Exclusivo | Em faixa a faixa, Duda Brack estilhaça ainda mais seu “Caco de Vidro”

12/11/2021

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Brenda Vidal

Por: Brenda Vidal

Fotos: Guilherme Nabhan/Divulgação

12/11/2021

Caco de Vidro, segundo disco de estúdio da cantora compositora Duda Brack, chegou rasgando as plataformas de streaming ainda no último dia 4. De lá pra cá, o tilintar de tudo que tem sido rachado e quebrado pela atmosfera do álbum segue ecoando. O registro quase arrasta a metáfora para a beira do literalidade. Nele, não cabem romantismos – Duda Brack os refuta -, é sobre estilhaçar mesmo. A intenção é operar na via contrária do que conserva e mantém paradigmas, estruturas, desigualdades, confortos. Trançando o micro com o macro, os estilhaços dizem respeito tanto a processos pessoais da artista, como a experiência da depressão, a quebra de padrões abusivos e o desejo por romper certezas líricas e sonoras de sua carreira, quanto os coletivos, como a violência conservadora da extrema direita, os discursos normativos e a opressão a grupos minoritários, principalmente no que diz respeito às mulheres.

O potente lançamento tem produção musical assinada pela artista gaúcha, mas radicada no Rio de Janeiro, em parceria com Gabriel Ventura, e colaborações com nomes tais como BaianaSystem, Cuca Ferreira, do Bixiga 70, Lúcio Maia, Nação Zumbi, além de Ney Matogrosso. Inclusive, Caco de Vidro é uma parceria dos selos Matogrosso, dele, e Alá. Entre as letras, que contam com protagonismo de Brack nas composições, há espaço também para releituras de referências refinadas – Itamar Assumpção, Mercedes Sosa, por exemplo – mas “trituradas” por roupagens disruptivas. Em release divulgado à imprensa, Duda analisa o resultado: “Enxergo este álbum como um pop experimental que bebe da fonte da MPB e da minha ancestralidade latina”, diz.

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Duda Brack topou compartilhar a Noize os processos, referências e comentários de cada uma das faixas que afiam esse Caco de Vidro. Solte o player abaixo e, na sequência, confira o faixa a faixa.

Faixa a faixa de Caco de Vidro

1 – “Esmigalhado”
É uma composição do Sandro Dornelles, um compositor lá da minha terra, Porto Alegre, que pouca gente conhece, mas que é muito interessante e já foi gravado por muita gente. Uma vez eu estava em São Paulo, tinha feito um show no SESC Pompéia e depois fui encontrar uns amigos músicos pra tomar um vinho, fazer um som, e eles me mostraram essa música. Na hora eu falei: “Vou gravar”! Aí, quando eu comecei a trabalhar no repertório do disco novo, em algum
momento eu mostrei ela pros meninos da banda. Depois eu esqueci, a gente foi mexendo em outras, e um belo dia o Iuri Pimentel, baixista, falou: “Aquela! Aquela era muito boa, vamos fazer um funk com aquela música”. E aí, pronto, eu falei: “Podes crer, vamos fazer uma versão de “Esmigalhado” em funk”. No desenrolar da carruagem, acabou virando um funk/trap, pra depois cair naquela bateria distorcida, meio desdobrada, e tudo o mais. Aí me veio a ideia de ter umas colagens assim, algumas coisas polêmicas, que tivessem algumas provocações, no momento do Brasil pelo qual estamos passando. O Gabriel Ventura veio com aquelas colagens que a gente cita [o programa de rádio] A Voz do Brasil, tem uma colagem do Caetano [Veloso] falando: “Deus é um de nós!”, e tem também umas colagens do [programa de TV] Sítio do Picapau Amarelo, umas colagens dos funks dos anos 90.

2 – “Saída Obrigatória”
É uma canção minha e do Chico Chico: a letra é dele, a música é minha. Na verdade, ele tinha feito uma música dessa letra com o João Mantuano, mas achou que a melodia não estava muito apropriada pra letra. Aí, eu mexi um pouco, mudei um pouco a ordem, botei uma ou outra frase, e acabei fazendo uma cúmbia – eu tinha acabado de voltar do México e de Havana, em Cuba, então estava super com essa coisa latina fuerte. Na verdade, eu acho que isso é muito forte em mim, até pelo fato de eu ser gaúcha, sempre consumi muito a cultura latino-americana, e nesse disco eu estava afim de trazer mais disso. Quando eu fui fazer essa canção, me veio meio nesse ritmo, nessa melodia. Ela fala sobre essa vida boêmia carioca contemporânea. Cita um pouco esse rolê da Glória, da Lapa, do Centro, de um jeito dançante, vibrante, gostoso, porém, eu acho que ela tem uma crítica social ali que é, ao mesmo tempo, bem forte e bem sutil, porque o gatilho da letra é o aviso do metrô, né? “Sempre atentos com o vão entre o chão e a plataforma / sempre um sopro de voz anuncia a saída obrigatória”, que é a voz do metrô quando chega o fim da linha. Daí veio a letra do Chico. Importante dizer também que esta faixa foi co-produzida pelo Elísio Freitas, junto comigo e com o Gabriel. Convidei Elísio porque ele tem essa pesquisa latina muito forte também, um dos caras que mais ama Buena Vista Social Club que eu conheço.

