?

Antigamente eu tinha esse pensamento. Escrevia conforme as “regras” e foi por isso que parei de escrever na época. Quando ouvi “Sétimo volume da enciclopédia letra H” do Espião com Mzuri Sana, resolvi retornar ao jogo das rimas. Esse som mudou meu conceito. O Rap é musica como qualquer outra. Eu acho válido escrever sobre o que quiser, comigo não tem essa. Abaixo os ditadores, os xerifes do Rap. O estilo é livre, a arte é livre.

A arte da capa feita pelos Gêmeos é uma referência aos tempos de Pichação? Já conhecia eles? Conta um pouco sobre isso.

Sim. Conheci os caras na época que eles faziam a revista Fiz. Eles flagravam o meu role na pichação e eu admirava muito o deles. Na hora que os convidei pra fazer a capa, eles toparam na hora. Uma semana depois a capa estava na mão.

Os caras sempre divulgaram a pichação. E se hoje o picho é conhecido e admirado lá fora, isso se deve a eles. Os Gêmeos têm grande parcela nisso, o crédito é todo deles.

O que tem ouvido ultimamente? Seja no rap ou outros gêneros…

Samba da antiga, Reginaldo Rossi e outros bregas. Ouço muito Rap gringo.

Você foi indicado ao VMB 2010 na categoria Rap. Como você recebeu essa notícia e qual é a importância dessa indicação pra você? A lista é um bom retrato do rap nacional?

Fiquei surpreso. Até esperava ser indicado, mas não esse ano. Esperava ser indicado ano que vem ou em outro ano. Isso foi muito importante pra mim, deu mais visibilidade pro meu trabalho. Achei que as indicações foram justas. A Lurdez tá com um disco muito bom, o Rincon já vem mandando muito bem, Bill e Kamau nem preciso comentar, são dois monstros. Claro que sempre falta um ou outro, mas achei justo.

Deixo um salve pra Família Contra Fluxo, Família 360 Graus, Rodrigo Brandão, Zorack, Espião, Bugalu, Pifo, Juk, Rick e pra minha esposa Deborah.

O Rap tá vivo, mais do que nunca!

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18/08/2010

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