Entrevista | Trevor Powers e os limites do Youth Lagoon

28/12/2015

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Leonardo Baldessarelli

Por: Leonardo Baldessarelli

Fotos: Divulgação

28/12/2015

Vocalista e único integrante fixo do Youth Lagoon, Trevon Powers se considera um músico experimental, independentemente do tipo de som que esteja fazendo. E ele diz isso justamente ao ser indagado sobre as diferenças sonoras entre seus dois últimos discos. Enquanto Woundrous Bughouse (2013) parece um passeio por um bosque povoado por gnomos e fadas, com toques de rock psicodélico e do freak folk do Animal Collective vindos das montanhas de camadas sonoras e efeitos, Savage Hills Ballroom, lançado no último mês de setembro, mostra um Trevor mais confessional e emotivo, acompanhado de arranjos mais minimalistas e silenciosos e muito levado pelo piano e por instrumentos mais orgânicos. Porém, como o artista nos comentou por telefone, essa mudança está longe de ser uma fuga do experimentalismo: “Eu nunca havia feito algo assim antes, e acho que isso é o que define se algo é experimental ou não. Não parei de puxar meus limites.”

Savage Hills Ballroom começou a nascer no meio de uma tragédia: um dos amigos de infância do músico morreu afogado em um rio da sua cidade natal enquanto Trevor estava em turnê na Inglaterra. O artista cancelou as datas mais próximas e voltou para casa, para perto das pessoas que precisavam do seu apoio e que poderiam o confortar. A experiência mudou o jeito com que Trevor percebia a vida e, consequentemente, a música. Como comenta, ele se sentiu jogado para a realidade, e tudo ficou mais propositivo, “mais racional”. O resultado foi um trabalho introspectivo, mais focado em dilemas e pensamentos do cotidiano. Já dá para sentir isso no mini hit “Highway Patrol Stun Gun”, que fala sobre os pequenos momentos de caos do dia a dia, em que a impressão é de que tudo que está ao nosso redor é errado. E também na faixa “Again”, que fala sobre como a vida real pode ser entediante e repetitiva.

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Foi com esse Trevor Powers que “acordou do sonho”, como ele mesmo já definiu, que conversamos por telefone, em um momento de folga antes de seu show em Los Angeles. Ouça Savage Hills Ballroom e confira a entrevista completa abaixo.

Já na metade da turnê, como você está sentindo a reação do público para as músicas novas?
Até agora está incrível, tudo está dando muito certo. A reação das pessoas é fenomenal, cantando e criando o clima no meio do show. E estou me sentindo sempre tranquilo, fico em um clima leve e descontraído por todo lugar que passo. Então não há do que reclamar, tudo está indo muito bem.

Eu conheço você há um bom tempo e vejo que sua sonoridade vem mudando bastante. Agora, você está mais levado pelo piano, mais sentimental, talvez menos experimental. Como você vê essas mutações?
Bem, eu me considero um artista experimental na essência. A grande mudança desse novo disco eu diria que está no meu jeito de escrever música, que está mais direto. E eu não diria que isso é ser menos experimental, porque eu nunca havia feito algo assim antes, e acho que isso é o que define se algo é experimental ou não. Não parei de puxar meus limites. E você disse que sentiu o disco levado pelo piano, certo? Eu acho que esse é um dos pontos centrais da música do álbum, mas não é o que o define melhor.

Savage Hills Ballroom foi mais sobre sair da minha zona de conforto. Sempre escrevi de formas muito abstratas e até fantásticas, e aqui quis compor de forma direta, botar para fora o que eu sentia de um jeito sincero. E descobri que tenho muita dificuldade para escrever assim. Talvez isso tenha tornado o disco, ou pelo menos as letras do disco, ainda mais psicodélicas do que meus outros trabalhos. Porque é algo fora do comum da minha música, algo que pode ter saído estranho ou confuso.

