Entrevista | RROCHA faz da intersecção o seu lugar em “Conterrâneos Estrangeiros”

20/10/2020

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Brenda Vidal

Por: Brenda Vidal

Fotos: Camila Cornelsen/Divulgação

20/10/2020

Foi através de um sentimento incômodo que o músico gaúcho Rafael Rocha entendeu que existem coisas que não são nem uma nem outra, mas, sim, uma e outra. Um dos fundadores da Wannabe Jalva, banda que está em hiato há 3 anos, e diretor criativo aqui da NOIZE Media, ele se expressa através da música, filmagem, fotografia e design. E, agora, decidiu reunir tudo isso em um projeto guiado pelo experimento sonoro, mas que vai além do que é musical. Sob o nome de RROCHA, ele vem criando um universo capaz de ser projetado em diferentes linguagens artísticas.

Conterrâneos Estrangeiros é seu trabalho autoral que desemboca em um disco digital, filmagens organizadas em capítulos, fotos e um livro. O disco tem lançamento previsto para o primeiro semestre de 2021. O processo de vir à público enquanto RROCHA começou neste semestre, culminando no lançamento do primeiro single: “RUA”. Esse território feito daquilo que é ambíguo e indissociável é destrinchado com a ajuda do artista através das cinco perguntas que guiam o nosso papo. Solte o player em “RUA”, leia e passeie com a gente:

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Sua carreira musical se consolidou através do formato de banda. Você comenta no release que a criação para RROCHA ainda é coletiva. Mas, se a criação permanece ao lado de amigos, como se deu o desejo e a compreensão de que seu novo projeto musical deveria nascer sob uma identidade de artista solo?
É muito doido isso porque a grande verdade, mesmo, assim com eu escrevi em uma carta que fiz para dizer que estava voltando com um projeto de música, eu nunca quis ter um projeto solo. Eu sempre acreditei que a música é uma expressão coletiva; como tu mesma comentou, sempre tive banda e com o Wannabe Jalva eu tinha uma troca muito do caralho, muito intensa. Pra mim, música sempre foi se reunir com amigos, se reunir com pessoas que trocam e fazem som, saca? Só que a partir de 2017 – quando a banda parou – para cá, me vi com tempo; com a doce ilusão e a doce virtude de estar com todo o tempo do mundo para se fazer um projeto. Então, eu comecei a tocar comigo mesmo para caramba, a buscar caminhos dentro de mim mesmo que se expressassem em música. Mas, logo na sequência disso, eu já me vi querendo compartilhar essas ideias, já me vi querendo buscar novos caminhos, novas alternativas e, principalmente, trocar ideia sobre a música: como eu poderia chegar em um lugar melhor? Como eu conseguiria evoluir estando só, fazendo sozinho? Assim, comecei a juntar grandes amigos meus, pessoas que eu sempre gostei de trocar com. Pessoas não só da música, mas também do cinema, da fotografia, para fazerem parte disso, fosse colaborando com ideias, fosse ouvindo a música, e, principalmente, trazendo pessoas para colaborar de outras formas. O RROCHA é um projeto que não é só musical, ele dialoga com várias outras esferas de arte. O objetivo é fazer com que ele seja um projeto de arte. Toda essa compreensão de ser e estar solo nasceu dessa necessidade. E, agora, tem um lado super bom de estar sozinho que é ter toda a possibilidade e caminho aberto pra eu tocar com quem eu quiser. Espero que o RROCHA seja um projeto bem colaborativo, que eu faça som com outras pessoas; isso vai ficar bem nítido, já no próximo single que tem a participação de um rapper do do Rio Grande do Sul que eu sou muito fã. Sairá em breve. 

RROCHA aposta no intercâmbio de esferas artísticas na concepção de seu trabalho (Foto: Camila Cornelsen/Divulgação)

O projeto tem caráter multidisciplinar. Você se esparrama por canções, filmes, fotografias e um livro. Existe algum elemento ou narrativa nuclear que liga todos esses formatos? E como foi esse processo de perceber o que deveria ser traduzido em páginas de livro, o que deveria ser em fotos, o que era de canção e o que era de audiovisual?
Sim, o projeto tem esse caráter multidisciplinar, ele meio que traduz tudo o que eu venho trabalhando e colocando para fora enquanto expressão artística nos últimos 15 anos, seja pela música – que faz até mais tempo que isso -, mas, principalmente, ou pela criação de uma publicação, design e direção de criação, que é o meu trabalho com a NOIZE, além das fotografias e os filmes. O elemento que conduz tudo é história que está por trás da narrativa de Conterrâneos Estrangeiros. Que essa história de um momento, de um período da minha vida em que eu passei por uma mudança interna muito grande. Um dia, me questionei muito sobre o que tava acontecendo comigo e, através dessas mudanças, cheguei em um ponto em que me sentia totalmente estrangeiro na coisa que eu mais conhecia na minha vida inteira, que era eu mesmo. É essa a relação entre conterrâneos e estrangeiros em que eu precisei me entender melhor, que pra entender o que estava acontecendo eu precisei dar uma volta muito grande pra trás, um mergulho dentro de mim mesmo e ver onde estavam esses diversos eus que tinham ficado perdidos na minha trajetória. Eles desencadearam essas grandes mudanças, sejam elas físicas – de coisas que estavam claramente acontecendo na minha frente – e também as invisíveis e psicológicas que vinham me colocando em um lugar muito novo, mas com um sentimento dentro de uma postura, de um estado de espírito muito antigo.
Todos os materiais, a música, o livro, os filmes, contam essa história de formas diferentes, mas compartilham do mesmo fio narrativo. Eu poderia dizer que eu acho que o livro é o local que reúne tudo isso da melhor maneira, mas eu não vejo uma diferença. Para mim, o disco é o livro, e o livro é o disco, sabe? Tanto que a única versão física do disco vai ser o livro. Nele estarão os contos, as letras, as fotos, os filmes, vai ter muita coisa que vai contar essa história.
O processo de perceber o que ia para cada parte foi completamente orgânico. Eu tinha uma ideia na cabeça que era através dessa expressão de mim mesmo, com foto, com filme, e eu sabia que eu queria contar essa história. Ao longo do processo, fui desenhando muito como eu queria isso. Reuni diversos amigos meus para trocarem comigo sobre como fazer essas diversas partes, e jogar isso para fora da maneira mais verdadeira e legal que eu pude fazer. 