3 – “Tu”
Uma composição da Júlia Vargas com o André Vargas, irmão dela: a letra é dele, a música é dela. Um dia a gente tava na noite, bebendo, e ela falou: “Amiga, tem uma música minha com meu irmão que eu acho que é sua”. Ela cantou pra mim e na hora eu fiquei mal, né? Quando uma música me pega de jeito é assim, eu fico inquieta, e eu senti isso com “Tu”. A grande curiosidade é que parece que muitas das músicas que eu faço são pra Júlia cantar, e não pra mim, e aí essa curiosidade ao reverso. Ela está gravando uma música minha no disco dela, que vai sair já, e se chama Riscando o Chão; e ela também tá gravando uma outra parceria nossa, e já tem um outro xaxado que eu fiz e ela quer gravar. Eu componho coisas que eu acho que não cabem pra eu cantar, mas ela quer cantar, e com “Tu” foi parecido, ela fez uma música que era muito a minha cara. No arranjo, a gente quis trazer essa coisa de dançar junto, meio latina, meio
gafieira, mas ao mesmo tempo com umas baterias distorcidas, uma coisa bem moderna, e aqueles trombones chiquérrimos.

4 – “Carta Aberta”
É uma carta que eu escrevi em 2019 e nunca entreguei – ou estou a entregar agora, né? Porque pra bom entendedor, meia carta aberta basta… embora às vezes a gente entregue as coisas quando elas não estão mais em tempo. Mas enfim, é isso, literalmente uma carta aberta pra uma situação que eu estava vivendo na época. Quando a gente foi gravar a faixa “Man”, os meninos fizeram uma introdução gigantesca de baixo e trombone, linda demais, e eu não queria desperdiçar aquilo, ao mesmo tempo eu não queria que tivesse uma introdução tão longa pra música, daí me ocorreu botar um texto e eu me lembrei dessa carta. Porque a carta se relaciona em absoluto com o motivo pelo qual eu comecei a cantar “Man”.

5 – “Man”
É uma canção da Alzira Espíndola, que é a compositora da minha vida, apenas, com o Itamar [Assumpção] , que é uma grande paixão – esses virgos que eu amo… – e que eu comecei a cantar porque era exatamente o que eu tava vivendo. Acho que ela é outra canção preenchida sentimentalmente, pra mim, e eu acho que isso reflete, sabe? As pessoas se emocionam muito com essa faixa, falam que ela dá vontade de chorar. O Ian Ramil me falou: “Essa faixa é a ‘Since I’ve Been Loving You’ [Led Zepellin] do teu disco!”. E eu pensei: “Gente, que acerto!”. Enfim, é uma faixa que eu amo, os arranjos são belérrimos, os trombones do Vitor [Tosta], o baixo do Iuri, eu tocando guitarra – pela primeira vez na vida gravei guitarra numa faixa –, o Gabriel tá no violão tenor. Uma coisa de lindo nessa faixa é o arranjo de cordas gravado pelo Quarteto Avant Garde, um quarteto que foi gravado na Rússia por músicos geniais e afinadíssimos. É uma faixa que realmente me emociona.

6 – “Ouro Lata”
É a minha faixa favorita do disco. Primeiro pela colaboração com Ney Matogrosso e Baiana System. Eu sou muito fã do Baiana e sentia que essa música tinha muito a ver com o discurso deles. Mandei a música e eles foram maravilhosos, super receptivos, se identificaram muito. E eu tenho muita dificuldade, quando vou fazer alguma coisa com alguém, em simplesmente delegar e dar carta branca, né? Eu sou uma artista muito propositiva, eu sei muito bem aonde eu quero chegar. E nessa faixa, foi a primeira vez na vida que eu falei: “Ah, faz aí”. Não dei nenhum briefing, nenhuma ideia, nada. E aí veio o negócio pronto e eu falei: “Caramba, muito mais legal do que eu poderia imaginar”. E Ney, né, a cereja do bolo! Achei que deu muito certo a gente cantando junto, as vozes, simbióticas, às vezes ele vai pro grave e eu pro agudo, eu vou pro grave e ele vai pro agudo, as vozes vão mudando e a gente não sabe muito bem quem é o que, eu gosto muito do resultado! Tenho muito carinho por ser uma música minha, a única do disco que
é só minha, que eu fiz inspirada pelo livro As Veias Abertas Da América Latina [de Eduardo Galeano], que eu acho
um livro necessário. Então, eu tenho orgulho dessa faixa, de ter feito essa canção, de ter juntado Ney e Baiana, do resultado final.

