Psicodelia, folk e rap agitam o primeiro dia de Lollapalooza

13/03/2016

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Ingrid Flores

Por: Ingrid Flores

Fotos: I Hate Flash

13/03/2016

Feliz é aquele que chega de um festival e tira os calçados. Depois de um dia inteirinho de Lollapalooza, arrancar meus tênis empurrando um no outro e cair no sofá foi divino. Só não ganhou da maratona de sonoridades arrebatadoras que tive nas horas anteriores.

A programação deste ano me colocou em algumas saias justas. Que fique claro: isso não foi uma reclamação, até porque resmungar por ter bandas legais em excesso é loucura, e das ruins. Que maravilha se deparar com um line-up que convida o público a curtir o festival inteiro, em vez de um headliner só. Mas, diante de um cronograma tão ajustadinho, com tantas atrações deliciosas, em um espaço da imensidão do Autódromo de Interlagos, foi preciso fazer algumas escolhas. E, como disse certa feita o sábio Rafael Soares, filho do Jô, “escolher é perder sempre”. (A gente perde mas ganha também, né?)

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lollageralok

A primeira das minhas escolhas da noite foi aguardar pelos australianos do Tame Impala na frente do palco principal logo depois do Bad Religion, abdicando de alguns rolês bem legais. E, assim, o primeiro meio-show da noite pra mim incluiu o Greg Graffin invocando as entidades satânicas do rock and roll vestindo camisa polo e óculos de leitura. Foi lindo. Sem ironias.

Depois que a plateia deles começou a se retirar, eu e meu grupo de amigos fomos pra frente do palco. Logo notamos uma galera que não arredou o pé, e que rapidamente sentou pra aguardar. Até que avistamos as camisetas iguais e sacamos: aquelas pessoas estavam ali pra ver o Eminem, última atração da noite. Eram uma espécie de fã-clube, com uniforme e tudo. Trocamos uma ideia e eu garanti pra várias pessoas que, apesar da espera, elas iam curtir muito a psicodelia que aqueles caras traziam de Perth.

Ora, pois. Me enganei. Enquanto a multidão recebia aos berros Kevin Parker, Dominic Simper, Jay Watson e Julien Barbagallo, a galera do hip hop na primeira fila perdia o interesse na correria de Kevin no palco a cada chuva de papel colorido.

Ver aqueles australianos tão hypados entrando no palco e perceber que o visual despojado e postura levemente desajeitada não era lorota foi: uma realização. Enquanto transitava em meio ao infinito de pedais, guitarras, teclados, sintetizadores e demais instrumentos, Kevin, aquele geniozinho da psicodelia, não tinha a mínima pinta de rockstar. Parecia mesmo só estar interessado em mostrar a música que vinha fazendo, agradar quem queria ser agradado e não atrapalhar quem estava ali pra ver outro artista.

Tame Impala

E os demais integrantes, nem se fala. O telão mostrava uma performance razoavelmente agitada, mas ali da frente dava pra sacar que era só através dos movimentos das câmeras, porque os mates estavam concentradinhos na lisergia de guitarras que saía daquelas caixas e só. Menos um ponto com o público do Eminem ao meu lado, que parecia não entender a motivação de alguém pra ver uma banda com músicos tão… serenos.

Claro que o que saía das caixas de som não tinha nada de plácido.  O setlist deu prioridade ao disco mais recente, Currents, que tem uma pegada mais popzinha, mas não menos original que o anterior, Lonerism. “Let It Happen”, uma das faixas mais populares do novo álbum, apareceu bem no início – uma pedrada. Logo depois, rolou uma sequência de “Elephant” (com guitarras poderosas, é uma das faixas que melhor explicam porque o som dos caras já foi tão comparado com a fase LSD dos Beatles), “Yes I’m Changing” (calminha e alto astral, perfeita pra ouvir enquanto a noite caía) e o hit “The Less I Know The Better”, que Kevin anunciou como se já soubesse do frenesi que ia causar: “ok, Brasil, é hora da festa”.

E foi mesmo. A faixa que conta a história da cara apaixonado pela namorada de um tal de Trevor foi uma das que fez a galera cantar mais alto. Há rumores de que o Eminem dançou essa do camarim. Brincadeira.

O Tame Impala não exita em tocar seus instrumentais longos, perfeitos pra se esquecer de tudo e se embalar de olhos fechados. Por isso, depois de ouvir “Eventually” (uma das minhas favoritas) e sentir as ondas sonoras literalmente vibrando através de mim ali na frente  (gente, aquele som era mesmo potente), resolvi me afastar pra curtir de outro ângulo – e pra conseguir me mexer também.

Após atravessar um mar de gente, deu pra reconhecer de novo que aquilo era um festival. Primeiro pela quantidade de pessoas, das quais não era possível ter conhecimento de onde eu estava. Segundo, pela vibe “curtindo o som atmosférico do Tame Impala deitados na grama” que, ainda bem, estava rolando. Me juntei a essa galera sem medo de encostar na lama e absorvi o restante do setlist com uma brisa batendo no rosto e bastante espaço pra mexer o corpinho. Outra perspectiva dentro da mesma grande experiência.

