Exclusivo | Um novo sentido: entrevista com Michael Gira, do Swans

09/12/2019

Powered by WP Bannerize

Nilo Vieira

Por: Nilo Vieira

Fotos: Divulgação

09/12/2019

Embora nunca tenha alcançado o mainstream, o Swans é das poucas bandas que podem se vangloriar por influenciar nichos tão distintos ao longo do tempo. Das composições épicas do post-rock ao minimalismo da no wave, a trupe comandada de Nova Iorque é referência.

Mas isso pouco importa para Michael Gira, único membro presente em todos os discos do grupo, que, no alto de seus 65 anos, segue inquieto nas experimentações. De fala mansa e espirituosa, conversamos com ele sobre o novo álbum Leaving Meaning (o 15º do Swans), a indústria da música na era digital e mais.

*

Foto: William Lacalmontie (Divulgação)

Você soou um tanto drástico ao falar sobre dissolver a encarnação anterior do Swans, para evitar se repetir e coisas do tipo. Mas todos os membros tocam no novo álbum e a formação que fará shows é composta por pessoas bem familiares a você…
Agora, é mais como um projeto, não uma banda. Nos últimos oito anos, éramos eu, Phil Puleo, Kristof Han, Norman Westberg, Christopher Pravdica, Thor Harris e o Paul Wallfisch (nos últimos dois anos). Desta vez, reuni cerca de 20 músicos e eles tocaram instrumentos em várias canções. Até pela parte das ideias, pois, com mais gente, surgem novas visões para arranjos. Não é como antes, onde chegava com as composições para a banda: “Ok, vamos arranjar isto”. 

E a formação ao vivo… bem, é diferente. Tem pessoas envolvidas com o Swans recentemente, mas também os maravilhosos Ben Frost e Dana Schechter. É uma abordagem diferente para fazer música.

A sua esposa, Jennifer, está no disco novamente (ela participou do anterior, The Glowing Man, de 2016). Já considerou levar ela pra estrada também?
Essa seria uma ideia muito ruim (risos). Tenho vasta experiência nisso, não funciona.

Leaving Meaning soa menos guiado por clímax que os antecessores, algo quase como uma meditação calcada no blues. Foi de propósito?
Bem, tudo é proposital. Quero dizer, desta vez me dei o objetivo negativo: não queria repetir os tropos, clichês que nos apoiamos no passado – como os crescendos ascendentes, as explosões na última batida e as camadas volumosas de guitarra. Queria evitar tudo isso, para não soar como nos últimos álbuns.

Então escrevi essas músicas e arranjei intuitivamente com a ajuda dos amigos no álbum. Tentei fazer algo que fosse sedutor aos meus ouvidos e, quem sabe, para os de outras pessoas também.

Tem um vídeo de você tocando “Sunfucker” com os olhos vendados e sua cachorra do lado. Você se coloca em outras situações (ou até substâncias) particulares para compor?
Não, não! Esse pequeno vídeo que você menciona foi uma manhã comum na casa.

Seus vizinhos devem ter adorado…
Não moro na grande cidade mais, então tenho sorte.

Por que “Some New Things” foi deixada de fora da edição em vinil
Espaço, simplesmente.

Foto: Jennifer Gira (Divulgação)

Você mencionou que não gosta de tocar material mais antigo. Porém, “Amnesia” reutiliza letras escritas nos anos 1990 (para a faixa homônima, do Love of Life) e “Annaline” soa como um aceno à “Evangeline”, do Angels of Light. 
Sobre “Annaline”, não pensei nisso, pode ser. Mas o lance com “Amnesia” é que vinha a tocando nos meus shows solo, com acordes básicos de violão e decidi que queria gravar. Gosto da letras e, mesmo a tendo escrito há décadas, senti que merecia ser rearranjada para o novo álbum. Se tivesse tentado refazê-la, não seria interessante, mas como ficou completamente diferente, valeu a pena.

Há forte uso de imagética religiosa no disco, o que não é incomum para você. Como descreveria sua relação com a religião?
Sou bem cético. Procuro refletir sobre consciência e existência e certamente há um aspecto espiritual nisso. Mas religião organizada pode ser assustador. Dito isto, alguns pensadores católicos como São João da Cruz, por exemplo, possuíam insights profundos e espirituosos, independente da religião com que estivesse atrelado. 

Há outro livro que me impactou, se chama A Nuvem do Não Saber: foi escrito por um monge britânico no século XIV, era católico. Ele tinha uma abordagem similar sobre alcançar a união, o divino (também conhecido como Deus), que achei bem sincera e interessante. Estava interessado em como essas coisas são bem parecidas com o pensamento budista sobre existência e consciência.