Eu gostaria de ir ainda mais fundo sobre o conceito. O título do projeto evoca contrapontos: “Conterrâneos Estrangeiros”. Sei que você é um gaúcho que vive em São Paulo, mas esse nome dá conta só do sentimento de se sentir pertencente em outra cidade? O que tem nutrido essa sensação de “Conterrâneo Estrangeiro”?
Então, como eu falei, os Conterrâneos Estrangeiros representam vários momentos de mim e várias formas de mim mesmo, mas ele dialoga com esse sentimento estrangeiro de diversas formas. Acho que isso que tu falou é super interessante, o lance de ser um gaúcho morando em São Paulo… sim, esse foi um dos pontos. Quando eu comecei a escrever o disco e a dialogar com esse sentimento, estava exatamente no período de mudança pra São Paulo, período em que a minha banda recém tinha parado, o que também era um sentimento novo. Ao mesmo tempo, eu também tinha tido a possibilidade de fazer dois trabalhos em um mesmo ano na [região da floresta da] Amazônia que me fizeram pensar super sobre esse ponto de se sentir estrangeiro dentro do próprio país, sabe? O Brasil é aquilo mesmo, saca? O Brasil é aquilo que eu vi na minha frente, aquilo que eu vejo na minha frente em diversos lugares, e sendo nós, te colocando dentro dessa, gaúchos, a gente acaba tendo uma visão de um país muito diferente e distante do resto do Brasil. Isso também faz parte. Essa relação da dualidade entre um sentimento que é ao mesmo tempo estrangeiro e conterrâneo, um sentimento sobre algo que se olha pra dentro ou sobre algo que se vê de fora, é isso. Ele é feito dessa ambiguidade, esse ponto de duas coisas que são a mesma, porém diferentes. 

Conterrâneos Estrangeiros começou a ser gravado ainda em 2019, mas foi estruturado muito antes disso. Acredito que uma pandemia global não estava no seu horizonte, assim como no de quase ninguém. Como você lidou com o fator “mundo pandêmico” em meio à construção do projeto?
Em 2019 foi quando eu comecei a gravar as músicas mesmo, foi quando eu reuni o Rafael Tudesco, é meu amigo de longa data e que produziu o disco, e quando a gente registrou as músicas. Mas eu comecei a compor esse disco em 2017, as primeiras canções apareceram nessa fase, até mesmo o single “RUA”. Ainda não tinha a letra pronta, mas a melodia e a harmonia vieram em uma noite de outubro de 2017 em que eu tava passando por um momento muito difícil pela perda de amigão meu, uma pessoa muito querida, mesmo. Então, naquela noite a música saiu, praticamente toda a melodia e o refrão, saíram daquela noite. Mas em 2019 foi quando eu comecei a registrar as paradas, o ano em que eu gravei todos os filmes. Tem seis capítulos para sair, fiz tudo em 2019 e o último ainda no início de 2020. E aí veio a pandemia. E foi foda porque eu tava planejamento lançar o primeiro single em abril e eu segurei tudo. Ao mesmo tempo, chegou um momento ali por agosto, setembro, em que eu pensei “cara, não tem mais como segurar”. Se eu não lançasse, daqui a pouco, sei lá, já ia estar fazendo música nova, já ia estar pensando em um projeto novo. Depois que tu gravou e tá pronto, o disco não é teu mais, sabe? A música, a arte, passa a ser dos outros, se orquestra nos outros. Passo a bola dos instrumentos e desse penso para como que as pessoas assimilam. 

Para fechar: se isso fosse uma resenha do seu álbum, você recomendaria “RROCHA – Conterrâneos Estrangeiros” para quem curte o quê?
Eu acho que quem vai gostar do RROCHA e dos próximos capítulos da história toda – das músicas e de toda a função – é quem gosta de música brasileira “atualizada”, como um dia me disse a Luiza Lian, enfim, de música brasileira contemporânea.Dialoga com trabalho dela, com Tuyo, com Silva que, na real, tem bastante a ver, com Mahmundi, e com Curumin – que é um cara que eu sou muito fã. A gente já gravou junto com Wannnabe Jalva, ele tocou bateria e cantou em “Mareá”, nosso último single. Enfim, dialoga com artistas que são dessa safra, que misturam beat eletrônico com bateria orgânica, que mesclam vários estilos.

Rafael Rocha em ensaio idealizado para RROCHA (Foto: Camila Cornelsen/Divulgação)

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20/10/2020

Brenda Vidal

Brenda Vidal