Orishas está de volta e afirma: “Mais que pioneiros, somos os criadores do rap cubano”

15/02/2018

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Ariel Fagundes

Por: Ariel Fagundes

Fotos: Reprodução

15/02/2018

Quando o rap era visto em Cuba como “a música do inimigo”, o Orishas explodiu. Formado oficialmente em Paris, em 1999, o primeiro grande grupo de rap cubano não pôde nascer em Cuba naquela época tanto devido ao desconhecimento dos músicos e produtores locais em relação à estética do hip hop quanto por causa da repressão clara que o governo impunha ao estilo musical nos anos 1990.

Quem conta essa história em uma entrevista reveladora é Yotuel Romero, “El Guerrero”, um dos fundadores do Orishas. Após lançar quatro álbuns que estouraram mundialmente – A Lo Cubano (2000), Emigrante (2002), El Kilo (2005) e Cosita Buena (2008) – e fazer um show histórico para cerca de 1.100.000 de cubanos em Havana, a banda se separou em 2009. Passaram-se sete anos até que Yotuel voltasse a tocar com Roldán Rivero e Ruzzo Medina e, agora, o Orishas sente que está mais vivo do que nunca.

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O trio retorna ao Brasil na semana que vem para uma série de shows em Curitiba, Porto Alegre, Rio de Janeiro e São Paulo e aproveitamos a vinda deles para conversar com Yotuel sobre a história do grupo e sobre Gourmet, o novo disco que a banda lançará no dia 27/4 e que contará com a participação de um artista brasileiro (seria Marcelo D2?).

Confira abaixo nossa entrevista temperada de beats e suíngue latino.

Como foi a chegada do rap a Cuba?

O rap entrou em Cuba nos anos 90, 1995 ou 1994, de maneira muito underground porque, para o governo, o rap era a música do inimigo. Então não era popular na rádio, só quem escutava eram os jovens undergound, com cassetes, com vinis, bem underground. Nós do Orishas escutamos essa música e pensamos que era uma forma nova de expressão urbana para as pessoas jovens e começamos a fazer isso na ilha.

Você sente que o rap mudou o cenário musical de Cuba?

Eu acredito que o que mudou realmente o panorama musical de Cuba foi o Orishas porque o Orishas foi quem começou a misturar a música tradicional cubana com o hip hop. Começamos a misturar o som da rumba e o guaguancó com o rap. Com isso, a juventude mudou totalmente sua percepção em relação à música e começou a ter o Orishas como uma referência. Depois de tantas bandas grandes, Los Van Van, Benny Moré, Orishas foi o primeiro grupo que mudou esse panorama e que a juventude começou a seguir.

E de onde veio essa ideia de juntar a tradição musical de Cuba com o rap?

Sempre foi uma ideia, mas também é verdade que, quando você está no seu país, você não enxerga tão bem. Quando você vive fora, vê melhor. O fato de criarmos o Orishas em Paris fez com que a nostalgia pela terra estivesse impressa na música. A própria nostalgia e o próprio desconhecimento de uma terra distante fez com que o Orishas soasse como soa. Porque aí começamos a enriquecer o hip hop com nossa tradição, com nosso sentimento de ausência, com nossa tristeza.

Sobre a religiosidade afro-americana, por que vocês a mencionam no nome do grupo?

Muito fácil. Porque, na época em que nasceu o Orishas, não existiam redes sociais. Então foi uma ideia brilhante chamar a banda de Orishas porque todos cubanos no mundo inteiro que escutavam alguém falar “show da banda Orishas” sabiam que isso vinha de Cuba. Era como uma espécie de apresentação. Além disso, trazia a espiritualidade do orixás, que começamos a entender e começamos a sentir e que vinha da nossa tradição, da herança e da religiosidade da cultura afro-cubana, da idiossincrasia do cubano.

Antes do Orishas, vocês formaram em Cuba um grupo chamado Amenaza, que lembranças você tem daquela época?

Amenaza foi a primeira banda que formamos e foi a primeira banda que teve êxito no movimento underground de Cuba, foi a primeira banda de referência de hip hop em Cuba. Foram momentos difíceis, mas muito lindos. Porque era o surgimento de um novo gênero, de uma nova cultura, de uma nova missão da juventude cubana. E a partir do Amenaza foi que, em Cuba, os jovens começaram a escutar outra música, uma música muito mais social, muito mais dos guetos, muito mais das ruas.

Em 1999, quando Orishas surgiu em Paris, seria possível o nascimento de um grupo como o Orishas dentro de Cuba?

Não! Era impossível porque não havia produtores de hip hop, não havia cultura urbana, não havia simplicidade na música. O cubano gosta de boa música e faz muita, muita, música. No hip hop, se usa bem pouquinho e o cubano é muito virtuoso. Assim como o brasileiro é virtuoso. Então, quando nos encontramos com produtores, dizíamos: “Não não, aí tem muita música”. E eles: “Mas muita música é bom!”. E nós: “Não, no hip hop, menos é mais”. Ao mesmo tempo, essa música não era popular em Cuba. Era uma música que o governo não incentivava.

