Exclusivo | Thiago Elniño faz das rimas sua ferramenta de cura em novo disco

09/09/2019

Powered by WP Bannerize

Brenda Vidal

Por: Brenda Vidal

Fotos: Paulo Abreu/Divulgação

09/09/2019

O rapper Thiago Elniño se coloca como uma ponte que permite a travessia e o encontro entre passado, presente e futuro. Unindo vozes ancestrais, angústias e saberes atuais para construir um novo amanhã, ele faz do seu novo disco inédito Pedras, Flechas, Lanças, Espadas e Espelhos (2019) uma fotografia da expressão musical preta brasileira contemporânea e, ao mesmo tempo, um guia de curas. Das experiências salgadas que perpassam indivíduos negras e negros, Thiago subverte o sal. Do ardor, o sal vira sinônimo daquilo que conserva, que cicatriza, que é antisséptico, que cura.

Capa de Pedras, Flechas, Lanças, Espadas e Espelhos (Arte: Robinho Santana)

*

O registro chega ainda mais forte com ajuda de outros talentos da música contemporânea, uma verdadeira constelação de feats: Luedji Luna, Rincon Sapiência, Tássia Reis, Projeto Preto e Ricardo Aleixo são alguns dos nomes. As doze faixas que compõem a obra recebem a produção atenta de Martché e a contribuição de beatmakers de todo o país. Com batidas que dialogam com o orgânico e toques de terreiro, a poesia de Elniño discute racismo, masculinidade tóxica, violência institucional e vira um mantra acessível para todos, mas que acerta em cheio o coração de quem luta por dias melhores.

O lançamento oficial nas plataformas rola amanhã, 10 de setembro. Entretanto, só aqui na NOIZE, você ouve Pedras, Flechas, Lanças, Espadas e Espelhos com exclusividade, além de mergulhar no universo do disco através de um papo super especial que batemos com Thiago Elniño. Não tem como ficar melhor, né? Desça a página, solte o player e confira!

Há quanto tempo Pedras, Flechas, Lanças, Espadas e Espelhos tem sido gestado? O conceito parece ser bem redondinho; como você delimitou a temática que esse disco deveria conter? 
O disco começou a ser produzido há pouco mais de um ano. Quando lancei A Rotina do Pombo (2017), meu disco anterior, existia da minha parte uma expectativa muito grande de que ele fosse alcançar muitas pessoas e me garantir uma sustentabilidade através da musica. Essa expectativa era tão grande que ele já nasceu com a ideia de ter uma sequencia chamada “A Ascensão do Pombo”; a recepção do disco foi muito boa de crítica, porém, de certa forma, frustrante em termos quantitativo de público. Somado o fato do processo de criação ter sido extremamente difícil, sem condições ideais, e as dores psicológicas causadas pela imersão e estudos nos temas e universos que o álbum trazia, eu sai da experiência um tanto quanto traumatizado e sem vontade de fazer outro disco! Porém, no início de 2018, ocorreram uma série de incidentes e rebeliões nos presídios do norte que me instigaram a escrever um EP falando sobre aquela realidade. Entretanto, a primeira música feita para ele apontou outro caminho, um caminho de comunhão do povo preto ao redor da discussão de suas necessidades prioritárias e para o alcance de uma comunicação maior, eu usaria todas as armas necessárias, como Malcolm X apontou em um de seus discursos como caminho para o alcance de nossos objetivos. Essas armas são as novas sonoridades e abordagens que apresento no disco e em se tratando do título do mesmo, faz referência a armas e e instrumentos de trabalhos de alguns Orixás. 


Você chega com nomes de pesos nos feats! Como se deram as parcerias e como cada uma delas contribuiu para as tracks e o disco como um todo? 
Pode parecer desonesto dizer isto, mas nenhuma das participações foram planejadas antes das próprias músicas irem nascendo e me mostrando a necessidade de serem complementadas pelo talento de outros artistas. As músicas quem mandam. São em sua maioria amigos, pessoas que sou fã e que mais cedo, ou mais tarde, faríamos algo juntos, e calhar de ser agora, dentro do meu disco, e em um momento onde muitos deles gozam de boa visibilidade foi realmente uma coincidência maravilhosa. Acabaram transformando esse disco em um belo retrato da música urbana preta feita no Brasil em 2019! 


Thiago, com a popularização do rap, tem surgido novas vertentes e até mesmo novos entendimentos sobre qual é o papel do rap, o que ele deve ou não apoiar. O que renova sua crença no rap? O que faz dele o melhor lugar para acolher suas verdades? 

Eu acho que seria inocente da minha parte não entender esse momento de popularização do rap como um momento que vem se dando principalmente porque existe uma estrutura branca que entendeu que pode ter enormes lucros com ele. E isso nem de longe significa que por estar lucrando com rap, essa estrutura deixa de ser racista, muito pelo contrário – são só negócios. Agora, paralelo a isso, ele chegar em mais lugares faz com que mais gente conheça, que mais gente produza através de várias realidades, impulsionando uma maioria que repete o que vende, mas também muita gente experimentando e enriquecendo o gênero musical de forma acelerada! Mas, veja bem, fazer rap não significa ser parte da cultura Hip Hop. Eu gosto do que é feito fora do contexto Hip Hop, mas o que renova minha crença é esse feito dentro dos braços da nossa cultura, que te engravida da vontade de ser útil a seu povo tendo como ferramentas iniciais um beat e umas rimas! O fazer com o que tem na mão, mesmo que com estrutura longe da ideal, e ainda assim escolher o caminho mais difícil, que é a luta pelo seu povo, porra, isso é bonito demais! O Hip hop ainda é foda!


No álbum que você lança agora, você acessa muitos diálogos sobre a questão do homem negro. Como é para você esse exercício de questionar padrões da masculinidade tóxica e do racismo? Como, enquanto homem negro, esse exercício te afeta e como ele te auxilia?
Todas as discussões que proponho são feitas tendo a questão de raça como ponto de partida, nesse processo, o meu agora vem sendo constantemente atravessado por informações quanto à masculinidade tóxica que até muito pouco tempo atrás eu não tinha acesso, ou, talvez, eu tivesse sim acesso, mas não tivesse tido a sabedoria, coragem e vergonha na cara de ter acessado. É inconcebível imaginar uma comunidade preta saudável sem que em algum momento o homem preto reveja suas posturas e sentimentos diante a si mesmo, entendendo que nosso melhor vem do feminino preto que existe dentro de nós, e que potencializa nossa força quanto homens pretos. Esse não entendimento tem feito homens pretos fracos e covardes. O problema não é em como nos relacionamos com as mulheres pretas, o problema é como nós nos relacionamos conosco mesmos quando entendemos que somos um só com elas, o mesmo povo, a mesma unidade. Assim como vários irmãos estou nesse processo e não é fácil, mas tá rolando e ele acaba de alguma forma sendo pontuado na minha produção.


Thiago, vamos poder conferir esse disco no palco? Vai rolar turnê? O que vem por aí?

Imediatamente, a turnê começa três dias após o lançamento do disco com show no SESC Barra Mansa – RJ e extensão disso até aqui se confirma por mais de 10 cidades do sudeste, sul, norte e nordeste. Vai ser incrível! Fora isso, vamos explorar muito o disco com produções audiovisuais e produtos que com certeza são bem fora da caixa. Quem gostar das músicas, fique atento que estamos em bom ritmo! 

Tags:, , , , , , , , ,

09/09/2019

Brenda Vidal

Brenda Vidal