Em um encontro ocorrido meio por acaso, topamos com Wander Wildner na Redenção, em Porto Alegre. Mas desta vez ele não estava correndo ao redor do parque, como afirma fazer nas manhãs ensolaradas de primavera. O ex-Replicante afirmou a guinada folk definitiva que aparecerá no próximo disco, “Caminando e Cantando”, e que deve – segundo seus desejos – levá-lo para a desbravar a América Latina e influenciar cada vez mais sua música.
Fala um pouco sobre o novo disco..
Chama Caminando e Cantando, é um disco folk onde eu pego desde as minhas influencias dos anos 70 como Almondegas, Inconsciente Coletivo, Status Quatro, Saracura, muita gente daquela época que faziam música folk com violão, percussões, gaita, violino, algo desse tipo, mas principalmente muito violão. Isso foi uma grande influência pra mim e como eu tenho gostado de fazer cada vez mais shows acústicos, tocar em teatro, tocar sentado para um público que tá sentado, que tem uma atenção maior, que tá ouvindo mais, eu resolvi fazer um disco folk e tá sendo muito legal.
Qual o repertório?
Vou regravar músicas dos anos 70. É a primeira vez que eu vou trabalhar em parceria, uma delas é uma música que comecei a fazer em Buenos Aires, fiz uma parte e passei a gaita para o Arthur de Faria e o Jimi Joe no violão e terminamos ela. Uma outra música que eu compus em Montevidéu e eu chamei um compositor/músico que conheci lá para terminar ela comigo e ele veio para Porto Alegre e gravou também. Ganhei músicas de alguns amigos, compus outra sozinho e regravei “À Palo Seco” do Belchior, “Viajei de Trem” do Sérgio Sampaio, “Clô” do Almôndegas e estamos no período de mixagem. Como sempre as mixagens atrasam e como fazemos as coisas com os amigos e os amigos trabalham muito, o disco era pra novembro, mas a data já dançou e vai para dezembro se o cronograma de ontem se mantiver (risos). Eu tinha um show de lançamento marcado em novembro, já cancelei, normal. Mas é sempre assim, não importa, eu não me preocupo com isso. Resumindo é um disco feito com os amigos.
Tá preocupado com alguma coisa?
HAHAHA não. Aprendi com a minha mãe, ela é muito preocupada, acho incrível como ela consegue se preocupar tanto e eu fui muito preocupado uma época e ai com o tempo tive que perder essa preocupação por que não é muito saudável e hoje eu dia eu não me preocupo, eu me ocupo. Ontem o meu amigo Álvaro Alencar, que tá mixando o disco, veio cheio de dedos pra me dizer que não ia cumprir e eu disse “não velho, tá tudo bem, não tem problema eu cancelo o show e pronto”. Não é problema por que um problema ele é resolvido no momento, se não tem uma solução no momento não é um problema, só depois. Não tem o que fazer.
Tua ideia é seguir fazendo shows em turnê pelo Brasil?
A minha ideia é internacional, eu não me prendo a países e fronteiras. Eu quero muito conhecer a América Latina agora, esse disco tem três músicas em espanhol selvagem, as duas que fiz em Buenos Aires e Montevidéu e tem mais uma que eu ganhei do Marcelo Guimarães da Robô Gigante, que é uma música que ele fez em espanhol quando tava em Tijuana. Uma aventura que eu quero fazer é sair pela América do Sul com o violão e o disco pra conhecer o continente. Na última viagem que eu fiz pra Europa, eu descobri que tenho que ir mais pra cá do que pra Europa, por que estou mais próximo, tem mais a ver, a questão da língua. A Europa ficou muito viciada nas suas coisas, no seu eurocentrismo exacerbado, eles tem um nacionalismo maior que os brasileiros, eu achava que ninguém era mais nacionalista que os brasileiros, mas os europeus são. A questão da língua é uma barreira difícil, eu não gosto de inglês, não consigo pensar em inglês, só uso pra me safar de alguma circunstancia. Nem quero pensar em inglês, acho um absurdo, uma língua horrível pra se pensar. Eu consigo pensar em espanhol, e português, mas inglês não. É um exercício muito ruim. A minha ideia é sair com o violão e o disco e tocar em lugares pequenos. Aqui eu faço isso, procuro lugares pequenos e interessantes que tenham um astral bom, mas é difícil encontrar. Pra mim o astral dos lugares não é o meu astral, mas eu sigo procurando, eu gosto muito de cantar, cada vez gosto mais e pra mim se tornou uma aventura descobrir lugares pequenos pra tocar. Eu descobri um em Montevidéu, se chama Café La Diaria, e foi uma coisa incrível, um lugar pequeno e tava lotado. Eu toquei com uma banda local, uma banda legal, mas me surpreendeu a cidade, pois eu não conhecia. Eu levei 50 anos para dar a volta ao mundo e chegar em Montevidéu, que era muito mais perto de Porto Alegre. Eu achei muito parecido com Porto Alegre nos anos 80, a consciência dos jovens e das pessoas é muito grande. Eles tem uma consciência social e política muito grande, muito parecida com a das pessoas em Porto Alegre nos anos 70 e 80. Buenos Aires ainda é um mistério pra mim, apesar de eu achar muito interessante. Eu voltei a compor em Buenos Aires depois de cinco anos, tava pensando em largar a música, eu ia trabalhar numa fábrica de galvanização em Zurique na Suíça e não tinha mais sentido continuar fazendo música sem compôr algo novo. E ai o Arthur de Faria me convidou pra ir pra Buenos Aires e no que eu cheguei lá, peguei o violão e comecei a fazer uma música no mesmo momento em que eu cheguei. Fiquei num centro cultural na Recoleta, que tem um albergue de artistas e o lugar era lindíssimo e eu peguei o violão e comecei a compor uma música sobre o centro cultural da Recoleta. Foi uma coisa muito louca. Andando pelas ruas eu comecei a compor sobre as ruas. A música até se chamou “Calles de Buenos Aires” sobre o andar pelas ruas da cidade. Depois fui a Montevidéu e comecei a compôr outra música. Percebi que eu tinha um gás e nesse mesmo período o trabalho na Suíça não pintou. Mas eu queria ir pra Europa de qualquer jeito porque eu precisava sair daqui, não tava me sentindo bem em nenhum lugar no Brasil então resolvi continuar com a música. Fui pra Berlim e quando cheguei lá comecei a compor uma outra música que é “As coisas Mudam”que eu fiz um clipe lá. Aí veio a ideia de fazer um disco folk.
