Exclusivo | Entre no mundo afetivo de Paula Cavalciuk com o clipe de “Ruína”

09/11/2016

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Ariel Fagundes

Por: Ariel Fagundes

Fotos: Filipa Andreia/Divulgação

09/11/2016

De Tapiraí para o mundo, Paula Cavalciuk vem trilhando um caminho luminoso pela música. Nos cerca de três anos de trabalho autoral, Paula gravou o EP Mapeia (2015), venceu o tradicional Prêmio Sorocaba de Música e lançou Morte & Vida (2016), seu disco de estreia produzido por Gustavo Ruiz e Bruno Buarque. Hoje, lançamos com exclusividade o clipe de “Ruína”, que registra o processo de gravação do álbum e a turnê de lançamento do EP, que durou um mês e passou por dezenas de cidades em São Paulo, Minas Gerais, Goiás, Distrito Federal e Santa Catarina.

“‘Ruína’ é uma das músicas mais antigas do disco, foi a terceira composição da minha vida”, explica a cantora. “A letra fala sobre o fim de relacionamentos, mas por ter sido feita em uma fase em que eu estava acreditando menos na minha autonomia e na minha condição como musicista, compositora e intérprete, ela foi injustiçada por mim mesma. Não coloquei no EP, um lance de auto-crítica mesmo”. Paula Cavalciuk conta que a relação de amizade e confiança com sua banda foi fundamental para que ela fizesse as pazes com sua composição: “Me permiti trabalhar como uma equipe, preciso deixar a música ser o que ela quer ser”.

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Esse olhar pautado pelo afeto acompanha a artista a cada passo que dá, como você pode ver no vídeo abaixo e na entrevista que segue:

Faz poucos anos que você começou a tocar suas composições profissionalmente. Como essa vivência mudou sua vida?
É bastante recente mesmo. Assim, cresci numa educação cristã muito praticante, cantando na igreja e tudo, então tinham umas cobranças dentro da minha casa. Sucesso no trabalho tinha uma relação com a carteira de trabalho assinada de fato. Quando cheguei em Sorocaba, 10 anos atrás, pensei: “Cara, vou fazer um curso pra tentar pelo menos me colocar no mercado dessa cidade industrial. Aí cursei Logística e tava trabalhando em comércio exterior quando decidi pedir a conta do trabalho em uma multinacional japonesa. Aí foi só descobrimento, uma abertura de olhos e de consciência mesmo. É sempre uma luta, Sorocaba, por mais que exista uma coisa efervescente em relação à arte, é uma cidade que fecha muitas portas pra pessoas que pensam um pouquinho diferente. Mas também eu não tô mais me limitando em Sorocaba, tô pensando no Brasil e outros lugares.

Você se envolveu com o Girls Rock Camp e o Rasgada Coletiva aí em Sorocaba, como essas experiências lhe influenciaram?
Era o que faltava. Trabalho com música mesmo desde 2010, só que era um lance de tocar em barzinho, em baile, em casamento, eu me considerava uma trabalhadora da música. E aí eu entrei simultaneamente no Rasgada e pedi pra ser voluntária no Girls Rock Camp. Então, ao mesmo tempo em que eu via as pessoas apresentando tão legítimas, tão originais, no Carne de Segunda [projeto de shows do Rasgada], também entrei de cabeça no Girl Rock Camp. Ali era um ambiente onde eu precisava dizer pras meninas da forma mais natural possível que elas podem fazer o que quiserem, que o gênero nunca pode ser um fator limitador pra elas alcançarem o próprio sonho, que elas podem cantar do jeito delas e que elas podem compor suas músicas e falar as coisas do fundo do coração. Mas uma coisa era eu falar aquilo pra elas, num primeiro momento eu realmente falei. Quando acabou, pensei: “puxa vida, acho que no próximo ano eu vou mostrar pra elas que é possível, não vou mais falar”. Aí tirei minhas músicas da gaveta, com muito custo porque… eu sou caipira pra caramba, e é um caipira que tem vergonha das coisas, que se acha inferior, principalmente chegando em uma cidade como Sorocaba. Hoje enxergo isso diferente, mas isso me atrapalhou muito, tenho que ficar sempre trabalhando com minha auto-estima. Isso tudo aconteceu em 2014. Acho que entrei no Rasgada um pouco antes de acabar 2013, entre 2013 e 2014 foi um momento de virada na minha vida.

