#BQVNC | A Luneta Mágica e a ascensão do rock que vem da Amazônia

11/01/2016

Powered by WP Bannerize

Por: Fabiano Post

Fotos: Divulgação

11/01/2016

A criação da luneta astronômica é envolta em muito diz que me diz. É obra patenteada em outubro de 1608 pelo fabricante de óculos, o alemão naturalizado holandês, Hans Lippershey. Porém há indícios históricos que apontam que um ano antes, em 1607, o astrônomo inglês Thomas Harriot, o “pai” do cometa Halley, teria construído um telescópio para observar o famoso astro celeste. Até mesmo o pai da ciência moderna, o astrônomo Galileu Galilei, buscou inspiração na obra patenteada de Lippershey, e criou seu próprio telescópio. Para evitar possíveis injustiças históricas, podemos dizer que a manufatura da luneta foi um job conjunto, a união de várias cabeças e esforços, em diferentes períodos.

Ajustando o nosso GPS do rock para as coordenadas 3º 6’ 26’’ S 60º 1’ 34’’ W chegamos à cidade de Manaus, onde uma luneta também foi criada, quatrocentos e tantos anos depois de sua precursora cientifica. Acústica e mágica, essa não foi feita para observação celestial e sim para ser ouvida em loop e sem restrições.

*

Engendrada em 2008 pelo guitarrista e vocal Pablo Henrique Araújo, a banda amazonense Luneta Mágica também teve vários parças que contribuíram artisticamente, em diferentes momentos, para a sua criação e patente. Hoje o quarteto, que já foi trio e quinteto; encabeçado por Pablo, conta com Erick Omena (guitarras, teclado, vocal), Daniel Freire (baixo) e Eron Oliveira (cozinha); é um belíssimo exemplar da atual cena, em ascensão, do rock manauara. Desde o seu registro primal, o EP Remédio pra Gripe, de 2011, a Luneta tem buscado amalgamar sua maturação artística. Para tanto, a criatividade e experimentações têm sido seu norte.

Parece que esse objetivo evolutivo está sendo alcançado, basta ouvirmos com atenção seu primeiro álbum, lançado em 2012: Amanhã Vai Ser o Melhor Dia da Sua Vida foi gravado em Manaus e mixado e masterizado em Buenos Aires, no estúdio Rainbug Multimedia. O álbum é uma fusão de experimentações diversas e usa recursos criativos próprios, apesar de um catatau de referências e estilos incorporados de maneira incidental e acidental. Tem pós-punk, rock, folk, bossa, indie e psicodelia. A banda consegue dar alma e personalidade próprias ao seu primeiro rebento; que foi inspirado de forma audaciosa e respeitosa no White Álbum dos Beatles. É uma digna homenagem; e tá bonito!

É no som de gente fina é outra coisa como: Beach Boys, Flaming Lips, Pink Floyd, Mutantes, Radiohead e outros tantos nessa linhagem virtuosa; e nos fellas que passam pelos mesmos perrengues corriqueiros do dia a dia que os caras buscam inspiração.

Como fruto do reconhecimento de seu primeiro rebento, a banda participou de importantes festivais em Manaus, como o Festival Amazonas Rock e o Festival Amazonas de Música no belíssimo e icônico Teatro Amazonas. Em 2013 rolaram alguns gigs, em São Paulo e Curitiba. Nada mal!

O segundo álbum, No Meu Peito, tinha material a rodo a ser peneirado, rolou triagem e o escambau para se definirem as 11 faixas. Foram praticamente dois anos assando no forno. Produzido por Diego Souza, mixado pelo produtor manauara Beto Montrezol e masterizado pelo engenheiro de som Fernando Sanches, que já trampou com Marcelo Camelo, Tulipa Ruiz, Criolo e por aí vai. O disco lançado em março de 2015, faz uma ponte convergente lógica e natural com o primeiro álbum. Porém há um nítido amadurecimento em relação ao primeiro em sua sonoridade. A batera eletrônica se faz presente e contribui para esse elo, porém o predomínio é da acústica. Para a banda essa ponte sonora, que une passado e presente, se justificam através do processo natural e de fluidez para a manufatura de No Meu Peito. A troca de cabeças da banda entre um registro e outro, contribuiu para que novas ideias surgissem e fluíssem, trazendo o mesmo ar fresco respirado e inspirado para manufatura de Amanhã Vai Ser o Melhor Dia da Sua Vida. Portanto o segundo álbum tem, também, aquele gostinho de primeira vez. Ainda que o resultado final seja uma evolução natural.

