Exclusivo | A malha eletrônica tigrada de analógico no disco de Marietta

03/12/2020

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Brenda Vidal

Por: Brenda Vidal

Fotos: Carla Arakaki/Divulgação

03/12/2020

Marietta parece querer esticar os significados do que é analógico para atravessar os tempos. Quer também atingir a corporeidade através da provocação dos excessos do que é eletrônico e virtual. Dessas provocações nasce Analógica, segundo disco da cantora e compositora paulistana, que carrega em si o DNA musical herdado do pai, Guilherme Arantes. Esse registro felino e analógico será lançado amanhã, dia 4, mas adiantamos hoje com uma entrevista exclusiva para a NOIZE. Ouça abaixo:

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Analógica conta com a direção, produção e execução musical de Lucas Martins, masterização do francês Didier, mixagem do estadunidense Kiddid, e sai pelo selo Ori Records. Entre as 12 faixas, aparecem parcerias com Ualê Figura, MC All Ice, Russo Passapusso, Dr. Druman (Jorge Dubman) e do próprio Guilherme Arantes. Um passeio arejado, mas úmido e quente, unindo as fibras orgânicas com as fibras metálicas. O que não falta é cadência, balanço, com influências diretas do dub, dancehall, funk melody, charme e boogie. Com o disco rolando, siga os passos dessa tigresa prateada em forma de disco e confira a entrevista exclusiva que batemos com Marietta sobre os sentidos, processos e resultados de Analógica.

Capa de Analógica (Arte por: Sara Amor)

Marietta, o título Analógica quase se contrapõe ao que se sente quando ouvimos o disco, com uma matriz super digital eletrônica. Por que esse nome e como ele dialoga com o disco?
Analógica foi o nome escolhido para retratar a ironia/brincadeira sobre a qual o disco se desenvolve: A de que somos seres mega avançados tecnologicamente, porém com questões emocionais/afetivas do tempo da onça. Nome que sugere sobre o tempo natural e não o do relógio, o tempo da “não lógica”. Expressa também dificuldades de nos adaptarmos a um mundo excessivamente digital e seu emaranhado de informações. Traz o gosto pela essência de coisas retrô, vintage, e de velharias sem igual mesmo que propositalmente numa estética sonora contemporânea. Seria uma leitura atual em forma de colagem/pastiche sobre coisas antigas que também remete à “analogia” (expressão poética) e “análogo” (parecido/ similar) – coisas bem comuns em tempos de realidade virtual.

A condição da “felina” ganha um super destaque na capa do álbum. Pode comentar sobre isso?
Analógica traz um chamado ao mistério, à feminilidade dentro de todos nós e ao escuro da alma onde não dormem os sentimentos. O vazio da rua de noite e os miados em eco são nosso próprio inconsciente, que tentamos esconder nas redes sociais e em nossos procederes. Como uma história em quadrinhos nossas vivências estão lá. E nada melhor para representar nosso subconsciente do que a simbologia dos gatos, a selvageria e a imprevisibilidade deles me encanta demais e me envolve em lembrar que somos mamíferos tão ou mais selvagens que eles, porque reprimidos. Destaco aqui uma curiosidade: que a capa foi feita em 2018 e acabou sendo profética quando na pandemia/quarentena bichos saíram pelas ruas vazias de grandes cidades pelo mundo.

Que tipo de influências ou heranças musicais você percebe ter recebido de seu pai, Guilherme Arantes? E como ele se relaciona com o seu trabalho?
Além de trazer a genética (coisa que não garante nada em si sem trabalho) e a responsabilidade gigante de respeitar um grande legado musical, do Guilherme Arantes, meu pai, eu herdei uma fulgurante inquietação pelo criar incessante, uma tendência tácita a questionar, um total gosto pela melodia e talvez a vontade de ver as pessoas cantando. Nada é garantido nem exatamente fácil, e por mais que haja uma curiosidade automática da mídia pelo meu trabalho, se eu não for original no som pra mim não interessa. Tenho uma longa caminhada independente das asas dele, bem relacionada a som de rua, e esse é um dos motivos que ele tem mais orgulho de mim. E sim, ele que me mostrou a música de Thelonious Monk, Clube da Esquina e Sly and family Stone, mudando minha vida pra sempre.

O álbum foi produzido entre janeiro de 2017 e setembro de 2019, e está sendo lançado agora, dezembro de 2020. Como foi esse processo de gestação e maturação do projeto?
Quando começamos a produção, achávamos que o disco seria concluído e divulgado em meses. Mas o tempo natural, aquele sobre qual o disco fala, trouxe muito, mas muito aprendizado. Todas as etapas pareciam levar o tempo que elas próprias precisavam. Uma aula de respeito ao trabalho e seu tempo. Muitas vezes eu sofri demais, rs. Teve nascimentos, mortes, separações e reidentidades despertas no meio do processo. Eu mesma, engravidei na gravação e tive a Nara, que está com 2 anos e 8, tudo durante o Analógica. Tivemos dificuldades, atrasos, e que correr de forma totalmente independente, mesmo que com muitos parceiros acreditando num sonho, pra chegar à alegria de nos unirmos com a Ori Records, selo pelo qual estamos lançando. Íamos lançar no dia que foi decretada a pandemia, e resolvemos esperar. A decisão de lançar agora é porque faz todo sentido soltar uma gota de alívio dançante num ano terrível pra maioria da população mundial.

Evocando a imagem da tigresa, parece que o disco tem uma malha tigrada, o fundo eletrônico mas com listras orgânicas. Como esse resultado foi atingido?
Sim, concordo com você que a grande malha tigrada do disco é 90% eletrônico (fundo) e 10% orgânico (listras). Mas a maneira super delicada com a qual ele foi sendo esculpido no ar pela produção detalhada do Lucas Martins, que massivamente o escutou e desenhou, e o exímio trabalho de mixagem do Kiddid aliado à essa visão em lupa do Lucas foram determinantes para um resultado final muito quente e acolhedor. Um disco que traz muito conteúdo sentimental e conteúdo orgânico que se comunicam digitalmente. Minha voz segue a mesma linha.

E qual a vibe do disco? Ele sugere algum momento/situação ideal para ser sorvido?
Esse disco tem todas as vibes que você quiser. É disco pra ouvir numa viagem de carro, no chuveiro, pra chorar no escuro do quarto, lamentar a situação mundial, sentir o coração explodir, se imaginar num paraíso, esquentar o corpo, e pra fazer amor.

03/12/2020

Brenda Vidal

Brenda Vidal