Quantas artistas da sua playlist estão nos line-ups de festivais? De acordo com o levantamento “Mulheres nos Palcos: diversidade de gênero e raça nos festivais brasileiros de 2016 a 2023”, publicado pela pesquisadora Thabata Arruda, as mulheres ocuparam apenas 34,6% em 2023. No entanto, ainda que a discussão sobre equidade de gênero engatinhe em muitos eventos de música no país, há pontos fora da curva.
O Festival CoMA, por sua vez, está na dianteira da discussão ao apresentar uma programação formada por 51,1% de mulheres. A sétima edição do evento aconteceu entre 3 e 11 de agosto no Centro Cultural Banco do Brasil, em Brasília. Para além de levar diversidade aos palcos, a programação da conferência também refletiu a preocupação com a diversidade. A oitava edição foi confirmada para 2025, mas ainda sem datas.
Na quinta-feira, 8/8, a União Brasileira dos Compositores reuniu Fernanda Takai, Ju Strassacapa e Letícia Fialho para discutir os desafios das compositoras. A vocalista e guitarrista do Pato Fu salientou a necessidade de abordar a questão entre homens e mulheres:
“A gente tem que se lembrar do espaço que estamos ocupando e como ele é importante. Uma das coisas apuradas pelo relatório da UBC é que as mulheres gravam homens e mulheres, e geralmente os homens não gravam compositoras.”
No dia seguinte, 9/8, lideranças de dez festivais nacionais discutiram a questão da sustentabilidade em toda a cadeia do setor de eventos. Para além de olhar quem está no palco, os bastidores também devem contemplar outros corpos. “Qual é a sustentabilidade da mulher na música? Não deve ser restrita ao line-up, mas na técnica e em todos os lugares”, pontuou Monique Dardenne, do Women’s Music Event.
Pensando nos desafios da crise climática, os eventos para milhares de pessoas devem levar em consideração os impactos imediatos e a longo prazo. Mais do que fornecerem lazer e entretenimento, os festivais são espaços para discussões, como Ana Morena, do Festival DoSol, resumiu: “Projetos que democratizam o acesso à cultura não servem apenas para fomentar os artistas, mas para fomentar o público. A sustentabilidade é pensar o agora, precisamos ter esperança do mundo utópico.”
Consciência, música e arte
Nesta edição, mais de 40 artistas se apresentaram ao longo das duas semanas de festival. Somente no final de semana, cerca de 10 mil pessoas transitaram pelo local. Os três palcos do evento trouxeram shows de nomes de diferentes gerações da música nacional, incluindo encontros inéditos, caso de Cátia de França e Martins.
A cena brasiliense foi representada por nomes como Aki Huna, Kirá, Anna Moura, Flor Furacão, Hellen e Canto Cego. Com artistas de diferentes partes do país, o evento apresentou o mais quente da música brasileira contemporânea: Tássia Reis se despediu do disco Próspera (2018) e abriu caminhos para o novo trabalho, Topo da Minha Cabeça, que será lançado em 9/9 e estreita a relação da artista com o samba e o rap.
A escalação trouxe compositoras, cujos discos se destacaram nos últimos anos: caso do Nordeste Ficção (2021), de Juliana Linhares, Meu Esquema (2022), de Rachel Reis, Habilidades Extraordinárias (2022), de Tulipa Ruiz, Transes (2023), de ÀIYÉ, MAU (2023), de Jaloo, e Me Chama de Gato Que Eu Sou Sua (2023), de Ana Frango Elétrico. Para arrematar, Criolo e Alceu Valença fecharam a programação do segundo final de semana.