A faixa “Lulu”, segunda de No Meu Peito, se transformou no primeiro registro vídeo musical dos caras. Registra um rolê da “Lulu” em questão pelas ruas de Manaus. É prova que santo de casa faz milagre sim! Confere aí:

Resta-nos celebramos essa nova safra roqueira nortista, cheia de talento, vontade e ousadia, que deseja tomar de assalto o Brasil e o Mundo, porque não?! Os garotos manauaras da Luneta Mágica são dignos e fortes representantes da classe, podem e devem puxar esse bonde! Partiu!

Troquei uma ideia com o guitarrista Erick Omena, leia abaixo.

Luneta Mágica. De onde saiu a sacação para o nome da banda?
Foi pela paixão pelo livro do Joaquim Manuel de Macedo, de mesmo nome, marco do Realismo Fantástico no Brasil. Incrível a forma como a realidade traduzida no livro ainda sugere algo encantador, deslumbrante, misterioso, o que também buscamos expressar em nossas músicas.

Como e quando a banda se formou?
Pablo foi um dos fundadores em 2008. Então, no primeiro disco, convidou Eron – pelo qual ele já tinha uma admiração como músico – para fazer participações em algumas músicas gravando as linhas de bateria acústica, mesmo que o disco tenha a maioria de arranjos feitos por bateria eletrônica. O casamento foi tão bom que Eron passou a integrar a banda. Em seguida, a Luneta Mágica estava precisando de um guitarrista e foi quando eu conheci Pablo. Nossas afinidades eram muitas, logo, foi bastante natural um convite para compor a banda e eu aceitei. Após algumas mudanças, precisávamos de um baixista. Entrou Daniel Freire, uma opção extremamente óbvia para nós, também pelo tamanho das afinidades e pela admiração como artista. Assim, foi consolidada a formação atual.

Influências? Não necessariamente musicais, caso tenha!
Nós somos uma banda influenciada predominantemente por música brasileira. Adoramos os mestres tropicalistas. Também consumimos muito material clássico produzido fora do Brasil, desde Beach Boys a Flaming Lips. Porém, ainda temos influências não musicais. Gostamos de dizer que somos muito influenciados pela realidade que nos cerca, pelos amigos que nos acompanham e que passam por dificuldades similares às nossas, conseguindo sentir o que sentimos. Existe uma identificação e uma compreensão mútua, permitindo que eles interfiram até inconscientemente.

Como é a atual cena rock manauara?
A cena rock manauara é uma cena em ascensão. Nesses últimos tempos as bandas começaram a ter uma preocupação maior com a qualidade do trabalho e assim pudessem ultrapassar os limites da cidade e tornar a música amazonense mais plural. Hoje já é possível ver algumas bandas daqui agradando a crítica, ganhando espaço nacional e renovando a cultura local.

Como aspectos culturais regionais influenciam o som de vocês?
Aspectos culturais regionais nos influenciam de maneira intensa, porém não prioritária. Somos grandes admiradores da cidade de Manaus e da cultura enraizada em nosso povo, porém, ao contrário do que muitas pessoas imaginam, ela é uma cidade bastante cosmopolita, com as mesmas características de outras metrópoles e esses aspectos urbanos também aparecem em nossas músicas, assim como os aspectos do cotidiano. Chico Buarque em “Bye, Bye Brasil” tinha razão quando disse “aqui tá 42 graus”. Mesmo as pessoas vivendo diariamente com esse calor, ainda é muito difícil conviver com ele. Surgiu então a ideia de representar essa sensação de calor em uma música. Temos uma música chamada “Manaus 14h” que é um horário de sol escaldante. Nela, tentamos representar o estado quase desértico que sentimos. Posso assim dizer que é um tema pouco comum ao da cultura popular amazonense, porém é um tema marcante em nossas vidas. Temos também um apreço enorme pelo Largo São Sebastião, é uma praça localizada em frente ao famoso Teatro Amazonas, aonde as pessoas vão para se encontrar e conversar sobre a vida. A Luneta Mágica possui uma música de mesmo nome em homenagem à representatividade desse espaço em nossas lembranças.

Quem compõe na banda? E como se dá o processo?
Majoritariamente as músicas são de autoria de Pablo Araújo. Mas na condição de banda, procuramos deixar lacunas abertas para que os demais integrantes alterem as músicas quando bem acharem que convém. Nosso processo de composição acaba não tendo forma específica, pois, às vezes, Pablo dá o start, outras vezes Eron e em outras a banda começa por uma letra ou por uma melodia.

