Exclusivo | Kassin em um papo franco e sessão ao vivo

12/09/2019

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Rodrigo Laux

Por: Rodrigo Laux

Fotos: Douglas Hanauer/ O Análogo

12/09/2019

No primeiro semestre de 2019, Kassin esteve em Porto Alegre para apresentar as músicas do seu último álbum, Relax (2018). Em sua passagem, acompanhado por sua banda de ídolos – Alberto Continentino (baixo), Daniel Santana (bateria) e Danilo Andrade (teclado) – gravou uma sessão no Estúdio Casona para o projeto Sessões Tronco*. A NOIZE apresenta, com exclusividade, o registro da música “Enquanto Desaba o Mundo” durante a sessão, confira:

A convite do projeto, a NOIZE conversou com o músico, produtor, cantor, compositor e filósofo de donuts sobre detalhes do álbum, suas estratégias de mixagem, produção e lançamento, além de projetos futuros. Kassin também comentou sobre como vê o universo do som no momento maluco em que vivemos como sociedade, ressaltando a importância da música como ponto de diálogo.

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Confira:

Quais você considera que foram suas maiores referências como compositor e como músico no Relax?

Não tem uma referência muito específica. Eu acho que é um conjunto largo de referências. O entendimento desse disco, pra mim pelo menos, é quase como se fosse uma virada de página do disco anterior, que era um disco sobre sonhos em que o ambiente era todo psicodélico e onírico. Então ele é quase como se fosse a ressaca do dia seguinte do disco anterior. É um disco em que tudo é mais claro, mais arranjado… Porque o outro disco é quase tudo primeiro take, a ideia era que tudo estivesse um pouco sugestionado. E a ideia sempre foi essa, a gravação é meio fora de fase de propósito, tinham coisas que eram feitas pro disco ser um pouco nublado propositalmente. E esse [Relax] é um disco com microfone close, a ideia da microfonação e das composições e dos arranjos é mais acertada exatamente como um balanço ao disco anterior. É quase como um outro lado. 

Quando um produtor lança um disco seu, acaba sendo o seu espaço, o seu momento pra fazer algo sem uma pretensão ou expectativa específica de um artista, por exemplo. Como é isso pra você?

É, sim. Eu acho que quando eu faço um disco meu, é a única hora que eu faço realmente o que eu queria. Não que eu tenha algum problema com fazer outras coisas. Eu acho que a graça do ofício do áudio é você conviver com estéticas diferentes todos os dias, sabe. Eu acho que, num determinado momento da minha vida, o que me tornou um melhor músico ou melhor produtor foi ter tido a possibilidade de ter que lidar com estilos com os quais eu não tinha intimidade alguma, e ter tido que colocar meu pensamento dentro de algum tipo de estética, então eu acho que a graça do ofício é esse. Quando você tá mixando e se coloca em outro ambiente estético, é enriquecedor. Só quando eu faço os meus discos que eu faço o ambiente estético que eu queria pra mim. Eles não têm nenhuma relação com os outros discos que eu faço.

Está no teu trabalho de produtor alcançar o que cada projeto busca né?

Sim, pra mim é clara a barreira entre a questão artística e o ofício. Eu acho que uma coisa ajuda a outra mas pra mim existe uma barreira. Quando eu tô fazendo a minha música, é a minha música eu faço da maneira que eu quero e ela não tem muitas concessões.

Como você vê a diferença da recepção dos seus discos pelo público em relação a outros discos que você produz?

Eu acho que a minha música não é especificamente uma música fácil porque são discos difíceis de serem enquadrados em uma estética formal, talvez. E dentro dos próprios discos acontecem muitas coisas que, às vezes, a pessoa que gosta de um determinado tipo de coisa mais específica perde a percepção. Então quando olho meu público, quem consome, vejo que normalmente é gente que ouve música. É, de alguma maneira, um pouco restritivo. Mas isso nunca me incomodou. Sempre fiz a coisa pra ser de um jeito e ela é de um jeito. Isso nunca foi um problema. Eu não me sinto um injustiçado ou coisa assim. Eu acho que faço uma música feita pra ser daquele jeito e eu pago esse preço. Mas é o que eu quis fazer, não tenho essa sensação de “ah, não tocou no rádio” e tal. Ao mesmo tempo, sei lá, tá bom né? Eu tô com 45 anos ainda vivendo disso, tá ótimo. 

Quanto mais sincero consigo mesmo a tendência é que se crie um legado mais importante, né?

É. Uma coisa que eu vejo às vezes é que as pessoas acham que o disco tem um filtro de ironia. Ele tem algum humor, mas não tem filtro de humor. Isso é um ponto que eu vejo que existe uma confusão. Tem humor mas não é querendo fazer graça, eu tô fazendo a coisa mesmo. Não tenho muita culpa com isso não. 

