Entrevista | Ibeyi fala de corpo e alma sobre questões urgentes em “Ash”

13/12/2017

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Marília Feix

Por: Marília Feix

Fotos: Divulgação

13/12/2017

As gêmeas franco-cubanas Liza-Kaindé e Naomi Díaz, dupla responsável pelo projeto Ibeyi, lançou no final de 2017 o seu segundo disco, Ash. Filhas do falecido percussionista Anga Díaz, membro do Buena Vista Social Club, as irmãs que misturam a ancestralidade africana da música iorubá a elementos eletrônicos e contemporâneos, estão em turnê pelo mundo e vêm ao Brasil no dia 31 de janeiro para São Paulo e dia 1º de fevereiro para o Rio de Janeiro.

Aproveitamos a deixa para conversar com Liza sobre o álbum que saiu através do renomado selo inglês XL Recordins, com a produção de Richard Russel e a participação de Kamasi Washington e da rapper Mala Rodríguez. Em um bate-papo via ligação de Whats App, ela nos contou sobre suas crenças, racismo, feminismo, o novo disco e a turnê de Ash.

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A maneira como vocês trabalham os contrastes nas suas composições é muito criativa. Línguas diferentes, percussão orgânica e eletrônica, e a própria interpretação de cada uma que é tão particular. Isso acontece naturalmente, ou é algo que vocês planejaram fazer?
Acontece naturalmente porque eu e a Naomi somos muito diferentes. Ela é totalmente do ritmo, da base e da produção. E eu sou totalmente das canções, das melodias e dos backing vocals. Quando a gente se reúne, acaba se focando cada uma na sua parte e se completando, porque a gente sente que Ibeyi é essa mistura minha e dela. Do cérebro dela e do meu, do universo dela e do meu. Acaba acontecendo naturalmente, pois a gente também evolui de maneiras independentes, então depois de fazer a nossa turnê de dois anos e crescer cada uma do seu jeito, quando a gente se reúne novamente para compor, cada uma tem um aprendizado diferente, o que é muito legal. É como uma mistura de ancestralidade e referências de passado e futuro. É uma mistura de nós duas. Ibeyi é realmente a gente, 200% a gente. Soa como Paris, Cuba, Londres, Nova York. Soa como a loucura da Naomi e a minha.

A influência do seu pai e da religião africana também é muito forte em vocês, certo?
Isso é algo que nos rege desde que nascemos e inspira o nosso dia-a-dia. Eu sou filha de Iemanjá e a Naomi é filha de Xangô. Está no nosso DNA, é uma parte de nós. E há esse link enorme com o nosso pai. Inconscientemente ele nos deu essa coragem de misturar tudo e de não ter medo da música. Ele foi um exemplo de pai e de que trabalhar com música seria algo incrível para se fazer na vida. Quando eu era criança, disse pra minha mãe que eu queria fazer música e que eu sabia que as pessoas iriam sempre me relacionar com ele. Isso é verdade, mas é uma maneira de honrá-lo e de fazê-lo viver em nós de alguma maneira. Fazer música e estar no palco é um jeito que encontramos para continuar nos comunicando com ele.

Com certeza ele sempre está com vocês.
Ah, obrigada. A Naomi sente a presença dele às vezes. Eu também.

E das suas referências femininas na música, sei que o seu jeito de cantar tem muita inspiração da Nina Simone.
Não só dela, também sou obcecada pela Meshell Ndegeocello e pela arte da Frida Kahlo, por exemplo. Há também homens que me inspiram, como Rodin, que é meu escultor preferido, e o John Cassavetes, que é o meu diretor de cinema preferido. Muitos filmes e muitos livros. Acho que a arte, de uma maneira geral, é a minha maior inspiração. E é engraçado porque as pessoas acham que você só vai ter influências musicais quando você é musicista, mas na verdade a frase de um livro pode te inspirar para fazer dez músicas.

Talvez por isso a sua música não soe óbvia. Vocês têm sempre algo a mais para trazer, principalmente no que se refere à interpretação. Eu lembro de sentir esse impacto em um show de vocês que assisti no festival The Great Escape em 2015.
Meu Deus! Isso foi há muito tempo! Você precisa nos ver agora quando viermos ao Brasil, estamos tão diferentes!