Bem, justamente sobre essas mudanças: já li em várias entrevistas contigo – inclusive no release do disco – que a morte de um dos seus amigos de infância foi uma influência muito forte para o novo álbum. Como você se sente tendo que falar sobre isso em praticamente toda entrevista?
Como um músico, eu entendo que é natural que as pessoas queiram saber o que se passou nos bastidores da composição e da gravação do álbum, então eu sou bem compreensivo quando me perguntam sobre isso. Mas não deixa de ser difícil. Para mim, tudo isso foi e continua sendo muito pessoal, mas é inevitável que seja pauta da imprensa, já que minha vida está nas entranhas da minha música. Eu não consigo contar tudo o que aconteceu, claro que não. Eu sou uma pessoa bem aberta, mas há certas coisas que preciso guardar para mim, e só para mim.

E quanto meu amigo morreu – eu estava no meio da turnê do Woundrous Bughouse – acabou sendo uma daquelas coisas que nos mudam dramaticamente. Antes disso eu já havia sofrido outras perdas, claro, já tinha visto muitos outros familiares, conhecidos e amigos morrerem. Mas essa situação foi fora do normal. Alguém que eu conhecia desde que era criança morrer enquanto eu estava a quilômetros de distância, vivendo alguns dos melhores dias da minha vida, foi um choque. É algo muito difícil de se falar sobre, mas entendo que é importante fazer isso. Porque não foi uma experiência que mudou só um pouco a minha vida, foi algo que mudou vários aspectos de mim, como vejo o mundo, as pessoas, o cotidiano. E a música.

E como você acha que “falar sobre música” influencia o seu jeito de escrever?
Como músico, e acho que vários outros também se sentem assim, eu sinto que é bem estranho falar sobre música, falar sobre criação. Porque, desde o início, nós percebemos que todo o processo de escrever, arranjar, gravar, enfim, criar música é algo que vai além das palavras e das teorias. E é por isso que, muitas vezes, perdemos duas, três horas falando sobre música. Mas, no geral, acho que o som é mais sobre o jeito que criamos do que sobre falar.

Falando sobre as músicas novas, eu sinto que várias delas realmente têm um clima diferente. “Again”, por exemplo, parece bem fora do comum do que você faz. Parece até que tem um toque de dupstep…
Dupstep? Não, isso com certeza não faz parte das minhas influências. Mas “Again” realmente é diferente. Ela surgiu de uma forma diferente de composição do que o meu usual. Comecei a construir a música em uma base de bateria eletrônica, não havia nenhuma estrutura de acordes ou melodia. Era algo bem estranho, com uma pegada bem eletrônica. Então ela se tornou algo bem inovador para mim, sendo uma das novas faixas que mais me fizeram puxar meus limites e crescer como artista. Foi uma das primeiras música que eu compus para o disco, me ajudou a entender e aceitar que Savage Hills Ballroom seria justamente sobre a quebra desses limites, sobre sair da zona de conforto. “Again” definiu as direções do disco.

E a letra é bem simples, basicamente sobre a nossa realidade enquanto seres humanos, como continuamos a fazer as mesmas coisas sem parar, repetidamente, criando uma rotina. Acho isso engraçado e problemático ao mesmo tempo, tanto que sair da zona de conforto é um dos nortes do que eu faço.

Apesar desse norte, você sempre fez música em casa, certo?
Sim, quase tudo que eu compus até hoje foi feito na minha casa, mas as coisas começaram a mudar um pouco nesse último disco. The Year of Hibernation (2011) foi feito praticamente inteiro no meu quarto e Wondrous Bughouse também, porém Savage Hills Ballroom só começou a nascer na minha casa. Escrevi as músicas e gravei as demos lá, mas viajei para Bristol, na Inglaterra, para gravar a versão final do álbum junto ao produtor Ali Chant. Então, eu normalmente escrevo em casa, e até acho que isso não tem muito a ver com sair da zona de conforto ou não.