O Morte & Vida saiu com apoio do edital do Programa de Ação Cultural (ProAC) e trouxe alguns convidados especiais, o Kiko Dinucci, a rapper Fernanda Teka…
Isso, e também o Alex Tea que é um russo que chegou no rolê. Ele mora nos Estados Unidos e toca reggae pra caramba e, como “Dont Wanna Let You Down” se aproxima um pouco do reggae, convidamos ele de última hora e deu super certo. A Teka eu convidei pra fazer “Colecionador de Opiniões” quando fomos classificadas no Prêmio Sorocaba de Música. Essa música tem uma essência de rap, mas a minha experiência com o rap é traumática. A primeira música que eu compus foi o “Rap da Dengue”, quando eu tinha 12 anos, aí fui apresentar na escola e esqueci toda letra! Esqueci tudo e saí correndo do palco. Eu tinha 12 anos e só voltei a compor com 25 (risos). A gente ganhou o primeiro lugar no Prêmio Sorocaba de Música e, com o valor da premiação, conseguimos finalizar o EP, prensar as cópias e sair em turnê. Foi tudo com esse prêmio. E o Kiko Dinucci, é que essa música “Sumiço” era um samba. Eu imaginava um grupo tipo o Fundo de Quintal tocando ela a plenos pulmões tomando cerveja. Mas aí quando formamos o repertório do disco pro edital do ProAC e começamos a pensar no arranjo sentimos que seria muito interessante se conseguíssemos desconstruir esse samba. Aí se fala em desconstrução de samba, se pensa no Kiko Dinucci, né? O Gustavo [Ruiz] falou pra chamar ele, ele topou, foi muito massa.

Chama atenção que, apesar dessa herança caipira que você comentou, sua música busca um som pop, pop planetário, como você já disse em outras entrevistas. Como é esse processo de sair de um útero caipira em direção ao cosmos pop?
Minha primeira infância foi em escola rural, estudei ali até os 9 anos, e eu queria algo fazer além do que me ofereciam na vila onde eu morava. Meu pai me influenciou muito a gostar de música mundial. Ele vem de uma família russa e gostava muito de ouvir música russa, música grega… Ele tinha umas piras de ter os hinos nacionais de todos os países catalogados (risos) Eu ficava ouvindo muita coisa louca em casa, que ainda tá no meu subconsciente e eu ainda estou mapeando. Referências que eu tô começando a entender agora, sabe? A influência da música paraguaia na minha vida, e como a música paraguaia influenciou a música brasileira na década de 80. Por exemplo, Milionário e José Rico, tem muita coisa de música paraguaia e música mexicana no som deles. E eram coisas que eu ouvia na minha casa. A minha mãe, muito católica fervorosa, e cantora, proporcionou essa experiência que mostrou que eu podia cantar e me expressar através da voz. Eu e minha irmã sempre acompanhamos minha mãe na igreja, na procissão, nas capelas, nos encontros. Então juntou isso, os discos de música caipira, de música mundial, do Ray Conniff, muita coisa que ainda estou sintetizando, e mais essa herança de cantar coisas sacras. Quando você canta música sacra, você não tá cantando pra mostrar nada pra ninguém, você tá cantando pra se sentir bem consigo mesmo e criar uma ligação espiritual com algo que você acredite. O cantar pra mim tá muito ligado a isso, por isso é muito importante pra mim continuar cantando. Sempre achei e ainda acho que tem muita coisa bonita pra ser mostrada dentro da cultura caipira. E esse lance de tentar trazer num outro contexto a música caipira do mato, já reinventada em um pop planetário pros palcos, tem a ver com você promover um carinho, sem taxação, de coração mesmo.