Pois é, eu gostaria muito de assistir a essa turnê do Ash. Como está sendo?
Ah! Está muito legal! Já faz dois meses que estamos nessa turnê e estar no palco tem sido incrível! A reação do público também.

Liza-Kaindé e Naomi Díaz

Só imagino! Vocês têm esse jeito forte de cantar com a alma e com o corpo inteiro.
É engraçado você dizer isso, mesmo eu sabendo que é verdade, mesmo quando a gente está em estúdio isso é verdade. Me lembra os momentos que passamos com o nosso produtor, o Richard Russel. Eu e a Naomi ficávamos horas interpretando com os nossos corpos e tentando encontrar sons. Eu nunca tinha parado pra pensar nisso, mas é algo muito importante para nós mesmo. Durante esses dois meses de turnê eu percebi que o nosso maior desafio pessoal é ir além do nosso corpo, transcender, ir mais longe. Mas não é só uma questão de brigar com o meu cérebro para deixar meu coração falar. É também uma luta com o meu corpo inteiro para deixar o meu coração falar. É maravilhoso perceber isso. Espero que seja verdade, espero que a gente consiga oferecer isso para o público.

Sem dúvida, isso é algo marcante no trabalho de vocês. Acredito que “Deathless” deva causar também essa impressão no público, pois fala sobre uma situação de racismo que vocês viveram quando eram adolescentes em Paris, certo? Foi muito difícil reviver aquele momento para compor?
Foi difícil, mas não no sentido que você está pensando. Porque não foi nada perto das notícias sobre a brutalidade da polícia que vemos quase todos os dias nos jornais. Eu sei que o que aconteceu comigo não foi tão ruim assim, mas ao mesmo tempo não foi certo, então é importante falar sobre o assunto. Eu acredito que “Deathless” é mais do que uma música sobre a minha experiência pessoal, traz algo ligado à força e ao poder que cada um de nós têm. Todas as noites quando a gente percebe o público cantando “We are Deathless” com a gente, é algo muito poderoso de se ver.

E a participação do Kamasi Washington na gravação dessa música também a deixa ainda mais potente.
Sim! E foi mágico ter o Kamasi nessa. A gente enviou a música pra ele e ele devolveu com a parte dele e ficou tão perfeita… Parece que era pra ser!

Em “No Man Is Big Enough for My Arms” vocês também abordam a questão do feminismo, outro tema urgente da nossa sociedade, com as falas de um discurso da Michele Obama. Como vocês decidiram por esse caminho?
Era importante para nós fazermo isso. Eu li essa frase em um livro e pensei o quão forte ela é. Fiquei chocada porque pensei que eu nunca tinha dito algo assim pra alguém. Depois pensei que eu nunca tinha ouvido uma amiga dizer isso também. E eu já ouvi muitos amigos homens desmerecendo as mulheres e com essa certeza de que eles podem fazer tudo sozinhos, de que eles se bastam. Já nós mulheres, em nossa maioria, não realmente sentimos isso, ou pelo menos não expressamos.

E você acredita que podemos mudar essa realidade?
A única maneira de a gente mudar isso, é se uma ajudar a outra. A única maneira de chegar lá é dar a mão para outra, é a sororidade. Não adianta uma de nós chegar no topo e não colaborar para que outras cheguem também. Os homens se ajudaram por séculos e nós não. Isso é um grande problema. Mas eu penso que vai mudar, na verdade eu sou bem otimista em relação ao mundo e eu acredito que muitas mulheres estão descobrindo que elas não só podem, mas que também querem estar no topo, elas são ambiciosas e isso é muito bom.

Como você lida com isso pessoalmente?
Meu único jeito de lidar com isso é não me submeter a ninguém, nem eu nem a Naomi. Nós queremos ser 100% nós mesmas e se alguém disser pra gente fazer algo diferente, a gente pensa a respeito, mas as e a gente sente que é assim que temos que fazer, a gente vai fazer. Pra mim essa é a única maneira de quebrar esse famoso teto de vidro, sabe? A única maneira de isso mudar é se cada mulher for ela mesma, e escolher o caminho que elas quiserem para si mesmas.

Aproveite para ouvir Ash na íntegra por aqui:

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13/12/2017

Marília Feix

Marília Feix