E como é a tua percepção sobre os diferentes públicos que acabam chegando na sua música? 

Cara, o meu público é engraçado porque no Brasil ele é um e fora ele é outro. Eu acho que, por exemplo, com esse show agora bateu igual. Mas eu já tinha feito mais show fora do Brasil do que no Brasil com o show do Relax. Isso é um negócio que eu vejo: lá a minha música acaba indo pra um viés de uma coisa jazzística, contemporânea, experimental. E aqui eu não sei se rola uma expectativa de que eu entre num ambiente pop, aí fica um troço que parece que eu não sou MPB suficiente pra MPB ou rock o suficiente pro rock, fica sempre entre certas coisas. Isso não me incomoda mas é uma observação. 

Fora do país, você não acha que tem também essa característica que tem aqui de ter muito músico que gosta do seu som?

Acho que tem muito músico que gosta do meu som sim. Muito DJ que gosta do meu som. Tem muita gente que consome discos que gosta do meu som, eu vejo isso no meu público. Até pessoas que frequentemente falam sobre mim, eu vejo que é gente relacionada à música de alguma maneira. 

Você lançou antes o Relax no Japão. Como foi isso?

Sim, lancei quase 1 ano antes lá. Quando eu terminei o disco, devia ser janeiro, eu procurei alguns selos japoneses porque eu queria voltar ao Japão, eu ia bastante pra lá e eu tenho duas filhas japonesas. E no Japão tem esse negócio que o disco importado é muito mais barato, quase metade do preço do que um disco feito lá. Então se você não licencia primeiro a um selo japonês e dá um tempo a eles depois do lançamento, eles acabam optando pela importação, a não ser que tenha muitos bonus tracks. Então eu procurei os selos japoneses dessa vez porque o disco passado, por exemplo, não foi lançado lá. O Sonhando Devagar saiu nos EUA e Europa e não saiu no Japão. E todos os outros discos que eu lancei saíram no Japão, inclusive o disco de Game Boy. Então dessa vez eu falei “cara, eu preciso fazer uma força pra que o meu disco volte a não ser só uma coisa de importação”. Então eu mandei pra alguns selos, esse selo se interessou, o P-Vine, que é um selo ótimo. Aí o cara falou “ó, eu preciso de um 6 meses depois que o disco sair”, e eu não tinha ninguém ainda a ponto de lançar no Brasil, tinha acabado de mixar. Eu sabia que a Luaka Bop, que lançåria nos EUA e na Europa tava falando de lançar em 1 ano. Aí saiu no Japão, e eu optei por lançar nos Brasil, EUA e Europa meio perto. No Brasil saiu 1 mês antes que EUA e Europa. 

Existem músicas diferentes na versão da Luaka Bop e nas outras versões. Como foi feita separação?

As diferenças são entre a da Luaka Bop com Brasil e Japão. Brasil e Japão é igual, é o mesmo disco. As capas que têm coisas diferentes entre Japão, Brasil e Europa. Mas só a cor da fonte, eu quis fazer esse detalhe. Mas o disco inicialmente só ia sair em LP nos EUA, e ele tava com 14 músicas e duas delas eram covers. “Coisinha Estúpida”, que não faz nenhum sentido nos EUA porque tem milhares de regravações de “Something Stupid” e não tem nenhuma relação com a Jovem Guarda, então pros caras aquilo era um negócio assim “por que você gravou isso?”. E “Estrada Errada”, que eu acho ótima dentro do disco mas é uma música do Hyldon, então com isso o disco já caía pra doze. E o disco só sairia em LP e digital, ele não sairia em CD, a gente já sabia disso também. Então os cortes foram meio por isso: foram primeiro as covers e o cara do selo achava… é engraçado que na hora eu discordei mas deixei. Ele tinha uma ideia completamente diferente da ordem do disco. Eu prefiro a ordem brasileira, que tem uma música a mais que é Taxidermia. Que era uma música que inicialmente a minha ideia era que o Francisco Cuoco lesse aquele texto. Eu cheguei a contactá-lo mas não consegui fazer a coisa acontecer. Mas a ideia era uma coisa narrada com uma voz muito familiar, como se fosse um outro personagem. E aí por isso também essa música saiu da versão americana, porque não fazia muito sentido. Mas enfim, voltando: o tipo de ordem que ele previu era uma ordem menos pop. E eu demorei a entender isso. E em todos os discos que a gente fez pela Luaka Bop, eles quiseram mudar a ordem, mas a gente nunca deixou. Ele nunca mexeu em nada. Aí eu falei “cara, nunca deixei esse cara fazer isso e a gente já tá trabalhando há, sei lá, 15 anos juntos… vou ver o que ele tem”. A gente tem uma relação sólida com a Luaka Bop, sabe? Aí eu vi a ordem dele e pensei “não acho que seja uma grande ordem mas não me incomoda se é uma percepção americana, que seja”. Quando eu fui viajar eu vi que aquela ordem dele, pro ponto de vista americano não é ruim. As canções que eu vejo que fora do país são as canções que chamam a atenção mais de um público procurando uma coisa brasileira, elas têm menos relação com a coisa pop. Com “Relax” ou com “Momentos de Clareza” porque ela parece menos uma música americana. E eu acho que a ótica dessa ordem dele é essa aí. Por exemplo, pra ele “Estricnina” tá no top 10, sacou. Pra ele o disco tá ali. Que é um ponto de vista diferente que a gente tem por entender as letras. Musicalmente pra eles, aquele ponto de vista funciona. 