Tuas composições tem um tom bem emotivo, como é o ato de compor pra você? Aparecem muito as relações, mas também tem uma crítica social, como em “Maria Invisível”, ainda assim com um olhar muito emotivo.
É um lance de emoção mesmo, tem muita coisa que veio da dor, de viver um sofrimento que eu transformei em música, tem muitas em que eu fiz isso. A crítica social está presente, minha primeira infância vivi no Vale do Ribeiro, uma das região mais pobres do estado de SP, que engordava muito os índices de mortandade infantil na década de 90. A gente convivia com aquilo e tinha que achar normal – porque era normal ver crianças da minha idade morrendo de desnutrição. A minha mãe participava da Pastoral da Criança e aprendia a fazer a multi-mistura pra levar nesses lugares onde tinham crianças morrendo, ela também era catequista e levava as turmas dela até esses lugares pra ver a realidade das pessoas. Era uma situação onde tinha muito sofrimento envolvido, a gente tinha uma esperança de tentar modificar aquilo com uma força coletiva. E é sempre isso, a dor de diversas maneiras. Porque sou muito sensível, eu leio uma matéria e perco o dia chorando, sabe? Mas quando eu vejo que tô perdendo muito tempo com algo tento transformar aquilo em uma coisa que possa acrescentar algo pra alguém. Aí toda essa dor, toda minha crítica interna, jogo tudo dentro de um liquidificador. Costumo falar que tem uma maquininha aqui dentro que faz música. Mas às vezes precisa trocar essa maquininha, às vezes ela para de funcionar, tem que lubrificar um pouco.

E como foi essa turnê que está no vídeo de “Ruína”?
O Ítalo Ribeiro, que produziu o EP, é o baterista da banda e é o meu companheiro, fechou a turnê toda. A gente tinha uma data em Goiânia e aí foi montando a logística de todo o resto. Durou um mês. Olha que curioso, no fim, quando a gente estava saindo de casa pra viajar, caiu essa data de Goiânia. Só que aí a gente já tinha outras coisas marcadas e fomos fazer. Ao longo do caminho rolaram conexões maravilhosas. Foi um convívio muito próximo da banda e trouxe muito ensinamento pra gente, de saber quais são seus limites, os limites do outro. O primeiro destino mais longe que fomos foi Mariana (MG), uma semana depois da tragédia. O centro histórico, onde a gente tocou, não foi afetado, mas o clima estava muito pesado na cidade, um clima de perda terrível, muito triste. Uns cinco minutos antes da minha apresentação em Mariana eu estava pensando em desistir, sabe? Pensei: “Que que eu tô fazendo aqui? Tem tanta coisa que precisa aqui e eu vou cantar?”. Só que ao mesmo tempo eu não posso chegar aqui e apertar o presidente da Samarco pra que ele pague pelo menos o dano material das pessoas, o que eu podia fazer naquele momento era cantar, minha força tá nisso. E aí foi o que eu fiz. E foi maravilhoso… Porque aí estabelecemos um clima muito mais leve, um clima de esperança. Tentei fazer isso com o máximo respeito pela dor das pessoas. Isso norteou todo o resto da turnê, você chegar com respeito nos lugares e olhar nos olhos das pessoas. Foi a maior lição que eu tive dessa turnê. Depois dela, chegamos com os arranjos praticamente prontos pro disco. Quando voltamos, o Bruno Ruiz e o Gustavo Buarque fizeram uns ajustes muito finos. Foram algumas coisas de timbres, mas a essência estava ali.

E quando você pensa em dar outra volta dessas?
A gente pensa em voltar, pelo menos pra alguns lugares como Belo Horizonte e Goiânia, ainda nesse ano. E já estamos planejando algo um pouco maior e mais abrangente, até no sentido de América Latina, pro primeiro semestre de 2017. Já que temos essas influências da guarânia, e outros tipos de música latina, tô querendo ampliar isso. Nem que as pessoas olhem pra mim e falem: essa merda não é tango! (Risos) Eu não tenho pretensão de fazer samba, de fazer tango, a minha pretensão é transmitir aquilo que eu recebi. Eu já perverti muita coisa que eu ouvi, e isso é o interessante da arte. Ela tá em movimento.

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09/11/2016

Editor - Revista NOIZE // NOIZE Record Club // noize.com.br
Ariel Fagundes

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