Aclamado pelo indie folk com letras melódicas, o músico José González tem uma história surpreendente – e conhecida por poucos. Seus pais, politicamente ativos, fugiram da Argentina após o golpe militar, em 1976, e conseguiram asilo político na Suécia, país onde nasceu. Sua carreira acadêmica foi repleta de atividades: cursou bioquímica, concluiu o mestrado e só deixou o doutorado de lado quando suas canções decolaram, em 2005.
Essa bagagem é o que forma seu jeito de pensar a condição humana, ponto de partida para o documentário “A Tiger in Paradise”, que estreou na MUBI na última sexta-feira, 8 de dezembro. Dirigido por Mikel Cee Karlsson, o filme revela não só as crenças do artista sobre o mundo, a filosofia, e a sociologia, mas também sua luta para restabelecer a saúde mental.
Há dez anos, José viveu alguns episódios psicóticos – uma condição em que não conseguia separar a fantasia da realidade. Ele passou a acreditar que estava sendo perseguido e que pessoas que não o conheciam mandavam mensagens sem parar, por exemplo. “Nesses casos, os problemas e as situações difíceis ficam tão grandes que ocupam toda a mente”, relata ao longo da narrativa. A rotina rigorosa que adotou para mudar sua vida conta com hábitos como dormir cedo, beber um copo de água pela manhã, se alimentar de forma saudável e fazer exercícios físicos regularmente. Smoothies são seus melhores aliados na busca pelo bem-estar.
A base de seu percurso é a ciência. O álbum lançado em 2007, In Our Nature, inclusive, foi influenciado pela produção do biólogo darwinista Richard Dawkins e das obras do especialista em ética Peter Singer. Porém, enquanto compõe as letras do quarto disco de estúdio e o primeiro em mais de seis anos, Local Valley (2021), o cantor retorna ao tema central – o que é verdadeiro e o que é criação de nossa mente?
“O filme traz minha saúde mental de um jeito que suscita a discussão, não necessariamente inspira os espectadores. Isso porque há outros temas que complementam o longa, como o existencialismo, a religião e o avanço da tecnologia, que podem deixar as pessoas um tanto ansiosas”, comenta José, em entrevista à Noize. “A ambição aqui é abordar como a humanidade vive nos tempos modernos e levantar debates.”
Delicado, o roteiro usa a narração como recurso para reunir confissões, análises e reflexões honestas. Uma delas chama atenção. “Será que, como cientista, eu poderia estar resolvendo problemas importantes?”, provoca. Segundo ele, a dúvida nasce pela dificuldade de mensurar o impacto de seu trabalho atual na sociedade. “Por ser um entusiasta da música, entendo o poder que ela tem de trazer energia e sentimentos. É difícil medir como posso ajudar pessoas porque não é algo óbvio até a gente responder uma entrevista como essa”, pontua o artista. “Por outro lado, é muito mais fácil entender a grandiosidade de um laboratório que tenta encontrar a cura para um vírus.”
A poesia vem nas belas imagens de seu lar, de sua família, da natureza que o envolve e através de montagens surrealistas. A trilha sonora, é claro, fica por conta das canções icônicas de sua trajetória. O resultado é um retrato de sua mente, de suas alegrias e, sobretudo, das dores sociais. Segundo Mikel, a ideia sempre foi fazer um filme mais pessoal. “Já produzi um documentário sobre o processo criativo de José. Dessa vez, queria levantar questões que nós achamos importantes e influenciam a maneira como interagimos uns com os outros. O processo de mostrar as camadas além da música foi muito interessante e divertido.”
A dupla colabora desde 2007, quando o diretor concebeu os videoclipes de González. “Nós lemos os mesmos livros e gostamos de pensar fora da caixa. Isso fez com que a gente se aproximasse a esse ponto. A gente usa um ao outro como fonte de inspiração e eu o uso como protagonista de obras que dizem o que quero falar”, completa o cineasta.
“A Tiger in Paradise” é produzido por Erik Hemmendorff e Plattform Produktion, companhia vencedora da Palma de Ouro e multiplamente indicada ao Oscar por “Triângulo da Tristeza” (2022) e “The Square: a Arte da Discórdia” (2018).
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