Você sabia que a musicista Nicole Patrício, dona do projeto Alambradas, quase fez parte do grupo Mulekada quando era criança? Sim, você leu isso mesmo, mas por trás desse “fato” tem muita história, incluindo a origem do seu novo single. Depois da grande recepção ao seu segundo EP, Cíclica, lançado no fim de maio, o Alambradas está de volta com um cover de “Este Grande Amor”.
O sucesso do Trio Esperança ganhou uma interpretação intimista, no vocal e piano de Nicole, contando ainda com a participação do duo de folk Antiprisma. O resultado é uma gravação linda e com um forte teor emocional, carregado com a nostalgia que circunda toda a interpretação da cantora. Ouça o som com exclusividade aqui embaixo e se liga no show (gratuito) de lançamento do single, que rola sexta, dia 8, na Casa do Mancha (São Paulo).
Com nome inspirado numa faixa de Four Tet, o Alambradas existe desde 2009, quando Nicole ainda estava no 3º colegial. “Decidi que, como não tinha ninguém pra formar banda, ia tocar sozinha mesmo. Essa tal ‘falta de opção’ foi o motor para eu levar adiante”, conta. Desde então, foram dois EPs, o lo-fi Amargo (2013) e o recente Cíclica (2016), além do single que lançamos hoje. A relação da cantora com a música, porém, vem desde a infância, e essa ligação faz parte da essência de sua gravação de “Este Grande Amor”. Nicole era algo como uma menina-prodígio quando criança: tinha uma voz que chamava atenção, tirava de ouvido músicas que ouvia em casa e gravava K7s com suas versões, e a faixa do Trio Esperança foi uma das primeiras que cantou, antes mesmo de ser um “prodígio”, por incentivo dos próprios pais.
“‘Este Grande Amor’ apareceu na minha vida antes de eu começar a gravar músicas improvisadas numas K7s aleatórias de casa. Meus pais tinham – e ainda têm – um vinil do Trio Esperança, chamado A Festa do Trio Esperança, colocavam essa música pra tocar e, não sei exatamente por que, me pediam pra cantá-la”, comenta, em trecho da entrevista que você lê na íntegra aqui no fim da matéria. A artista faz uma versão ao vivo da música desde 2014, “pra pagar essa espécie de dívida que senti que tinha com meus pais”, como comenta, e a ideia de gravá-la veio justamente dessa interpretação.
A faixa vem do mesmo balaio de quando Filipe Consolini, que mixou e masterizou tanto o single quanto o EP Cíclica, convidou Nicole para gravar com ele – e as vozes e o violão foram captados na casa do próprio Filipe. A única coisa que vem de um lugar diferente é o piano, gravado no Estúdio FC, em Barueri (SP). Sobre “Este Grande Amor”, a cantora ainda ressalta que a participação do Antiprisma foi essencial (“ela não teria a mesma vibe sem as vozes”, revela) e que a gravação atual fez com que a letra ganhasse um novo sentido na sua mente. E, se você ainda não entendeu o que o grupo Mulekada tem a ver com tudo isso que a gente falou, é só ler a entrevista completa em seguida e sacar o que Nicole tem a dizer sobre o single, sua carreira e até sobre o cenário da música independente nacional.
Em outras entrevistas, você comentou que tirava músicas de ouvido e costumava gravar muita coisa em K7 quando criança. Esse cover de “Este Grande Amor” vem dessa época? Por que você resolveu gravar justamente hoje?
Pois é, essa coisa de música me veio desde que me conheço por gente. “Este Grande Amor” apareceu na minha vida antes de eu começar a gravar músicas improvisadas numas K7s aleatórias de casa. Meus pais tinham – e ainda têm – um vinil do Trio Esperança, chamado A Festa do Trio Esperança, colocavam essa música pra tocar e, não sei exatamente por que, me pediam pra cantá-la. Uns anos depois, a intenção era que eu cantasse isso na TV – quando eu tinha 6 anos, cheguei a fazer um teste pra cantar no Raul Gil, justamente na época em que eles estavam procurando crianças pra montar o “mini-Tchan”. Meus pais levaram o vinil, acho que pra acompanhamento, sei lá, mas, no fim das contas, acabei cantando “Adoro Amar Você”, do Daniel, com um rapaz acompanhando no violão. Lembro de ter me sentido bem deslocada depois que saí da sala, que tinha mais umas 10 crianças além de mim. Hoje, sinto que o destino foi bem generoso comigo – o quanto eu seria mencionada como “ex-Mulekada” caso continuasse a carreira artística, não tá escrito – isso sem contar a pressão absurda que crianças nesse meio sofrem.
Em 2014, quando estava pra fazer um show no Puxadinho da Praça, aqui em SP, decidi tocar “Este Grande Amor” pra pagar essa espécie de dívida que senti que tinha com meus pais. Acho que uma das coisas que eles mais queriam na vida era me ver cantando essa música, e foi dessa versão que fiz pro show que veio a ideia de gravá-la.