Conversamos com 5 artistas sobre os desafios da diversidade nos festivais e quais seriam os line-ups dos sonhos:
ÀIYÉ
“Faltam mulheres pretas, lésbicas e latinas! Sinto que isso vem mudando aos poucos, com iniciativas como o selo ‘equality’ do WME, que garante que os festivais do Brasil apresentam mais igualdade de gênero. Mas a verdade é que antigamente os festivais tinham o papel de revelar artistas novos, porém agora com as novas plataformas a forma de difundir música mudou muito e os lineups acabam cumprindo uma necessidade de vender ingressos, infelizmente. Por outro lado, tem cada vez mais festivais com curadorias nichadas, como o Coala, o Balaclava, e o CoMA. Que essa seja uma consciência pro futuro. É difícil escolher quem estaria no meu line-up, mas seria Janelle Monae (EUA), Juana Molina (AR) e Pahua (MX).”
Ana Frango Elétrico
“Acho que é algo profundo, estrutural, na verdade. Acho que não dá pra falar que é um problema do programador ou do festival. A música já tem uma questão machista forte, no sentido de que as mulheres são ensinadas a tocar. Começa por aí, né? Esse binarismo na nossa educação, que vai moldar as nossas instrumentalizações e as nossas profissões. Mas acho que a gente vive um momento de que algumas figuras muito importantes e excelentes botam o sarrafo lá em cima. Sobre o meu line-up: é uma pergunta difícil, porque nunca pensei nisso (risos). Liniker, Ebony, JOCA, ANTCOSTANTINO e Maui.”
Brisa Flow
Estamos vivendo um momento importante para falar sobre mudança climática, então todos os olhares estão no Brasil, e nós temos um potencial artístico gigante, principalmente na música. Que Brasil é esse? Nós somos terra indígena, assim como toda a América Latina. Como Abya Yala (continente americano), nós temos um potencial muito grande, mas infelizmente no Brasil, esse espaço representa grilagem de terra e morte de pessoas indígenas, periféricas e pretas. A periferia também é terra indígena. As quebradas são aquilombamentos urbanos. Embaixo do concreto existe essa floresta pulsando, mas não se fala nisso. A gente tem outra ideia do que é falado sobre o Brasil, mas precisamos ser conhecidos pela cultura dos povos originários. A gente tem mais de 800 populações e 300 línguas. Tudo isso pode ser enriquecedor se trouxemos para os festivais ou colocamos nas rádios. A gente tem qualidade para isso, nós temos potência e excelência. Sou suspeita para falar mas sou fã de Ian Wapichana na versão cordas, acho foda. Gean Ramos Pankararu, Katú Mirim, Djuena Tikuna… A Lido Pimenta da Colômbia. Dá para falar vários nomes.”
Jaloo
“Fico chateada com esse assunto porque existem muitas meninas talentosas, cada uma com propostas diferentes. A tal da rivalidade feminina é ensaiada. E parece que não existe entre os homens, mas existe muito. Então acho que a gente está se abraçando mais do que qualquer outra coisa. Acho que esse abraço está se estendendo para as curadorias e espero que essa crescente seja ascendente. No meu line-up? Teria Luê, que acabou de lançar o disco Brasileira do Norte. Linn da Quebrada porque estou muito curiosa para ver o que ela vai trazer nessa nova fase. E a Jup do Bairro, minha irmã.”
Rachel Reis
“Na minha trajetória, acompanhando as mulheres artistas da minha família, lidei com isso desde muito cedo. Percebi a luta da minha minha mãe, da minha irmã, e vi isso na minha carreira. Se a gente não se alinhar, sempre vai ter um cara que vai tentar se sobressair em cima do nosso trabalho. Desde novinha, quando comecei a cantar em barzinho, já via esse comportamento. Essas situações foram me moldando para eu aprender a acordar pra vida. Acho que é super importante ter festivais e festas que reafirmam o compromisso com a diversidade. Só assim conseguiremos abrir espaço para o futuro, para que todo mundo tenha espaço e a gente consiga dar atenção ao trabalho das mulheres, que é tão primoroso e bem feito. Meu Deus, se eu fosse escolher… Vamos lá! Mayra Andrade, Céu e Sarah Reis, minha irmã, cantora de forró, acho que super combinaria.”
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