Cara ouvi todo o primeiro álbum de vocês, “Amanhã vai ser o melhor dia da sua vida”, de 2012! Achei bonzão!!! Existe um fluxo entre os dois registros? Como foi fazer essa “travessia”, entre a ponte, do registro primal para em “No Meu Peito”, de 2015?
Muito obrigado pela audição de nosso primeiro disco. Acreditamos que exista fluidez sim entre o primeiro e o segundo registro. Isso porque o processo foi muito natural. Acredito que uma banda que lança um primeiro disco, lança de maneira muito espontânea devido ao acúmulo de informação carregado durante a vida. No caso da Luneta Mágica, por termos passado por algumas formações entre os dois discos, mesmo o segundo acaba tendo um gosto de debut, já que entraram novas mentes que acrescentaram o que ainda não tinha sido registrado.

O segundo álbum flui de maneira bem objetiva, tem uma pegada mais vibrante com uma batera acústica, é um registro mais pop, mais rock, ainda que cheio de experimentações. Evidentemente se trata de um registro amadurecido da banda e pluralizado em sua sonoridade. Como foi esse processo?
Levamos quase dois anos para produzir o segundo disco, incluindo à pré-produção, produção, ensaios, gravação, mixagem e masterização. Lembro que fizemos o levantamento de 25 músicas que poderiam entrar no álbum. Decidimos um deadline onde iríamos fazer uma triagem e trabalhar com apenas 10 músicas, a priori. Após a escolha das 10 músicas, três outras ainda surgiram para compor o disco. Algumas que tinham sido escolhidas no primeiro momento saíram, e essas três entraram na seleção. No final, acabamos fechando “No meu peito” com 11 músicas. Durante o processo muita coisa ocorreu. “Mônica” que foi uma das primeiras canções escolhidas para compor o novo registro da banda passou por sete versões. “Só depois” era uma música com guitarras e bateria orgânica, até que decidimos vira-la de cabeça pra baixo e transforma-la em uma música eletrônica. O disco iria se chamar “Retratos do mundo flutuante”, porém, percebemos uma espontaneidade nas músicas que acabou ficando mais bem representada pela faixa “No meu peito” que encabeça o disco e funciona como uma Intro. Assim, mudamos.

Por exemplo, na faixa “Mantra”, ouço uma verve Mutantes, em “Sem Perceber”, Strokes.
Esses indícios fazem jus a essa pluralidade de “No Meu Peito”?

Muitos companheiros veem essa verve de Mutantes e também Secos e Molhados em “Mantra”. Talvez vocês tenham razão. Confesso que não paramos para estabelecer uma música que pareça com artista X, Y, ou Z. Somos muito influenciados por essas trupes, mas nossas pretensões eram apenas de tentar fazer uma boa música.

As musas “Lulu”, “Mônica” e “Rita”, respectivamente, são dirigidas a alguma personificação “real” feminina, que o valha?
Não necessariamente. Como arte, podemos deixar isso em aberto, especialmente porque não sei o que passou na cabeça de Pablo (autor dessas 3 canções); e acredito que não foi preciso que isso acontecesse para eu me identificar com a entidade que elas representam. Mas não podemos descartar a possibilidade.

Que enquadramento, ainda que um enquadramento seja um limitante das possibilidades artísticas, o som da banda se encaixaria? Aqui estou falando de estilo!
Tenho muita dificuldade em responder esse tipo de pergunta. Acho que posso dizer que Luneta Mágica é rock, mas não como soa o rock clássico, mas rock na atitude, na forma de ver, de tentar desbravar, ou de se desbravar.

Quem faz a arte da capa dos álbuns de vocês? É muito foda!
Nós somos completamente apaixonados pelos nossos parceiros da Bonk (coletivo paranaense de Curitiba). Eles já trabalhavam com a gente fazendo flyers lisérgicos para os eventos que a Luneta Mágica organizava em Manaus até que quando surgiu à oportunidade de produzir um segundo disco, naturalmente pensamos neles, de primeira. O resultado foi muito satisfatório para nós. Eles captaram o sentimento que pairava em nossas almas na época da produção com aquela feição de rosto firme, preste a emitir algum sentimento que não se sabe exatamente qual, e que poderia ser qualquer um que está espalhado pelas faixas do álbum.

Aqui, aqui e aqui você encontra mais sobre a Luneta.

Tags:, , , , , , , , , , , , , , ,

11/01/2016

Gaúcho, de Porto Alegre, vivendo a 15 anos no Rio de Janeiro. Colaborador da Vice Brasil e autor lusófono do portal de mídia cidadã Global Voices.

Fabiano Post