Entrevista | Planet Hemp toca fogo em Porto Alegre e promete álbum ao vivo

23/01/2024

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Erick Bonder

Por: Erick Bonder

Fotos: Frances Rocha

23/01/2024

Na última quinta-feira, Porto Alegre chapou com o Planet Hemp e duas horas de “rap-rock’n’roll-psicodelia-hardcore-ragga”. Após oito anos sem passar pela cidade, “os maconheiros mais famosos do Brasil” lotaram o Auditório Araújo Vianna com o show da turnê JARDINEIROS, apresentando os clássicos e as novas músicas da banda.

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Com Marcelo D2 e BNegão, nos vocais e no comando da plateia, Formigão, no baixo, Pedro Garcia, na bateria, Nobru, na guitarra, e acompanhados pelo DJ Renato Venom, o Planet ainda contou com volta de Daniel Ganjaman para o grupo, tocando teclados e guitarras de apoio. Depois do show, trocamos uma ideia com BNegão, Ganjaman e Pedro (que você pode conferir na sequência deste texto) sobre a volta aos palcos, os dois Grammys Latinos vencidos recentemente pelo grupo, o lançamento de seis novas faixas em JARDINEIROS: A COLHEITA e a influência do rock gaúcho na formação da banda (ouça abaixo a playlist montada pelos caras, que estava tocando antes da apresentação). Eles também autografaram capas do vinil de JARDINEIROS, lançado em 2022 pelo NOIZE Record Club.


O Araújo Vianna é uma casa de espetáculos em formato de anfiteatro, com lugares marcados, onde costuma-se assistir sentado aos shows. Há um pequeno espaço entre o palco e o público. Assim que a banda se posicionou, BNegão pegou o microfone e gritou: “Eu quero todo mundo aqui na frente! Pode descer!”. A galera então saiu correndo e logo estava formado um aglomerado de pessoas eufóricas, com sorrisos no rosto, baseados na mão e formando rodas punks no espaço possível. Esse é o clima que combina com o Planet Hemp.


Em cima do palco, o Planet interpretou alguns dos seus maiores hits dos anos 1990 e 2000. De Usuário (1995), faixas como “Fazendo a  Cabeça”, “Não Compre Plante” e “Legalize Já”. Do álbum Os Cães Ladram Mas A Caravana Não Para (1997), sons como “Hip Hop Rio”, “Queimando Tudo” e “Zero Vinte Um”. E ainda rolaram músicas de A Invasão do Sagaz Homem Fumaça (2001), como “Contexto” – quando homenagearam Marcos Valle, pelo refrão “É mentira/ É mentira” – “Quem Tem Seda?” e “Stab” – na qual contaram com Jacksom, ex-integrante da banda, na guitarra. Em praticamente todas as músicas, foram acompanhados por um coro uníssono do público. 


Já as canções de JARDINEIROS, se confirmaram enquanto novos clássicos, também cantadas a plenos pulmões por todos os presentes. Grande parte do setlist foi composta por músicas lançadas na retomada da banda, em 2022. “Distopia”, “Taca Fogo”, “Puxa Fumo”, “Remedinho” foram alguns dos sons que deixaram o público em êxtase, interpretados com a performance punk cheia de energia de D2 e BNegão. Do novo lançamento, JARDINEIROS: A COLHEIRA, rolaram “Salve Kalunga” e “Nunca Tenha Medo”.

O Planet também homenageou o Ratos de Porão, tocando “Crise Geral”, Chico Science e Nação Zumbi, com “Samba Makossa”, Mr. Catra, invocando o bonde dos maconheiros com “Cadê o Isqueiro”, e Os Tincoãs, tocando o refrão de “Deixa a Gira Girar” enquanto estimulavam que a roda punk aumentasse. Marcelo Yuka foi lembrado, por ocasião dos cinco anos de seu falecimento. Marielle Franco também foi aclamada, assim como a banda manifestou-se pela paz para o povo palestino.

Um show e tanto, que matou toda a saudade que os fãs do Planet Hemp sentiam da banda e realmente merece ter um registro em formato de disco ao vivo que, como BNegão adiantou à NOIZE, em entrevista, está sendo planejado. Agora, confira o papo completo que tivemos com ele, Ganjaman e Pedro Garcia depois da apresentação: 

Depois de tanto tempo sem lançar música nova, vocês faziam as turnês, mas com as músicas antigas, os clássicos. Como é agora ver a galera eufórica, cantando as músicas novas como canta as da década de 1990, dos anos 2000?