Apesar de todo o papo sobre ser artista, é difícil não encarar o fazer música como trabalho às vezes. Por isso que eu diria que praticamente todo artista escreve suas músicas autorais em casa, que é onde temos mais liberdade de trabalho. Se não todo, uns 99% dos artistas com certeza. A ideia aqui é que, enquanto eu estou em casa, eu acabo escrevendo, seja voluntariamente ou não. Estou sempre pesquisando sobre música, procurando coisas novas, me inspirando e anotando uns versos aqui e alí, gravando melodias que surgem na mente. E as coisas costumam surgir mesmo quando não estou tratando como trabalho.

Claro, já pensei muito em tirar um tempo para viajar, conhecer novos lugares, ou até mesmo se isolar completamente, com o intuito de compor enquanto vivo essas experiências. Mas eu já escrevo tanto no meu dia, fazer música é algo tão presente nas coisas que eu faço normalmente, que isso nem faz muito sentido. No fim das contas eu estou sempre compondo, e acredito que vários outros artistas também se sentem assim.

E como foi produzir Savage Hills Ballroom tão longe de casa? Como foi a experiência sendo produzido pelo Ali Chant?
Ah, isso foi muito bom. Nós desenvolvemos uma sintonia incrível e as coisas fluiram muito bem durante toda a gravação. E foi um tanto surpreendente ver que tudo aconteceu tão bem. Trabalhamos de jeitos bem diferentes, e a visão única do Ali acabou sendo essencial para que eu mudasse meus pensamentos. Se eu precisasse de uma palavra para definir todo o processo, ela seria “saudável”. Apesar dos estilos opostos de ver a música, algo como um embate entre o orgânico e o sintético, nós descobrimos que tínhamos muitos pensamentos parecidos também e que estávamos em épocas parecidas das nossas vidas. Então tudo se tornou um trabalho fácil e agradável.

O Youth Lagoon começou como um projeto paralelo na sua vida. Hoje, você realmente consegue sobreviver só da música?
Sim, realmente consigo. Com as grandes turnês, festivais e com os discos acabo me mantendo bem, e agradeço muito por ter tantos fãs e viver dividindo meu tempo entre fazer música ao vivo e escrever em casa. Posso falar sem medo que é algo como um sonho se tornando realidade.

E com o streaming crescendo e ficando cada vez maior dentro da indústria, como você vê o futuro de artistas independentes?
Bem, eu posso falar por minha experiência e pelas minhas visões de dentro do mundo da música que o streaming parece cada vez mais o principal caminho no futuro, é algo até bem óbvio. Mas eu também sinto que as pessoas que realmente amam música vão continuar comprando algo físico ligado a isso e não só ouvir no computador. E tudo isso faz parte de uma economia um tanto estranha, porque eu amo sentar na frente do meu notebook e poder ouvir praticamente tudo que eu quiser só pesquisando pelo nome, mas ao mesmo tempo os artistas e músicos estão trabalhando duro para dar vida a tudo isso, e eles precisam ser pagos dignamente. É um dilema complicado.

Eu não sei que caminhos apontar, se o sistema de streaming deveria ser revisto ou o quê, mas acredito que os artistas devem batalhar pela afirmação do que estão criando, por receberam o que acham justo em troca do que produziram. Então realmente não tenho certeza se sou a favor ou contra algumas posições tomadas por músicos pop e até mais independentes com relação ao streaming, mas eu sempre entendo os argumentos. Há quem consiga conviver com isso e há quem ache injusto.

Bom, como nosso tempo está acabando preciso fazer a pergunta básica de todo brasileiro: tem planos para vir ao Brasil?
Sim, com certeza. É uma realidade possível para os próximos anos, pretendo começar a pensar nisso em breve.

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28/12/2015

Redator de social media, jornalista, músico, emo, jogador de bocha, astrólogo e benzedeiro nas horas vagas. Um colono que se encontrou na cidade grande e agora pensa que sabe escrever sobre qualquer coisa.
Leonardo Baldessarelli

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