Você já expressou antes a sua preocupação em entender o destino final de uma música na hora da produção. Por exemplo, se você sente que o artista precisa ser mais bem aceito no áudio do celular ou do Spotify ou do rádio, isso influencia toda a questão da mixagem, dos arranjos e até da estrutura do som. Como foi esse processo com o seu disco? Existem mixagens diferentes, por exemplo, entre a versão do Relax que está no Spotify pra que está no vinil?

A mixagem foi a mesma, mas eu tenho masters diferentes. Eu tenho uma master pro LP, uma pro CD, uma pro Spotify. E ela tem diferenças de volume, quantidade de compressão, etc. Eu faço o disco considerando a situação que eu considero ideal de ouvir música, que é com um sistema de som, ou com LP ou com CD. Eu acho que a mix vai mais pra isso do que pra um som de celular, ela não é uma mixagem competitiva de agudos e compressão, nem um pouco. 

No documentário sobre o Quincy Jones, em um determinado momento ele fala do quanto acha importante deixar 20% ou 30% do espaço do estúdio pra “magia” circular, aquilo que puxa a inspiração dos músicos pra cima e torna possível captar momentos especiais, de catarse. Muitos dos grandes produtores em algum momento já descreveram de maneiras diferentes esse mesmo fator, mais subjetivo, que talvez esteja relacionado a criar um ambiente favorável para que os momentos catárticos aconteçam. O que você pensa disso? Você segue determinados rituais para inspirar os músicos?

Cara, eu acho que cada projeto é diferente. Mas eu entendo o que ele fala. A gravação era, pra quem é da idade dele e até pra quem é da minha – mas não pra quem é mais novo – uma coisa onde você tinha um monte de gente numa mesma sala tocando. Então pra você chegar nessa coisa, você tem a coisa planejada, arranjada, combinada e ensaiada, mas você também tem esse quesito que é tipo “mas o cara fez um troço ali aquela hora que é foda”. E essa parte é sempre a parte que dá o 3D do negócio. Porque a gravação, quando você tá trabalhando num laptop sozinho, muito raramente você chega num ponto em que você consegue ter pontos de vista diferentes sobre a orquestração. Porque você ouve a música e você tá com uma clave na cabeça que você vai acentuar tocando piano ou tocando baixo, as coisas vão estar acentuando coisas próximas da mesma coisa. E quando você tem um conjunto de pessoas não, às vezes você tem um cara que toca mal, um cara que toca bem, e o cara que toca mal ajuda o cara que toca bem porque tá tocando pouco. E esse tipo de combinação numa gravação com muitas pessoas é o que dá o 3D, e é o que dá a coisa da inspiração. É a parte que não é a parte planejada. Mas tem projetos que você chega com tudo arranjado e a pessoa canta. 

Por isso que eu gosto de primeiros takes. Quando você tem um número de pessoas e elas já entenderam a estrutura da música e os acorde, etc., a primeira coisa que ela vai te dar é a melhor coisa que ela tem pra te dar. Ele tá te dando o que ele acha bom, isso nunca é desprezível. A não ser que esteja muito errado, aquilo com certeza vai ter valor. Eu acho também que, quando uma música tá sendo tocada, cada um tá ouvindo uma coisa, eu não acho que tá todo mundo prestando atenção na mesma coisa. Eu acho que elas estão prestando atenção em coisas completamente diferentes. Então tem muitos fatores imprevisíveis e é isso que dá a graça. Fora a coisa social, tem muita gente que gosta daquilo porque tem muita gente gostando daquilo, então o valor e peso das coisas é um valor muito impalpável pra você falar “isso é o certo, essa é a forma”, isso não existe.