BNegão: Cara, é uma felicidade gigante. Assim, a gente não sabe explicar. Realmente, o último disco que a gente lançou foi há 22 anos, é muito louco. O Ganja era molequinho. Eu vejo, tirando pelo exemplo dele: o cara, pô, era molequinho, metendo bronca, e hoje em dia é um dos maiores produtores do Brasil, que agora tá de volta com a gente. Tem muita história, muita gente. E um monte de coisa aconteceu desde lá. É muito maravilhoso estar de novo aqui, com música relevante, com letras relevantes e podendo contribuir para o cenário musical do Brasil e também pra todas as discussões que acontecem. 

O Planet sempre foi uma banda que contribuiu para isso, já nasceu dessa forma. A gente até achava que, por isso mesmo, nunca iríamos sair do underground. Acabamos saindo, e foi um efeito maluco, não era planejado. E acabou dando um monte de efeito colateral em várias situações do Brasil. Essa coisa de falar abertamente sobre a maconha, por exemplo. Acontece o tempo todo de receber relatos da galera que tá nas cabeças falando sobre esse assunto hoje em dia, dizendo como o Planet foi importante, que o primeiro start quem deu foi a gente, lá atrás, para depois chegar onde estamos. Todo mundo atuando como ativistas, ativistas da erva. 

Então, hoje em dia, é um momento muito diferente do que era naquela época. E ao mesmo tempo, porra, musicalmente a gente também ter conseguido seguir relevantes para mim é uma vitória linda. É o que faz a coisa valer a pena. A gente tá nessa pela música, né? Porque a gente ama viver dessa forma, viver de música. E é a música que manda. Então, é muito foda, porra, a gente conseguir fazer isso. O Ganjaman tá com a gente de volta, o Pedro aqui, representando o Rio Grande do Sul.

De onde você é, Pedro?

Pedro Garcia: Na verdade, eu nasci em Pelotas e morei aqui em Porto Alegre até os seis anos. A banda do meu pai, que era do Garotos da Rua, o Bebeco, foi tocar no Rio em 86 e não voltou mais. Aí eu fiquei lá. É isso.

Tu falou esse lance de que vocês achavam que não sairiam do underground. E agora vocês ganharam dois prêmios no Grammy Latino. Décadas atrás, no momento anterior da banda, vocês até foram presos e tal, para 20 anos depois chegar e ganhar o Grammy nessa nova fase. Como é a sensação?

BNegão: A gente é um combo maluco de música, ativismo de ideias e porralouquice, fio desencapado. E isso resulta no que nós estamos vivendo agora, no que aconteceu aqui hoje. A gente voltou porque achou que estava precisando do Planet na cena nacional. Inclusive na cena política nacional. Achamos que dava para contribuir com 0,001% nessa confusão toda de esquerda e direita. A gente voltou pensando nisso, pensando em influir. Tanto que a gente lançou o disco entre o primeiro e segundo turno [das eleições presidenciais de 2022]. 

E ao mesmo tempo, a gente tá nessa pela música, tentando sempre fazer o melhor, fazer coisas diferentes do que a gente já fez. A gente tenta se desafiar o tempo todo. E por isso tudo é muito importante, a presença de todo mundo que meteu a mão. Eu digo mais uma vez: estar tocando de novo com esse sujeito aqui, Ganjaman, para mim é uma felicidade, porque contribui muito e contribuiu muito já com o Planet de forma geral. Enfim, as turnês que rolaram do Sagaz Homem Fumaça [último disco de estúdio antes do hiato] lá atrás, quando a gente foi para o Japão, Europa, Estados Unidos. O Seu Jorge tocando percussão nessa época, sabe? É muito louco.

Daniel Ganjaman: Acho que o Planet sempre carregou isso. Eu sou fã do Planet desde sempre e depois acabei entrando na banda. Lembro que, na época, quando a gente tava fazendo, tinha um olhar de que tudo o que nós estávamos fazendo ali queríamos que ficasse como legado pra posteridade. Sempre teve essa ideia. Mas, ao mesmo tempo, a gente sabia que nossa proposta era muito transgressora, disruptiva até, de uma certa forma. Era um negócio que não tinha nada parecido acontecendo. Eu e o Pedrinho, a gente era dos mais novos da banda, né? Os dois mais novos da banda. E aí rolava uma brincadeira, que hoje em dia é engraçada de pensar. A gente era moleque pra caralho e falava: “Pô, a gente tinha que fazer a banda dos cinquentinhas, quando fizermos 50 anos, e tocar um som de tiozinho”. E aqui estamos, quase 50 anos, Marcelo com 56, Formigão, e a gente tá aqui, cara, fazendo isso que a gente fazia lá atrás. Quer dizer, acho que faz tanto sentido que é o que a gente está fazendo até hoje.

