Exclusivo | Em ‘SIM’, NoPorn lateja prazer, liberdade e subversão

16/04/2021

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Brenda Vidal

Por: Brenda Vidal

Fotos: Aruan Viola/Divulgação

16/04/2021

O sempre provocante duo eletrônico NoPorn, formado por Liana Padilha e Lucas Freire, lança nesta sexta-feira, dia 16, – mais uma sexta enclausurada, diga-se de passagem – seu novo disco SIM. Maduro, um pouco mais melancólico e também em contexto de isolamento social, o NoPorn não se perde de vista mesmo nas noites de pistas vazias.

Na verdade, eles vêm para relembrar que a pista é imaterial e que a liberdade, a contravenção e o prazer das noites místicas não abandonam os corpos que teimam em dançar e festejar, mesmo que sozinhos em seus quartos. Exalando ares venusianos, o duo dança para continuar vivo. Goza para lembrar que há vida a ser vivida mesmo que em restrição. Uma ode à subversão sem convocar o negacionismo ou a irresponsabilidade.

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O cantar low tempo de Liana dá vigor às letras hedonistas, despudoradas e sensuais que encontram abrigo nas novas sonoridades investigadas por Lucas. Entre desejos de ser uma borboleta e o timing de um sexo lento, o terceiro disco da dupla é a trilha sonora perfeita para quem ousa dançar mesmo na sala de espera, enquanto aguarda por dias melhores.

Conversamos com Liana e Lucas sobre inspirações criativas, música como teletransporte e ao que eles dizem sim. Na sequência, o NoPorn ainda desembrulha cada uma das faixas presente em SIM. Você é o nosso convidado para essa festa: dê play e deslize para conferir tudo.

Liana e Lucas, como a falta de festas e shows presenciais afetam a inspiração criativa de vocês na hora de fazer letras e sonoridades que se inspiram tanto no que se vive e se sente na pista? 
Liana: A maioria das músicas já tinham sido criadas em improvisos nos shows anteriores à pandemia. Eu tenho um arquivo de memória de noite muito longo (risos). Mas é difícil não poder testar todas as faixas na pista antes, não ver a reação das pessoas. No geral eu sou bastante caseira, gosto de festa, mas não saio muito. O mais difícil agora é passar um clima de festa num momento de isolamento, perdas e luto. Pra isso, a gente cria uma atmosfera muito particular no estúdio que foi montado aqui em casa. Fizemos muitas lives ano passado também, o que deu pra ter uma ideia. 
Lucas: Na época em que finalizamos todos os arranjos do álbum e começamos as sessões remotas de mixagem com o Gabriel Guerra (DJ Guerrinha, 40%Foda/Maneiríssimo), já estávamos passando pela pandemia e certamente isso trouxe um fator melancólico adicional. Agora, nós continuamos criando coisas novas e a nova realidade já está impactando na sonoridade das ideias. Um lado nosso pensa nessas festas do futuro próximo, numa realidade de estabilidade sanitária, e isso inspira a criar nesse sentido. Mas em muitos momentos, como agora na nossa prática musical aqui no estúdio, a gente têm soado diferente, às vezes mais suave.

E como foi o processo de construção do primeiro disco de vocês juntos enquanto NoPorn? 
Liana: Eu e o Lucas nos conhecemos no Rio quando eu criei junto com amigos o projeto Tintapreta, que é um laboratório de ideias com música, poesia, pintura e performance. O Lucas é baterista e entrou pro Tintapreta, e de lá começou a tocar comigo no NoPorn quando o Luca Lauri não podia ir. Deu muito certo, até porque o Luca Lauri ficou com a agenda cada vez mais apertada, sem poder fazer shows, e assim, o NoPorn continuou ativo. E aí nasceu a ideia de um novo álbum. Em 2018, eu e Lucas viemos morar juntos em São Paulo e foi muito natural fazer música pro Noporn. A gente começou a tocar pra públicos maiores, palcos maiores, festivais, e queríamos tocar músicas novas
Lucas: Nesses shows em festivais grandes e em muitos clubes menores pelo Brasil, nós começamos a tocar sons novos que a gente estava criando. Fizemos isso mixando partes do material passado do NoPorn com sons novos e loops, se valendo de transições no repertório pra apresentar ideias novas e também jameando livremente nos shows. Me lembro que no último show que fizemos antes da pandemia, em março de 2020 em Maringá (PR), tocamos umas quatro ou cinco músicas do álbum novo, ainda com arranjos iniciais. Isso foi muito bom, a gente viu as pessoas se envolvendo com os sons novos. Uma outra parte do álbum traz uma vivência da intimidade também, e de uma rotina que a gente estava vivendo, que já era um pouco isolada, mas claro que nada se comparada a agora… estávamos trancados em casa compondo, fazendo bastante show, mas não saindo muito para outras coisas. E, assim, a pandemia chegou e deu seu tom ao processo. Tudo ficou mais difícil, ao mesmo tempo que ficamos ainda mais focados na música.


