Jorge Ben (Jor) em Porto Alegre

07/10/2014

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Revista NOIZE

Por: Revista NOIZE

Fotos:

07/10/2014

Fotos: Ariel Fagundes

Passada a emoção inicial da abertura, a oração fervorosa “Jorge da Capadócia”, eu me pergunto: seria assistir a Jorge Ben Jor trair um dos mandamentos de Jorge Ben? Mandamento Alquimista: Evitar qualquer relação com pessoas de temperamento sórdido. Jorge Ben, você por mim não chora, mas eu choro por você quando os arranjos que inventaram o suingue são substituídos por versões mais lentas, reggaes ou alguma batida estacionada nos anos 1980. Ao meu redor, entretanto, ninguém parece se importar, o que faz com que eu me sinta aquele fã chato que você deixou para trás quando se deixou pra trás, se reinventou. Entre ficar emburrada ou me entregar à adoração que tomou conta do Auditório Araújo Viana, em Porto Alegre, no último sábado (4/10), constato que ele já não gosta mais de mim, mas eu gosto dele mesmo assim.

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Em uma performance de Jorge Ben Jor, cuja carreira é tão extensa quanto repleta de hits, a audiência é um show à parte. Heterogênea, tem eleitores de Aécio e de Dilma, idosos que viveram a Era Vargas e gente jovem o suficiente pra só ter nascido depois da primeira reeleição de Lula. Unidos e em uníssono, representam o que os mais românticos chamariam de “vitória da música brasileira”: são tresloucados pelos sucessos de um Ben que se esforça em contemplar no repertório canções de todas as suas fases. Teve “Mas Que Nada”, do Samba Esquema Novo (1963), “O telefone tocou novamente” e “Take it easy my brother Charles”, de Força Bruta (1970), teve “Taj Mahal” e “Fio Maravilha”, de Ben (1972) (embora as versões fossem mais próximas das releituras de Tropical e do acústico MTV de 2002). “Ponta de Lança Africano (Umbabarauma)” foi introduzida por um momento de improviso admirável na companhia da Telecaster que passa o show inteiro grudada no corpo do homem. Quando as primeiras notas do clássico de África Brasil foram reconhecidas, o clima foi de rito pentecostal.

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O famigerado Tábua de Esmeralda(1974) foi representado na oração da abertura e em  “Magnólia”, “Os Alquimistas estão chegando” e “Zumbi”. O movimento “Queremos a Tábua de Esmeralda ao vivo”, no qual fãs famosos e anônimos imploram que o disco ganhe um show só pra ele, ainda não levou a obra de volta aos palcos, mas ajudou Jorge Ben a fazer as pazes com ela. Há anos, o Tábua era renegado por fazer parte da fase alquimista do músico, mais ou menos como Tim Maia rejeitava sua fase racional. Imaginem “Zumbi” com a velocidade reduzida em 80% e, mesmo assim, assistido com emoção por fãs antigos desconhecidos abraçados, emocionados, quase chorando, querendo furar a truculência protecionista dos seguranças e chegar pertinho do palco pra ver quando Zumbi chegar, o que vai acontecer. O Mandamento Africano é claro e foi logo compreendido rapidamente até por quem desconhecia a canção: Zumbi é quem manda.

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De costas para a plateia durante a maior parte do show, Jorge Ben era um maestro de olhos fixos e apaixonados na Banda do Zé Pretinho, formada pelos veteranos Lucas Fernandes (bateria), Lourival Costa (teclados), Neném da Cuíca, Dadi Carvalho (baixo) e pelos metais de Marlon Sete (trompete) e Jean Arnout (saxofone). Só foi fazer jus ao Mandamento Salve Simpatia, do disco homônimo, quando o “eu gosto tanto de você” de “Alcohol” foi convertido em “eu gosto tanto de vocês”. Com aquele mínimo de atenção ineditamente concedida, a plateia pira. Na passagem anterior por Porto Alegre, o contato com o público foi praticamente nulo. A energia de gente tão emocionada, tão efusiva na sua celebração dançante, com as letras tão orgulhosamente cantadas na ponta da língua e banhadas por uma iluminação tão potente e bem orquestrada, pareceu de fato conquistá-lo. E a emoção crescia com “Spyro Gyro”, “País Tropical”, “W/Brasil”, “Salve Simpatia” e “Do Leme ao Pontal”, já clássica homenagem ao síndico Tim Maia. Também rolou revival dos áureos tempos d’Os Mutantes com a indelével “Minha Menina”, a canção mais Jorge Ben da Tropicália (ou a mais Tropicália de Jorge Ben). Enquanto ele custava em tirar os olhos da banda, eu não conseguia deixar de olhar para o público.

Quando a multidão de meninas sobe ao palco a convite do músico, é sabido que o show se encaminha para o fim. Não sem antes serem tirados muitos selfies e concedidas muitas danças sensuais ao astro da noite, acompanhadas por gritarias desafinadas no microfone, em especial em “Gostosa”, clássica recente. Torço o nariz, um pouco de inveja, outro pouco de vontade de ver no palco as outras musas, que também são minhas. Jesualda, Dorothy, Dumingaz, Aparecida, Berenice, Katarina, Rita Jeep, Xica da Silva. Enquanto as meninas tiveram tempo de sobra pra celebrar no palco, só Ive Brussel e Betete brilharam no setlist.

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Ao contrário do que acusava a minha antipatia ressentida, Jorge Ben não perdeu nem nunca vai perder seu carisma. Não é o rei Nagô, que quando se foi deixou silêncio. Há cinco décadas oscilando entre sumiço e exposição, entre renegar o passado e surpreender no setlist, Jorge Ben continua fazendo samba e sambando. Cabe a nós ouvir como lamento ou canção de amor.

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07/10/2014

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