Dali, assisti às chuvas de papel que coloriam o céu do Lollapalooza mais umas duas vezes, acompanhei o coro potente de “Feels Like We Only Go Backwards” e, é claro, ouvi muita gente exclamar “a música da Rihanna!” quando eles tocaram “New Person/Same Old Mistakes” – me controlando pra não me atravessar nas conversas e explicar que foi ela quem gravou um cover de Tame Impala, e não o contrário. Mas eu estava de boa, e o show acabando, então deixei quieto.

TameImpala1

Já era mais de 20h e eu havia dedicado quase todo o meu tempo aos australianos cabeludos. Hora de correr pro palco onde imediatamente começavam a tocar Mumford & Sons. O Autódromo de Interlagos não cansa de nos lembrar que ele é gigante, não é mesmo? Lá se foi mais uma das muitas caminhadas do dia.

Chegando ali, parecia que tinha outro planeta dentro do mesmo festival. A quantidade de gente na plateia dos britânicos era inacreditável – e nesse momento me dei conta de que nunca mais ia parar de me surpreender com o número de pessoas que estava naquele mesmo ambiente a fim de curtir música boa.

Soa bonito, né? Mas, infelizmente, o volume de pessoas fez com que eu não pudesse chegar perto o suficiente pra curtir o volume… da música. Primeiro, desconfiei de que tinha dado bobeira e perdido, sei lá, uns 85% da audição no show anterior. Depois achei que era a distância mesmo, já que muita que gente assistiu ao show anterior, Of Monsters And Men, e já ficou por ali esperando o próximo. Quem chegou depois teve que ficar longe. Mas depois de circular por diversos pontos na volta do palco e de observar a expressão no rosto do Marcus Mumford, que parecia puxar forças do núcleo de Terra pra cantar, e ainda assim não ouvir as músicas com tanta clareza, concluí que talvez fosse uma questão técnica mesmo.

Sabe o que é mais incrível de tudo isso? Perceber que a banda é boa o suficiente pra conquistar o público ainda assim. Donos de um Grammy de Melhor Disco por Babel, (2012), o Mumford & Sons mostrou que seu folk rock tem o poder de emocionar o público brasileiro, que os via ao vivo pela primeira vez.

mumford

Marcus Mumford

O terceiro álbum da banda, Wilder Mind, tem uma pegada mais indie rock (além menos interessante), e gerou críticas por ter deixado o som “caipira” (porém sofisticado) de lado. Ainda bem que eles deram prioridade aos banjos frenéticos dos dois primeiros trabalhos no show do Lollapalooza, até porque foram esses discos que rapidamente os transformaram em fenômeno internacional.

Por outro lado, quando tocaram faixas do novo, a plateia se mostrou receptiva. Deve ter algo a ver com a energia inacreditável que emanava daquilo tudo: do palco, da grama, da noite. E não é papo de repórter deslumbrada, não. No final do show, cansado de não conseguir se expressar em português, o vocalista chamou uma fã no palco e contou com o auxílio dela para traduzir suas grandiosas declarações de amor ao Brasil. “Esse foi o melhor show de nossas vidas”, declarou ele. É, gente. Somos um marco na carreira de Marcus (risos) e seus “filhos”.

No bis, rolou “I Will Wait”, um dos hits mais estrondosos da banda, e “The Wolf”, do disco mais recente. Um final perfeitamente equilibrado pro show da banda que torcemos pra que volte no palco principal na próxima edição.

A maior surpresa da noite, pra mim, foi Eminem. Ele parecia ser a atração que menos tinha a ver com o line-up do dia e, também, não parecia tão em evidência atualmente pra atrair um grande público por aqui. E, realmente, muita gente foi embora no horário do headliner da noite.

Eminem (Foto: G1)

Quem ficou, porém, curtiu um show intenso. O verdadeiro Slim Shady é mesmo um cara singular e sabe embalar uma plateia. Com uma voz mais grave do que parecia nos discos, o rapper engatava uma rima na outra de um jeito hipnotizante.

Apesar de letras com algumas mensagens violentas, ele parece ter o poder de fazer todo mundo prestar atenção nele e se divertir com seu som – ainda que, em boa parte do tempo, pareça que ele está xingando todo mundo enquanto canta. Brincadeira. Ou não.

O mais interessante de tudo foi perceber a quantidade absurda de hits que Eminem já emplacou. Cheguei lá sem grandes expectativas, achando que arranharia alguns refrões pra acompanhar a plateia, e me deparei com as rimas saindo da minha boca no automático, como se as estivesse escutado ontem. Claro, eu não era nada diante do menino do meu lado que cantou “Stan” do início ao fim como se estivesse com as cartas que Eminem lê na música diante dele.

A performance longa e animada teve o final ideal: “Lose Yourself”, um hino cantado em coro até por quem nunca assistiu a “8 Mile”. Depois de bastante xingamento e rimas razoavelmente perturbadoras (como em todos os duetos que ele já gravou com a Rihanna, sempre em torno da violência doméstica e de relacionamentos conturbados), foi bonito assistir ao encerramento do primeiro dia de festival com uma música mais alto astral do repertório do rapper.

Dia 1 do Lollapalooza 2016 fechou com pés cansados, ouvidos satisfeitos e, aposto, fãs do Eminem gratos por terem aguentado a animação dos fãs de Tame Impala lá na grade sem entender nossa motivação woodstockeana.

Saldo mais do que positivo.

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13/03/2016

Jornalista por formação, questionadora e overthinker por não conseguir evitar.
Ingrid Flores

Ingrid Flores