Tua ideia é ir viajando e trocando ideias com outros artistas?
Com certeza. Tanto que foi a primeira vez que eu compus uma musica junto com alguém. Eu sempre compunha sozinho ou fazia as versões que eu sempre fiz e dessa vez eu compus duas músicas. É legal porque as músicas tem falado muito sobre as aventuras. Não faço mais aquelas músicas de dor de corno né (risos). Não faço mais isso. Apesar de ter uma música romântica que eu ganhei de um amigo nesse disco, era uma música genial, só que ele me deu há muitos anos por que ele achava que tinha a ver comigo. Como a música é linda, eu gravei ela, mas é uma música bem difícil de interpretar, por que eu não sou mais romântico como eu era. Eu tenho falado muito das aventuras de andar pelo mundo, dessa história de estar descobrindo o novo, conhecendo pessoas, lugares e isso dando em alguma coisa, em música ou seja lá o que mais. Por isso que o disco se chama “Caminando e Cantando”. Eu sinto que eu consegui nivelar a música que eu faço, que eu toco nos shows, com o que eu to sentindo. O show tem muita música nova, muita musica do disco anterior (La Canción Inesperada) e algumas musicas antigas porque não posso sacanear o público, ele não tem que compreender o que eu vivo, o que eu faço, então quando vai chegando no final do show eu toco umas musicas antigas para eu poder sair com vida de lá (risos). O show novo já tem essa característica de mais música sobre aventuras e viagens.
Quem tá mixando e produzindo o disco?
Mixando é o Álvaro Alencar, que já tinha trabalhado no Baladas Sangrentas, ele é da turma do Tom Capone, ele era um dos braços direitos do Tom, foi o engenheiro responsável pelos equipamentos do estúdio, quem comprava as coisas lá. Ele tem um estúdio no Rio de Janeiro e tá mixando com o Fabiano França, que também entrou na parte final do La Canción Inesperada, co-produziu o disco com o Kassin e o Berna Ceppas que estavam produzindo e ele entrou e fez a mixagem do disco. Agora também vamos terminar eu ele e o Álvaro mixando. Eu gravei aqui no estúdio Dreher, em Porto Alegre, adoro trabalhar com o Dreher, ele tem uma maneira bem simples de trabalhar, como a minha, e é um disco que tinha que ter o Jimi tocando, ele vem dessa ideia dos shows que eu venho fazendo com o Jimi acústico e ele participou e viveu esses anos 70 em Porto Alegre, conhece bem, tem as mesmas referências que as minhas. É um disco que tem essa característica dos violões. É um disco que umas 15 pessoas gravaram, to gostando muito do processo todo.
O que tu acha desses grandes festivais?
Eu não vou a shows grandes há muito tempo. Eu vejo show na minha casa, é muito mais vantajoso. Eu baixo muito show pra ver em casa e a sensação é maravilhosa, talvez por que eu seja de uma geração de televisão e video, pra mim a televisão é como um livro. Eu aprendo muito de música vendo as bandas que gosto, as câmeras no detalhe. Ouvindo o som e vendo o que eles estão fazendo , eu consegui aprender uma coisa da dinâmica que é uma coisa que eu uso hoje nos shows vendo Kings Of Leon na TV. Ouvindo e vendo os detalhes eu aprendo muito.
E naquela época aprendia fazendo, né?
Eu mantenho muito isso. Quando eu tenho uma ideia eu nunca sei como ela vai ser. Eu começo a fazer um disco e não sei como vai sair. Eu crio uma ideia e depois eu vou construindo. Para o meu próximo disco, que vai ser um disco com características folk, as músicas eu fui buscando no processo e o resultado final, só de depois da mixagem, que vão ser dois amigos que vão fazer e acrescentar muita coisa, então esse processo de ir fazendo e descobrindo eu mantenho ele porque é uma aventura criar. É uma ideia que vai sendo construída e nunca se sabe como vai ser no final. Esse é o barato de continuar produzindo. O mistério que é o fazer. E sempre com amigos. Trabalhar com amigos é a melhor coisa. Comecei nos anos 70 fazendo cinema super 8, depois teatro, depois TV e depois música com criação coletiva e é genial, pois tu conhece a pessoa e cada um vai somar. O final surpreende a quem tá fazendo. Eu faço música assim e ainda me surpreendo com o que faço, pois faço com outras pessoas que vão transformando.