7 – “Sueño Con Serpientes”
É uma música que eu sempre chorei ouvindo. Eu sou muito fã da Mercedes Sosa, eu acho que ela é uma das cantoras da minha vida, junto de Fiona Apple, Gal Costa, Aretha Franklin e Beyoncé. Acho que esse é o meu grande ranking de cantoras mesmo, tô falando de voz. Na pandemia, eu comecei a cantar essas músicas nas lives e a galera começou a se emocionar muito, e eu comecei a me emocionar muito. Quando eu decidi colocar “Ouro Lata” no disco eu falei: “Gente, eu acho que eu vou botar ‘Sueño con Serpientes’ também”, porque, por algum motivo, eu acho que aqueles discursos ali se completam, e eu acho que ela pode ser um momento ‘gengibre’ no disco. Porque o disco é muito grandioso, no sentido dos arranjos, dos elementos, tem muita informação musical o tempo inteiro, trombone, cordas, percussão, um monte de coisa acontecendo. De repente a gente entra naquele momento de mais vazio, aonde o
grande protagonismo fica pra voz e pra interpretação da canção. Mas, ao mesmo tempo, a gente pegou o que eu já fazia, o jeito que eu já tocava e cantava essa música, o violão lead da música é meu, com uma camadinha de reverb, só pra fazer uma textura, depois o Gabriel foi fazendo uma orquestra de violões, mexendo nos timbres, processando, jogando oitavador, adicionando muitas coisas, mas continuou minimalista, enquanto fez a canção crescer.

8 – “Macho Rey”
Uma canção do Ian Ramil com a Juliana Cortes. Há muitos anos, a gente estava fazendo um show juntos, em Porto Alegre, e ele me mostrou o rif do violão dessa música, que ainda não tinha nada, e eu falei assim: “Eu quero cantar isso daí! Nem sei o que isso vai vir a ser, mas eu quero cantar!”. E aí, muito tempo depois, ele acabou fazendo com a Ju a letra e aí me mostrou e eu topei na hora: “É óbvio que eu vou gravar!”. O Ian é um dos compositores da minha vida. Eu gravei “Coquetel Molotov” no disco do Iara Ira, e ao longo do tempo eu sempre cantei nos meus shows, e a galera fica muito impactada. A minha verve mais agressiva, do rock, eu chego com as músicas dele. Ao mesmo tempo, “Macho Rey” tem isso, tem um veneno irônico, que é um dedo na cara, mas não é um tapa na cara, sabe? É uma dedadinha na cara, rs. Eu achei que cabia ser esse o rock do disco, porque esse disco não é um disco tão violento quanto meu primeiro disco. Eu já tava querendo ir pra uma coisa mais da sutileza, do humor, da ironia, sem perder a identidade.

9 – “Toma Essa”
Pra mim é o hit do disco. Eu amo, amo, amo aquela onda meio dark side of Ladeira do Pelô, meio carnaval, meio pagodão… feat com um grupo de percussão de capoeira, a faixa é co-produzida pelo Felipe Roseno, e a música é da minha irmã, Bruna Karam. É a faixa feminista do disco, que a gente já tinha lançado ano passado, com um clipe (assista aqui) com o Ney como ator, que eu amo muito.

10 – “Caco de Vidro”
Caco de Vidro é uma canção do André Vargas que dá título ao disco. Júlia Vargas, irmã do André, foi quem me falou: “Duda, meu irmão tem uma música que é a sua cara”. Essa família é minha fonte! E quando ela me mostrou, eu falei: “Não é possível! É a minha cara mesmo”. Essa coisa da desconstrução… por conta dessa música que me veio o
entendimento todo do que eu tava fazendo com esse disco, que esse disco era um encerramento de vários ciclos na minha vida, um processo de amadurecimento, de cura, de transmutação. Então, trazer a coisa do estilhaço mais como algo que se rompe para algo novo poder surgir. Daí veio tudo: o conceito do trabalho, a paleta de cores, de usar o
laranja, que tem a ver com a energia do chackra sexual e criativo, da força que move a vida. Ao mesmo tempo, a gente fez o material de visualizers todo laranja e azul, porque a gente pensou nas cores da Fênix.

11 – “Contragolpe”
É uma canção minha com Gui Fleming. A faixa traz o feat do Lúcio Maia, que produziu com a gente e gravou guitarra, muito chique! O Lúcio me acompanha desde o É (2021), meu primeiro disco, ele sempre ia aos shows, gostava do som. Aí, um dia, ele me chamou pra cantar num espetáculo em homenagem aos 50 anos do Krishnanda [(1968), álbum de Pedro Sorongo]. E aí, veio a brecha, tipo “opa, já posso chamá-lo pra gravar comigo, rs”. E ele topou! Foi maravilhoso trabalhar com ele, super fluido, resolveu super rápido; eu cheguei com uma colagem que eu já tinha do Hypnotic Brass [Ensemble] aliás, eles cederam o fonograma e foram super gentis. Ele já chegou, botou beat, rifs de guitarra, depois o Gabriel gravou outros rifs de guitarra também. A faixa começou comigo, foi pra mão do Lúcio e depois voltou pra mão do Gabriel. Eu gosto muito! Já tinha sido um dos singles que a gente lançou no ano passado, e no mais, acho que ela fala por si, no sentido do que ela significa pra mim, tá tudo muito bem posicionado.

Duda Brack faz do segundo disco uma quebra de paradigmas em sua própria trajetória (Foto: Guilherme Nabhan/Divulgação)

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12/11/2021

Brenda Vidal

Brenda Vidal