Como é isso em um trabalho como o da Orquestra Imperial?

Cara, a Orquestra Imperial é uma coisa muito estranha, né. Porque é uma orquestra sem arranjador. Então é bastante caótico. Funciona, mas é bastante caótico. São muitos músicos juntos com ideias diferentes. Os metais são organizados mas a coisa da harmonia, um faz isso aqui, vai vendo com o outro e tal… a coisa vai funcionando meio como uma banda, então é uma orquestra atípica. Não é como uma big band convencional. 

Pra onde você tá olhando agora, passado o “Relax”?

Eu comecei um disco novo. A gente gravou duas bases já, tem algumas músicas… gravei essas bases com o Alberto e com o meu amigo polonês, o Macio (Moretti). Eu tinha gravado um disco com uma banda de poloneses né, chamado Mitch & Mitch + Kassin, um disco instrumental. Aí ele tava no Brasil e aproveitamos pra fazer já essas músicas. Aí comecei esse novo e tô fazendo um disco com um rapper lá do Rio que eu gosto, que se chama Jeza da Pedra. Um disco eu e ele que eu tô fazendo a base. As músicas são todas nossas e é o que eu devo lançar agora [o álbum saiu no dia 12 de abril, ouça aqui]. Devo lançar também o álbum dos Desumanos, que finalmente terminou, que é uma banda com o Manoel Cordeiro, o Felipe Cordeiro, o Liminha e o Pedro Garcia, baterista do Planet Hemp. Uma banda de lambada surf assim, experimental. 

Existe uma previsão pro novo disco solo?

Não, na verdade eu aproveitei pra começar e eu desejo que não passe tanto tempo entre um disco e o outro agora, porque eu acho que eu deixei passar muito tempo entre o primeiro e o Relax. Embora eu tenha feito dois discos instrumentais entre: esse disco com os poloneses e o Cometa, que é uma banda que eu tenho instrumental com o Alberto e com o Danilo. E o Estefani era também. A gente fez pelo selo Nublu, dos EUA. A gente tocou nuns festivais de jazz assim. Aí a minha cabeça ficou mais naquilo do que nas canções naquele momento. Mas eu achei que era legal seguir a coisa das canções, e já tinha um material grande também, já que tinha passado muito tempo desde o “Caminhando Devagar”.

Por menos que te interesse ou que você circule com essa preocupação ou pretensão, o que que você percebe dessa fase conturbada política e socialmente, e qual o reflexo disso na música?

Eu acho que a música não para. Existem altos e baixos, tem assim.. ondas de determinadas estéticas, de mais harmonia, de menos harmonia, de mais reverb, de menos reverb, um tipo de retrô, outro tipo de retrô… mas eu acho que as pessoas gostam de música, as pessoas consomem música, é um fator muito importante socialmente e muito importante na vida. 

Tanto que muitas vezes o que vem à tona não é exatamente uma coisa que a gente tá esperando, prevendo ou que faça sentido obviamente…

Exatamente. Então eu nunca consegui ser pessimista em relação a como a música vai porque eu não acho que isso é o importante. Eu acho que tem horas que você é mais remunerado ou menos remunerado mas assim, a música tá sempre ali. Ela sempre acontece de algum jeito e pra quem gosta de música e não tá preocupado especificamente com o aspecto estético, sempre tem, sempre tá ali. Sempre vai acontecer uma coisa nova, é um organismo vivo. Então eu não sou pessimista quanto a isso. Eu até acho que o momento político ruim, na minha humilde opinião, seja um momento bom musicalmente porque requer alguma reação. Não só musicalmente mas socialmente também. Porque as pessoas vão se ver obrigadas a dialogar, coisa que não tem acontecido há muito tempo. E a música é um ponto importante pra isso. 

E o que você tem visto e ouvido ultimamente?

Cara, eu sou a pior pessoa pra perguntar isso. Porque eu passo o dia inteiro ouvindo música. Eu acordo de manhã e ponho um disco. E eu ouço de tudo, não tem uma coisa que eu tô ouvindo naquele momento, tipo o disco da semana. Eu passo por todos os discos da semana, às vezes volto, às vezes não. Eu ouço o troço todo, aí fico ouvindo música clássica, aí ouço metal, aí ouço um disco de jazz… assim, eu não tenho aquela estrutura de uma linearidade estilística que muita gente tem. Que só ouve rock ou rock daqui até ali. 

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*O projeto Sessões Tronco tem concepção e produção do LabXP e Estúdio Casona, e apresenta performances de artistas da música gravadas ao vivo. Para conferir os próximos vídeos, siga o canal do selo Tronco no YouTube.

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12/09/2019

Rodrigo Laux

Rodrigo Laux