Sendo um som que você toca desde a infância, imagino que “Este Grande Amor” seja carregado de nostalgia, mas também que você tenha percebido sua relação com a música mudar com o tempo. Como, por exemplo, sobre o sentido do “amor” que é cantado, levando em conta toda a problematização e reflexão sobre as noções de amor que rolam na adolescência e juventude de toda galera. Não sei se você gosta de pensar sobre essas coisas e talvez tenha até já respondido isso na primeira pergunta, mas: você viu sua visão da poesia do Rossini Pinto metamorfoseando com o tempo? E o que isso representaria na sua interpretação do single?
Nunca tinha pensado tanto no significado do amor nessa música, acho que até o momento em que a gravei. Calhou que ela passou a ser, pra mim, um “pós-episódio” de “Don’t Tease Troubles Anymore”, de alguma maneira – essa música é sobre gostar de (mais) um cara que não gosta de você. Mas, mais do que qualquer outro sentimento, é nostalgia que me vem toda vez que a escuto; é um misto de alegria e saudade da inocência que tinha quando criança.
Numa entrevista para o Recife Lo-fi lá em 2014, você comenta que tinha gravado seu trabalho de então com microfone de notebook, totalmente lo-fi – mas agora você entrou em estúdio e tudo o mais. Como vem sendo essa experiência, principalmente comparando com antigamente?
Ah, cara, é oooutra coisa. Do Audacity com fade-outs mal feitos pro estúdio ou home estúdio com microfone, placa de áudio e essas coisas todas – é um salto. A experiência vem vindo aos poucos, já que, dessa vez, eu só executei as coisas, cantei e toquei. A ideia é eu adentrar mais nos processos (gravação, mixagem, etc.) para, sempre que tiver alguma música ou esboço novo, não gravar a ideia incompleta nos Voice Memos ou não esperar pra gravar tudo definido noutro canto.
E como foi gravar com o Antiprisma? Eles trouxeram muito pra dentro do trabalho?
O Victor e a Elisa são pessoas que quero muito bem. Em 2013, saímos numa mesma coletânea do Pulsa Nova Música, chamada Lição de Casa, só com gente que gravava as músicas em casa, e foi isso que nos aproximou. Desde então, em tudo que dá, a gente se ajuda, conversa. Os dois deram um toque bem bonito pra música; ela não teria a mesma vibe sem as vozes – que são marcantes na original – e o violão veio de bônus, já que é uma coisa intrínseca da dupla (Aliás, o disco de estreia deles sai dia 15 e eu participo de duas músicas. Fizemos uma troca de participações sem querer).
Outra coisa que me chamou atenção foi a capa. Quem são as três pessoas?
Da esquerda pra direita: minha vó Alzira, eu, com 3 anos, e minha vó Antônia. Essa foto é de um aniversário na casa do meu tio; foi junto com o do meu irmão, que estava fazendo 12 anos. Minha mãe pegou essa ideia de “o que você quer ser quando crescer?” e fez bolos temáticos – o dele de pescador e o meu de cantora. Hoje, ele é cantor também, num grupo de pagode chamado Making Of (sim, é tipo um abismo entre o que ele faz e o que eu faço, hahaha).
Com esse novo single, algum trabalho maior pode estar vindo por aí? Outro EP, um primeiro disco solo para logo?
Por enquanto, não.
E, além do show de lançamento, você tem algumas outras apresentações planejadas?
Tenho sim: dia 9, toco em Sorocaba dentro do Sonora, que é um circuito de compositoras com eventos no Brasil e no mundo (saiba mais aqui). E dia 16, toco no Submundo 177, aqui em SP, dentro d’uma empreitada chamada ovosnovos, com a Quasar e a Jagsax.
Por fim, o que você acha da cena ~independente~ brasileira hoje em dia? Tá otimista com esse clima de união que parece rolar entre os selos, principalmente na galera do rock triste? Ou acha que ter qualquer otimismo é delírio levando em conta a situação da economia musical de hoje?
Por mais que você encontre um monte de gente fazendo um monte de coisa num monte de lugares, ainda é tudo muito fragmentado, panelento, e isso é um negócio que me deixa puta. Se você não faz parte do grupinho, seja ele qual for, você fica de fora. Eu mesma não me sinto parte de nenhum deles, mesmo acompanhando e botando fé no trampo de alguns. Otimismo eu tenho, ainda que com muita, muita cisma – pra mim, viver de música é impossível. É um negócio que eu desisto antes mesmo de pensar em tentar. Mas eu sei que, se eu deixar a música de lado e ficar só num emprego comum, eu tô mentindo pra mim mesma. É um negócio que nasceu comigo, que tá intrínseco na minha vida.