Liana, suas letras são cheias de deboches, tesão e hedonismo. Como esse três elementos estão ajudando você a atravessar esse momento tão difícil? 
Não é deboche, é sério. Eu sou muito otimista, sou um tipo de Punk positivo; acho o governo deprimente, tenho pena do Brasil e de todos nós no país, mas é aqui que vivo, então, crio um pensamento mágico de que todo esse pesadelo vai passar, mas as questões que me movem vão continuar existindo. As pessoas não respeitam as diferenças, o amor. A educação sexual parece cada dia mais distante. Criam as crianças sem a menor noção de proteção e viram adultos cheios de problemas, vergonhas e medos. Existe um fetiche quase sexual na morte e na violência e tudo que tem a ver com sexo vira sujo ou errado, quando deveria ser naturalizado, já que pra existirmos, alguém teve que fazer sexo. E o sexo por tesão e prazer nos faz mais felizes e pessoas felizes não destroem, não matam.

Lucas, as texturas sonoras são variadas, mas todas marcadas por uma fluidez, uma certa leveza – mesmo nas mais melancólicas. Os recursos utilizados, como os reverbs, reforçam o tom de escapismo que a tracklist passa. A criação sonora foi mais intencional em sua proposta de criar experiências de suspensão da realidade? Qual a importância do fator ambiência na hora de criar as texturas sonoras quando a música pode servir de teletransporte nesses tempos de imobilidade? 
A gente gosta muito de acordes e texturas, partimos daí como ponto inicial de muitas sessões do álbum. São repetições simples, às vezes do mesmo acorde, ou da mesma pulsação, que nos fazem entrar num fluxo… Seja fluxo mental, ou físico, a coisa vai se pronunciando e vai nos levando. Isso dá uma percepção espacial do som. A gente vai sentindo e vai criando esses espaços musicais, encontrando neles sentidos. Desse processo nasceram muitas músicas. A proposta deliberada no álbum é a do prazer musical e narrativo, no mais foi tudo muito espontâneo. No fim do processo, nosso querido DJ Guerrinha colaborou conosco na mixagem das músicas e lapidou vários recursos, como os reverbs, definindo bem essa “fluidez sonhadora” do álbum.


Liana e Lucas, ao que o NoPorn quer dizer “sim” em seu novo trabalho?
Liana: Eu digo SIM pro amor, pra liberdade de amar quem quiser e ser o que quiser; digo SIM pro respeito e cuidado com o seu corpo e o corpo do outro. E digo SIM para a arte como forma de existir nesse mundo.
Lucas: Sim à música, à vida, aos sonhos. 

Faixa a faixa

“Festa no meu Quarto”
Nós começamos a criar esta música no começo de 2020, tocando versões demo dela em alguns shows. Ela nasceu na pista, apesar do convite intimista. Estávamos pensando em festas caseiras e ambientes que estimulam o sentimento de conexão quando, de repente, a crise da Covid-19 nos determinou a viver em isolamento. Continuamos tocando a música em lives pela internet e aí ela se firmou como um chamado para festa em si, pra fazer festa sempre, onde você estiver. Um convite para uma festa íntima no quarto, uma festa de cura, amorosa e secreta.

“Enfeite de Cabelo”
Num momento tão romântico como o que estamos vivendo, de urgências, medos e loucura, tudo o que o sujeito da música quer é estar com o ser amado quando a festa acabar, pra dormir nos seus braços. Entrelaçado nos fios de cabelo, sentindo-se leve, ao sabor do vento que é o outro.

“Leis da Física”
Mais uma inspirada no amor que de tão intenso quebra as leis da física e revela um universo de possibilidades. A descoberta de uma paixão, a ansiedade do encontro e a sensação de que tudo pode acontecer quando eles estiverem no mesmo lugar. 