Havia censura aos artistas?

Sim! Havia muita censura. Muita. Inclusive havia festivais de rap em que terminávamos de cantar e logo a polícia vinha e acabava com o show. Naquela época, 1995, 1996, o hip hop era visto como algo muito marginal. Os shows eram clandestinos, não havia divulgação, não havia nada. Era tudo de boca a boca. “Olha, o Amenaza vai tocar amanhã em tal lugar”. A divulgação era on the street, muito underground.

Quando isso mudou?

Isso mudou depois que o Orishas foi lançado e explodiu mundialmente. Então, Cuba começou a ver que a música que o Orishas trazia era uma música de muita qualidade e, sobretudo, uma música que falava dos sentimentos profundos dos cubanos. A partir desse êxito, teve toda a explosão da música urbana em Cuba.

E como Cuba recebeu o surgimento do Orishas? As músicas tocavam nas rádios?

Não! Era um êxito internacional, mas em Cuba, apesar disso, o Orishas seguia sem aparecer. Em 2001, fomos tocar em Havana e nos proibiram de dar entrevistas nas rádios. Íamos fazer um show em Havana e não nos deixaram fazer lá, tivemos que fazer em uma região fora de Havana. Inclusive, dia 24 de março, Orishas fará seu primeiro show em Cuba depois de nove anos [o show acontece no Festival Havana World Music 2018].

Em 2009, vocês tocaram para mais de 1 milhão de cubanos no festival Paz Sin Fronteras, que comemorou os 50 anos da Revolução Cubana, como foi?

Nos chamaram pra participar, tocamos três músicas e foi uma loucura… E foi muito triste porque, o povo cubano não sabia, mas nós sabíamos que esse seria o último show que fazíamos juntos. Depois, nos separamos. Desde 2000, Cuba inteira já conhecia o Orishas, desde os mais jovens até os mais velhos. Então, estávamos felizes porque íamos tocar em Havana, mas, por dentro, sabíamos que estávamos nos despedindo do público e que eles não iriam ouvir o Orishas nunca mais. Foi o último.

Por que vocês fizeram essa pausa?

Ah, na verdade não foi uma pausa, nós realmente nos separamos. Ninguém faz uma pausa de sete anos. Realmente acabamos, cada um tomou seu rumo e decidiu gerenciar sua carreira solo.

E por que vocês se uniram de novo?

Bem, quando o Orishas se separou, eu me dediquei a produzir discos e a compor. Vim para Miami e comecei a compor para muitos artistas, Ricky Martin, Diego Torres, Thalia, muitos artistas. Aí eu quis fazer minha própria gravadora com a intenção de assinar com novos talentos de Cuba, mas, quando viajei a Havana para buscar novos talentos, vi que o que eu estava buscando era o Orishas. Então, voltei a Miami, chamei Roldan e Ruzzo e disse: “Chicos, quero assinar com vocês na minha companhia e lançar o Orishas de novo”. E eles me disseram: “Fazia muito tempo que estávamos esperando essa ligação”. E a partir daí voltamos.

E como vocês se sentem hoje, juntos novamente?

Nos sentimos mais fortes do que nunca. Melhores do que nunca. Com mais energia do que nunca.

E agora há um novo disco vindo.

Um novo discaço! Está quase pronto, o nome do disco será Gourmet e, no nome, está a explicação do disco. Feito para todas as bocas com os melhores ingredientes de cada local, com a melhor delicatessen de músicas e com o melhor dos temperos. Os singles “Cuba Isla Bella”, “Bembé” e “Sastre de Tu Amor” são os aperitivos, depois vem o prato principal e a sobremesa.

E qual seria a sobremesa?

Uma canção que estamos elaborando, incrível, com um artista com muito talento no Brasil. Vamos gravar no Brasil com um talento impressionante, um grande amigo nosso. Essa será a sobremesa. A recomendação do chef é um tema com Chucho Valdes e a cantora espanhola Beatriz Luengo.

O convidado do disco é o Marcelo D2?

Ahhh, bueno! É por aí! Está no caminho certo.

E Gourmet tem data para sair?

Sim, é pra ser no final de abril, dia 27.

O primeiro single, “Cuba Isla Bella”, foi a primeira gravação de vocês feita em Cuba, correto?

Sim, exatamente. A ideia foi minha de gravar em Havana porque tínhamos essa assinatura pendente, em toda carreira anterior do Orishas nunca havíamos gravado em Havana e eu quis que esse recomeço do Orishas iniciasse pelo lugar que nos viu nascer e onde nunca havíamos podido gravar. Era como prestar uma homenagem a Cuba, essa ilha que tanto nos queria de volta, prestando essa homenagem para começar o retorno. Então, foi um prazer fazer isso em Havana, reunimos muitos amigos músicos e fãs de Orishas e aí gravamos esse que é como se fosse um hino nacional para Cuba e para todos os cubanos no mundo inteiro. E não somente para os cubanos, mas para todos aqueles que se sentem filhos de suas terras.

