Se você não é da década de 90 para frente e quer saber o que a juventude está fazendo da vida, o ROSABEGE pode lhe elucidar isso. Ou, ainda, se você é da tão (mal ou bem) falada geração Y e quer entender esteticamente o que isso representa, bom, o ROSABEGE também pode lhe indicar um caminho. Formado pelos criativos jovens de 21 e 22 anos, João Lucchese, Thiago Fernandes, Vitor Milagres e Pedro Caiado, o coletivo é fluído e transmídia por natureza.
Tentando ao máximo extrair o melhor da sua geração, eles esparramam sua arte pelas linguagens sonoras, líricas, audiovisuais, além das artes visuais e da moda. O resultado? Uma roupagem que soa vanguardista, mas que se presentifica muito nos dias de hoje. Uma brisa tropical artificial, um vento de ar-condicionado, um mergulho em um filtro que simula o mar; os cariocas exploram a costura entre on e off que constitui o real dos nossos tempos em um som sintético, ora digital, ora acústico, sem perder a poesia e a observação do que é humano.
Em 2019, eles lançaram seu primeiro álbum, Imagem, que deu sequência a um curta de mesmo nome, expandindo o mesmo universo. Para entender as várias camadas desses trabalhos, batemos um papo com 3/4 da banda. Aqui, Thiago, João e Vitor conversam com a gente sobre o processo de trazer Imagem ao mundo, transitar entre sonoro e audiovisual e sobre como ser espiritualizado em meio a tanta tecnologia. Ouça o álbum, desça a página e confira tudinho!
Partindo da concepção, passando pela execução até a finalização, quanto tempo durou o processo do álbum Imagem? Como foi essa experiência?
Vitor: Boa! Foi mais um menos um ano de processo com diferentes dinâmicas. Tiveram momentos nos quais a gente estava trampando com muita intensidade, em outros em baixa intensidade. Mas foi bem legal porque foi algo que produzimos todos juntos, todo mundo colocando a mão na massa de praticamente todos os elementos; acho que foi bom pra todo mundo se descobrir, para começar a fluir em lugares que eram desconhecidos para a gente, e que agora já temos um pouco mais de propriedade.
João: Tudo começou a partir da conversa sobre quais questões a gente queria levantar, focando mais nas canções. Depois desse levantamento e de um tempo para a ambientação, começamos a escrever as canções. Só produzimos em cima das letras prontas, diferente do primeiro EP [Astral Mediterrâneo (2018)], que fizemos tudo junto, batidas, instrumentais, e inventávamos uma letra pra botar na hora. Agora, no disco, priorizamos as composições; cuidamos delas e, depois, esculpimos o som.
E vocês acham que esse método testado agora, no final das contas, rolou melhor do que o processo do EP? Qual é a avaliação de vocês?
Thiago: Acho que não necessariamente é melhor ou pior, acho que é mais [sobre] uma escolha do processo que iríamos seguir. Não necessariamente os próximos serão assim.
João: Por mais que não tenha juízo de valor de pior ou melhor, isso abre outras possibilidades. O disco é uma narrativa de palavras muito mais fortes que o EP. Vinculamos um peso e uma importância maior para as palavras que estávamos usando do que antes.
Então, todo mundo compõe e é amigo dos beats?
Vitor: [risos] É, sim. Todo mundo envolvido em tudo.
A ideia de fazer o curta nasceu ao mesmo tempo que o álbum? Como essas etapas foram estruturadas?
João: É… eu não lembro exatamente [risos]. Mas, acho que chegou um momento em que a gente definiu que não queria lançar um single mas que, sim, queríamos um material visual no qual a gente colocasse tanta energia e dedicação quanto o disco. A gente não quis se limitar fazendo clipes, a gente quis experimentar um pouco mais e acabou surgindo nesse formato de curta.
Thiago: Desde o começo da banda, já no EP, a gente sempre quis ter essa proposta bem visual, né? Então, foi uma parada meio natural do processo do álbum surgir essa ideia de um material visual nesse formato filme + álbum.
Transportar o universo de Imagem, que foi experimentando de forma sonora, para a linguagem visual… por mais que isso esteja no cerne do que é o ROSABEGE, foi um processo tão orgânico quanto o próprio título do álbum sugere? Como foi fazer essa espécie de tradução entre linguagens?
Vitor: Acho que nós estávamos passando por um momento de querer experimentar muito, de querer tentar muitas coisas, tanto no som quando na imagem. Dentro desse processo, foi muito natural como esse nome foi surgindo, como foi se mostrando importante. Era uma escolha que fazia muito sentido pra gente.
O disco tem 11 faixas, é um trabalho robusto, enquanto que o curta tem uns seis minutos. Como foi sintetizar e apresentar o álbum de outra forma?