E pra fechar, vocês devem estar cansados, o Planet lançou agora uma nova versão do álbum, “JARDINEIROS: A COLHEITA”, com seis faixas novas. São três músicas inéditas e alguns remixes. Por que lançar esses sons novos e adicionar essa nova mensagem?

BNegão: São sons que estavam sendo feitos juntos com o álbum, só que não estavam prontos quando o JARDINEIROS saiu. E aí, a gente falou: “Porra, vamos ter que lançar essas músicas”. Poderia ser o EP novo, mas, ao mesmo tempo, as músicas foram feitas na mesma época do álbum, então elas tem essa mesma vibe da parada. Então, pra gente fazia sentido poder soltar. E dentre essas músicas tem várias absurdas, tipo uma que não poderia ficar de fora era essa com o Posdnuos, do De La Soul [“Nunca Tenha Medo”], que é um herói pra nós, pelo menos pra mim e o Ganja. Um cara que a gente ouve há 30 anos. Quando eu conheci o Skunk, a gente conversou sobre o De La Soul, que tinha acabado de lançar o primeiro disco, em 1989. Isso lá atrás, antes do Planet. E aí a gente estar gravando com o cara, para mim é uma hora danada, muito maneira. Têm várias outras situações legais. Esse ano a gente tá se preparando pra sair um disco ao vivo e tal. 

E tem uma surpresa antes do disco ao vivo que vai ser bonita. Mas tem esse disco ao vivo, a gente vai meter essa bronca e tentar pegar esses pedaços, essa energia, tipo desse show de hoje, por exemplo, essa cor, e tentar botar ela ali, em uma gravação. Tipo, você registra essa energia dentro daquela caixinha. É um alimento fazer um show como o de hoje, cara, dá muito gás pra gente continuar trabalhando. E Porto Alegre foi a primeira cidade que abraçou a gente. É engraçado, porque a maior parte da galera da nossa geração fala a mesma coisa. A galera do Nação Zumbi fala a mesma coisa, que o primeiro lugar em que a banda pegou fôlego fora de casa foi aqui. 

Ganjaman: O Cordel de Fogo Encantado também. Pô, primeiro lugar. Vim pra Porto Alegre em uma viagem quando fizeram o primeiro show deles aqui. Otto, Mundo Livre S.A. e Cordel. Foi foda. É incrível. E com o Criolo, a gente costumava fazer o primeiro show de todas as turnês aqui em Porto Alegre, entendendo que é um público que vai ter uma visão que pra gente é cirúrgica para entender qual é a resposta ao nosso trampo. É diferente aqui, é realmente uma parada muito muito diferenciada tocar em Porto Alegre. Sempre.

BNegão: E eu torço muito, cara, pela cidade, porque é uma cena realmente muito importante para a nossa formação – o Pedrinho nem se fala, que é filho de um dos caras principais da parada –, mas muito longe da gente. A gente ouve muito as bandas daqui, dos anos 1980, Garotos da Rua, Cascavelletes, é muito importante, a cena de Porto Alegre sempre foi muito foda. E no momento eu não tenho ouvido falar muita coisa que esteja rolando aqui. Penso em Porto Alegre com muito carinho e torcendo sempre pra que parada volte, irmão, a ter a força. Porque a cena daqui foi uma das mais fortes do Brasil e faz um tempo que eu não tô ouvindo novas paradas, aquela profusão que tinha. Eu acho que precisa ter um choque, na própria galera de mídia, para entender que aqui é muito importante. Se os caras não chegarem juntos, as coisas morrem. E essa cena é muito importante porque ela é muito diferente, e no Brasil a graça é a diferença. Esses lugares diferentes podem contribuir. É um lugar que sempre contribuiu e precisa desse choque nos peito. Eu torço muito muito muito pela cena de Porto Alegre.

Ganjaman: A cena de Porto Alegre, pra quem gostava de música, era algo sempre “a banda preferida do teu artista preferido”. Tinha um pouco isso. Defalla, enfim, Cascavelletes, Júpiter Maçã, uma geração gigante. Era isso: “o artista preferido do seu artista preferido”. E nesse momento, dentro da cena contemporânea, não tá chegando lá pra gente. Óbvio que deve tá com muita coisa acontecendo aqui, mas que tenha tomado uma proporção um pouco maior… Normalmente a gente estaria ouvindo coisas vindas daqui, mas, pra nós, tá rolando um hiato nesse sentido. 

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23/01/2024

Erick Bonder

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