O pop latino talvez nunca tenha sido tão forte quanto é hoje. Vocês estão buscando acompanhar essa onda?

Essa é uma coisa que não se define. Quando você escuta uma canção da nossa compatriota Camila Cabello, “Havana”, se dá conta de que há uma influência total de Orishas ali. É mais pop que Orishas, mas é um tema com muita qualidade. Hoje em dia, o popular, que é o pop, foi transferido para a música urbana e a música urbana latina está tendo muito êxito mundial. Não há dúvida de que o Orishas fez parte dessa expansão.

Vocês se sentem pioneiros?

Nós, mais do que pioneiros, somos os criadores desse som. Somos os criadores desse “Havana ahh” [cantando Camila Cabello]. Isso começou com “Represent represent, Cuba, Orishas undergound de Havana” [cantando “Represent”]. É o mesmo. Por isso nos sentimos felizes e honrados de que o que criamos como um sonho, hoje, se tornou uma entidade da música cubana. Somos os criadores do rap cubano, desse som da música tradicional com hip hop, Orishas foi o criador.

Parte do público vem comentando que, hoje, seu som é menos underground do que antigamente. O que você pensa disso?

Olha, é bom que os fanáticos falem o que pensam, não? Nós, desde o começo, sempre fizemos algo que agradasse a nós. Nós vamos seguir trabalhando nossa música e tentando fazer as coisas apesar dos gostos dos outros. Se o público gosta ou não, é problema do público. Mas nossos temas como “Bembé”, “Cuba Isla Bella”, “Sastre de tu Amor”, são temas que reúnem uma qualidade perfeita para compartilhar hoje. Nós fizemos essas canções falando de todas as coisas que aconteceram e nos demos conta de que o que as pessoas precisam é se reconectar. O mundo que estão vivendo hoje em dia é o das penalidades, dos crimes, da corrupção, dos assassinatos, do terrorismo, em que você olha na televisão e só vê notícias péssimas, então, nós, como Orishas, nos sentimos com a responsabilidade de, na música, dar ao público um alento para se reconectar. E que viajem em outras histórias e em outras dimensões. Por isso, o público pode pensar que há canções que são menos underground, pra mim isso não é um problema. Porque realmente nunca vivemos com o pensamento do público. O que sim nos importa é que o Orishas é a única banda que canta “El Kilo” em seus shows, que realmente tem uma proposta interessante, a única banda que realmente não usa Auto Tune para suas canções, como muitos artistas que costumam dizer que são underground. O que quero dizer com isso é que, se há uma banda mais real, com história, que teve que viver no metrô de Paris, haver sofrido e ter que fazer sua música longe da sua terra, que teve realmente que ter passado trabalho e necessidade, quando não se escutava rap em lugar nenhum, e conseguiu com sua música fazer com que um movimento, que hoje em dia é mundial, se criasse, para mim é o mais importante. O que os fãs dizem, realmente, é a seu critério. Mas nós próprios do Orishas sentimos que estamos dando à música latina prestígio, qualidade e sobretudo muito respeito.

Além de Gourmet, há um documentário à vista correto?

Sim, estamos fazendo um documentário mostrando essa viagem em que estivemos gravando em Cuba pela primeira vez. Estamos preparando um “behind”, um retrospecto que mostre como foi essa viagem a Cuba. Sairá no final do ano.

Com a chegada de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos, o futuro político e econômico de Cuba segue bem incerto. O que você pensa sobre isso?

Bom, o embargo ainda segue aí. Penso sempre que é o momento pra que o mundo se abra a Cuba e Cuba se abra ao mundo. É o momento em que pela primeira vez o povo cubano pode ver um ápice de luz. Enquanto vemos a abertura dos Estados Unidos com Cuba, vemos um pequeno índice de luz no povo. Por exemplo, muitos amigos meus, com a aproximação da abertura, fecharam seus negócios na Europa e, com seu dinheiro, foram a Cuba para ficar perto de suas famílias, trabalhando honradamente e vivendo o sonho cubano. O sonho de qualquer cubano é poder estar na ilha, trabalhar na ilha e poder alimentar seus filhos de uma forma honesta, correta. Agora, o que houve com toda essa mudança que existiria em relação a Cuba ficou para trás, e agora sigo esperando.

Quais são os artistas que você tem mais ouvido ultimamente e que tem influenciado seu som?

Gosto muito do Kendrick Lamar. Um artista brasileiro de que eu gosto muito é o Emicida, Céu é outra artista que eu gosto muito, também Tropkillaz. E esse disco novo do Orishas mostra: não é a mesma coisa comer e se alimentar. Prefiro a música que alimenta, não a que é feita só para comer. Quero que termine a entrevista com esse slogan: “Orishas – Gourmet: Tem comidas que alimentam e outras que apenas matam a fome”.

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15/02/2018

Editor - Revista NOIZE // NOIZE Record Club // noize.com.br
Ariel Fagundes

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