Autorretrato de Michael Gira (Divulgação)

Os shows do Swans são lembrados por muitas pessoas como uma experiência. O volume massivo era quase a espiritualidade se tornando física, como o John Coltrane fazia com o free jazz, talvez. Você afirmou que os próximos shows serão diferentes, com a banda toda sentada. O que a experiência ao vivo significa para você?
Bem, não estou interessado em confiar em hábitos. Então se volume era um artifício que usávamos para que as guitarras reverberassem de certa maneira e fôssemos engolidos pelo som, depender disso por muito tempo seria preguiçoso. E existem diferentes maneiras de se fazer as coisas, é o que estou tentando.

A meta central nas performances é sempre criar música que se imponha, que se torne maior que os instrumentistas. Algo que você não possa tocar, que flua através de você. 

O quão importante são as letras para você?
Extremamente importantes. Não são, em nenhum momento, sem sentido. Mas às vezes me interesso por linguagem que se contradiz, e cria tensão por isso – onde uma afirmação é feita, depois o oposto, e ambas são verdadeiras simultaneamente. Naquele milissegundo, talvez seja ali onde o sentido se encontra.

Seu interesse por cinema é notório. Não considerou fazer clipes para as músicas novas do Swans?
Fizemos vídeos lá nos anos 1980 e, tirando um que eu mesmo fiz, os acho muito vergonhosos. E o fato de vincular um pequeno filme específico a uma música, pra mim, é um bom jeito de arruiná-la. Porque isso responde as questões que a canção traz à tona na mente do ouvinte e, pra mim, música é sobre essas perguntas.

Aliás, é algo kubrickiano isso de sempre ter uma figura no centro das capas dos álbuns?
Ele é dos meus diretores favoritos, mas nunca tinha reparado isso em suas composições. Mas isso é um artifício que desenvolvi bem cedo com o Swans, de ter uma imagem icônica no centro do quadrado, como um tipo de talismã, algo que cria fricção entre a música e a imagem visual.

Em uma época onde há quem já clame a morte do formato de álbum, esse é seu quarto lançamento seguido com mais de uma hora e vinte minutos de duração. O que significa pra você?
Absolutamente porra nenhuma (risos). Não me interesso por grandes proclamações como a morte do álbum, música devia ser assim ou assado. Faço minha própria música e pessoas podem gostar ou não. Vai de cada um. Não me importo como se encaixa na consciência pública ou cultural. É o que é. Gosto de experiências imersivas, álbuns que criam um mundo onde você pode escapar, porque é o que fazia quando jovem e formou minha percepção do que música pode ser.

Foto: Jennifer Gira (Divulgação)

Inclusive, você lê resenhas de seu trabalho?
Já li e é bem prejudicial, sejam positivas ou negativas. Deveria me forçar a não fazê-lo, mas com o mundo na palma de sua mão, nessa atmosfera venenosa que temos chamada Internet, é muito tentador dar uma espiada. Quando são boas, fico assustado, pois começo a me parabenizar e isso é a morte da arte. E, quando são ruins, você fica deprimido ao ver como as pessoas são incrivelmente estúpidas.

A Internet apresentou a música do Swans para toda uma nova geração, eu incluso, porém.
Estou feliz que as pessoas descobriram a música, especialmente em meios que contornam a mídia do rock. É mais fácil as pessoas encontrarem o material por si mesmas. Este é um bom aspecto de como a Internet afetou o Swans, de fato.

Você começou sua carreira no cenário punk/no wave de Nova Iorque e, hoje, toca o que alguns podem considerar como o exato “anti-punk”. Como resume esse caminho?
Nunca enxerguei a música como parte de um gênero, só reuni situações e fiz o que achava ser necessário. E quando cumpria com isso, esse material inspirava ideias para outra coisa, muito diferente ou um pouco. Só fiz meu trabalho.

O Swans fez show na Argentina em 2016, por que não vieram ao Brasil? Quando irá acontecer?
Não sei! Meu agente pode dizer melhor, meio que vou onde ele nos manda ir.

Algo mais que você gostaria de adicionar?
Boa sorte pra vocês em seu país. Todos nós precisamos, no presente momento.

Tags:, , , , , ,

09/12/2019

Jornalista, quando não está pregando sobre Billie Ellish, edita o blog Bass Doom.
Nilo Vieira

Nilo Vieira