Vitor: Eu não sei responder exatamente, acho que fazia muito parte do nosso processo, sabe? A gente pensa muito o ROSABEGE como um laboratório no qual a gente pode realizar pequenas porções de experimentações e os resultado são bem desafiadores para a gente. Esse processo de tradução da música, que é uma linguagem que a gente tá muito mais acostumada, para uma coisa imagética, tem a ver um pouco com da nossa pegada mesmo enquanto banda. As ideias e como iríamos tratar cada corpo foram surgindo daquilo que o João falou: de muita conversa e referência. E nos achávamos que aquilo tava tendo muito a ver com as letras do álbum e toda a descoberta que está sendo, para a gente, entrar no mercado de trabalho na juventude, estar trabalhando com música independente, o descobrimento do que é ser artista, etc, além do flerte com todas as outras artes, estar vivendo na era do instagram, onde é tudo muito sobre estética e imagem, onde tudo também é muito rápido. Então, não necessariamente a gente quis fazer isso, mas foi uma coisa bem natural. Como é muita experimentação, ainda não temos um processo definido. O resultado foi bem a partir das descobertas, foi bem na guerrilha.
Um jeitinho bem millennial ver o mundo né?
João: [risos] É verdade. Mas você falou sobre o álbum ser robusto, ter onze faixas, mas ele tem 30 minutos, sabe? A gente tava o tempo inteiro pensando na experiência do que é esse álbum em 2019. Não é algo desmedido.
Existe, então, um desejo estético de trabalhar com a narrativa audiovisual, não só uma questão mercadológica, né?
João: Impossível ignorar isso, nem acho que valha à pena ignorar como as coisas estão funcionando hoje em dia. Os desafios que estamos propondo ao nosso corpo, à nossa imagem, tão sendo muito enriquecedores pra gente, mesmo que a gente esteja um pouco se propondo a jogar o jogo da indústria, ou o que quer que seja isso, tá trazendo muitas coisas para a gente.
O disco aborda os questionamentos da juventude, sempre com a pegada digital que tá no que o ROSABEGE se propõe a ser. Para vocês, como o digital afeta a percepção e o acesso à subjetividade?
João: Isso é muito doido porque parece que a gente tá sempre em um estado sedativo, viajando pela internet sempre meio sedado. Mas, tenho tentado trabalhar sempre uma certa atenção para poder navegar nesse lugar e estar alerta para ter ideias, para não ficar em um estado letárgico. Refletir sobre o digital na nossa vida, “fora dele”, olhando de fora, foi muito importante para o nosso disco, o jeito que estávamos enfrentando as dificuldades que vínhamos enfrentando, nós, nossos amigos… e isso traz outra estética, porque nós trabalhamos com uma música que é quase totalmente eletrônica, até tem algo acústico, mas todo o nosso trabalho é virtual. Estamos lidando com um som que tá dentro de uma tela de computador. Então, isso tá sempre presente, até quando a gente toca no nosso show, é como se nós fôssemos quatro robôzinhos. Isso tá bastante a nossa volta.
Thiago: É meio ciborgue.
Tem essa dimensão do processo de utilizar um som sintético pra embalar algo que é bastante humano, que é a composição lírica, que tem que partir de uma ideia, de um sentimento.
Vitor: Sim, é um grande desafio da parada. Mas é um pouco de esse ato de abraçar o fato de que estamos aí rodeado pelo o que é digital, tem acesso a isso, milhares de possibilidades e buscar na gente, na nossa história, nas nossas referências, criatividade para fazer a escolhas certas que mexem com o que o momento pede, ou acústico, ou o digital.
Thiago: Tenho enxergado o computador cada vez mais como um instrumento mesmo e em como ele é, hoje, o instrumento no qual eu me sinto mais confortável pra depositar as minhas ideias.
No release, também está dito que vocês “falam de um amanhã mais tecnológico, afetuoso e espiritual”, o que parece ser um paradoxo. Como que a tecnologia pode ser instrumento de contatos profundos, espirituais e afetuosos?
Vitor: Pode crer… eu acho que o exercício do espírito pode se dar de qualquer maneira, qualquer meio. Acho que o mais importante é decidir traçar um caminho na nossa vida que seja de bondade, de carinho, de lidar bem com as pessoas, de lidar bem consigo mesmo. Dentro do mundo que a gente hoje, em que o digital é muito forte, acho que saber abraçar a tecnologia para poder crescer espiritualmente, de maneira saudável, seja massa.
João: A tecnologia não vai retroceder, então vamos criar coisas mais sofisticadas e que a gente saiba ser mais saudável, prezar pelo crescimento espiritual. Nem no sentido religioso, no sentido de ter uma energia forte, boa, que afete as pessoas de um jeito bom.