“Praia de Artista”
Esta letra foi feita com o André Lima [parceiro nas faixas “Baile de Peruas” e “Maiô da Mulher Maravilha”]. Nós estávamos na praia do Arpoador (RJ) e começamos a reparar nas personagens daquela cena, verão carioca, 2015/16 e uma fauna composta de artistas, vips, etc. Todos ali se divertindo e vendendo seus peixes. É uma crônica dessas cenas, certo esnobismo artístico numa narrativa blasé. Cenas que além da praia, se davam em festas ótimas daquela época, como Rebola, Saara Nights e Selvagem. Quem viu, viu. A letra conta ainda com a participação do artista plástico e performer Bruno Mendonça com um olho paulista no verão carioca. 

“Pérola Suja”
Criada em parceria com o artista Jackson Araújo, é uma homenagem a quem se transforma, se monta e vai brilhar na festa. Mulheres, homens, gays, livres em geral, trans, drags, ícones ou novatos da noite, seres de todas as cores e sexualidades, apenas sendo livres. É pra quem acredita na cena, no look, na performance, no Baile.

“Slow Sex”
Essa letra é antiga, mas nunca tinha cantado, fala da diferença de timing sexual entre duas pessoas que estão fazendo sexting [troca de mensagens virtuais de conteúdo sexual], cada uma no seu quarto mas tentando gozar juntas. Fala também da energia que rola entre esses dois corpos que, pra quem olha de fora, parece só sexo, mas, dentro, cabe um universo inteiro.

“Baba Bombom”
Letra do poeta Tutti Giorgi, um hino à liberdade, à naturalização do corpo, suas diferenças e semelhanças e aos seres que só existem fisicamente graças e para o amor. 

“Butterfly”
Mais uma que nasceu na pista. Ela surgiu como um improviso quando o Noporn ainda era um duo de DJs, em 2004, e ficou sendo um mantra de liberdade e vontade de voar durante estes anos todos. Recentemente, depois que o Lucas entrou no Noporn, em 2018), voltamos a trazer esse mantra em improvisos ao vivo e, assim, a música chegou à forma atual nas pistas. Uma ode aos encontros, às transformações, aos inícios e recomeços. É a música que nos deu o ‘SIM’ que dá o nome ao disco. Um ‘SIM’ que ecoa em todo álbum. Adoramos dizer ‘SIM’. Queremos dizer ‘SIM’.

“Geleia de Morango
É uma epifania, um sonho de uma noite realmente intensa e catártica. A letra é a síntese do Noporn e de todas as noites em que tocamos. Tem adrenalina, luzes, melancolia, prazer e dor. Um chamado para noites alucinadas e de trocas entre as pessoas. Um mundo misterioso, que só quem é da noite conhece, feito de sensações de sonho e escape. De gozo e risco. O que faz alguém sair de casa pra ouvir música e dançar? É uma música em homenagem a cada um que cruzou com a gente numa noite qualquer desde o início desse século. Uma noite com começo, meio e fim, mas com uma promessa de recomeço ainda melhor.

“@minhaloucuratemtrilhasonora”
Esta faixa também faz menção ao começo do NoPorn; e ao instagram da banda (que não consegue usar seu nome na rede social). A frase emblemática no nome é da música “Xingu“, do primeiro álbum NoPorn (2006). É uma jam de agradecimento e homenagem aos nossos fãs, amigos, parceiros, a todes, todos e todas que se identificam e compõem a nossa história. 

“Noites Longe do Mar
É a nossa homenagem ao Rio de Janeiro, num disco de amor para as duas cidades importantes na nossa história, São Paulo, onde o NoPorn nasceu, e o Rio de Janeiro, de onde eu e o Lucas viemos. Numa noite, recebemos a visita do músico Eduardo Verdeja e essa música veio pronta, com a letra cuspida, inteira. Depois entendemos que ela tinha nascido da nossa saudade de estar perto do mar. “Noites Longe do Mar” entra como epílogo do álbum, mostrando um norte pro futuro, um futuro mais livre e melhor. Um futuro em que, no fim da noite, você volta pra casa e no rádio um som te toca, apontando para um mundo mais sensível.

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16/04/2021

Brenda Vidal

Brenda Vidal