Mescalines apresentam sua musicalidade crua e ancestral em três shows pelo Brasil

29/02/2016

Powered by WP Bannerize

Por: Fabiano Post

Fotos: Divulgação

29/02/2016

A musicalidade crua e ancestral, o experimentalismo, o misticismo e os anos sessenta correm nas veias do Mescalines. E um pouco de peiote, também.

Sob a abóboda celeste pluralizada da cidade de São Paulo foi edificada a ponte artística entre o nordeste e o sul. É formada pelo batera e percussionista, baiano, de Feira de Santana, Mariô Onofre e pelo guitarrista e especialista na arte do dedilhar o exótico shamisen – instrumento de cordas japonês, o gaúcho, de Palmeiras das Missões, Jack Rubens.

*

Apesar da péssima fama atribuída aos excessos, duas das atribuições poéticas positivas do álcool são: fomentar grandes encontros e selar boas amizades. E foi justamente no níver do Rubens em 2012, depois de vários tragos, para lá de Bagdá e além Marrakesh, que o aniversariante e Mariô amalgamaram o Mescalines.

Tamanho não é documento, pelo menos para se fazer boa música. Dito isso, o duo power se encaixou como uma luva nas pretensões sonoras da banda. “O Jack Rubens é um guitarrista incrível”, Mariô, enaltece o seu parça. “Ele marca o tempo na guitarra como se fosse um baixo e faz o som que deveria fazer na guitarra ao mesmo tempo e isso me ajuda na hora de tocar e fazer o que eu quiser na batera”, conclui o baterista. Porém o duo não é um dogma chapado no concreto das impossibilidades. O futuro é uma incógnita. “Já experimentamos em vários shows tocar com outros músicos, já rolou até trompete e mais uma guitarra, que no caso foram respectivamente o Destemido Rei e o Marcelo Gross, da Cachorro Grande”, diz Mariô.

Uma das influências icônicas do Mescalines é Júpiter Apple. Em 2014 Mariô teve sua experiência, pelas esferas da psicodelia, com o gênio Flavio Basso. “Tive a oportunidade de trabalhar com ele em um disco que ainda não saiu, nem sei se sairá. Fizemos dois ou três shows por São Paulo. Ele me ajudou bastante como músico. Aprendi maneiras diferentes de tocar graças a ele, que também tem um grande conhecimento musical”, crava Onofre. “O Júpiter Apple não influência só o Mescalines. Acho que todas as bandas brasileiras deveriam escutar o Apple”, aconselha Mariô.

A desvocalização da banda em prol do instrumental sempre foi o intuito dos caras, desde o seu início. Nos seus primórdios a banda fazia covers de gente fina do blues e cantava algumas letras próprias. “Gostamos muito de blues e fazíamos covers de Willie Dixon e Hownlin Wolf, mas deixamos isso de lado e optamos pelo xamanismo mesmo”, confessa Mariô. A prova do crime. Abaixo um vídeo do Rubens e Mariô nos tempos em que a vocalização era uma possibilidade. Nada mal!

E por falar em xamanismo, eu perguntei ao Mariô sobre transas místicas, esotéricas, etéreas, estados alterados de consciência e tals do Mescalines, e ele disparou: “Eu particularmente curto esses lances, mas aprecio bem na real o nosso som que automaticamente se transforma em um mantra porque entramos em transe tocando.” Na bagagem o duo traz sua própria vivência de “alargamento da consciência” citada e vivenciada por Aldous Huxley em sua obra “As Portas da Percepção”. “Usamos peiote com os índios quando tiramos férias no México, o clima mexicano é ótimo pra isso. A nossa experiência com o peiote vem da nossa relação com os índios e a sua musicalidade; entrar em transe com eles é magnifico”, confidenciou Onofre.

As dificuldades de se fazer som instrumental no Brasil, segundo Mariô, não é tão mais complicado do que qualquer outro estilo. Mas a treta e o trampo valem a pena: “É difícil fazer qualquer música no Brasil, mas isso é normal em um país subdesenvolvido. Nosso país precisa de hospitais, de escolas, de um transporte digno às pessoas, que estão acostumadas a se preocupar com isso. A cultura nunca foi de fácil acesso nesse país e isso dificulta o trabalho de todos os artistas. Mesmo assim, é gratificante fazer arte no Brasil.”

Sobre a recepção do público ao som da banda, Mariô pôs a modéstia de lado e respondeu de bate pronto: “Cara, todos os lugares que tocamos até agora fomos muito bem compreendidos e muito bem recebidos pelo fato de ser diferente e esteticamente bonito aos olhos das pessoas, isso facilita nosso trabalho…[risos].” Ás custas da virtuose de seus dois sócios, o Mescalines é uma banda potente e concisa. A subversidade questionadora sessentista, a era dourada do rock, se faz presente na atitude e indumentária dos caras. Sem artificialismos se desnuda em suas vigorosas apresentações ao vivo e caga para modismos sonoros da hora. Olha para frente e segue sua senda de produzir música de altíssima estirpe.

12552974_1420152371362448_4248642773585433591_n

O Mescalines é um dínamo sonoro que se retroalimenta de experimentações e improvisos. A alma sonora é o blues rock que bebe na fonte do Blues roots do Delta do Mississippi. A banda é fomentada por ramificações diversas que sinalizam sua rota. Vão do jazz tradicional ao éter psicodélico; passando pelo rock garagem basicão até as mais exóticas pontes musicais e antropológicas como os povos nômades e o rock tuaregue do Saara; o misticismo da música xamânica e indígena sul-americana até a paixão e sensualidade da música gypsy. A música africana e a música oriental são xodós do duo e deixam seus rastros nesse salseiro musical de possibilidades, sempre em aberto. É uma porrada de camadas, estilos e sonoridades que se sobrepõem harmoniosamente, se complementam, universalizando, dando forma e musculatura bem definidas ao som do Mescalines.

Se faltava um álbum de estreia, não falta mais. No último dia 10/02 veio ao mundo o primogênito da banda, que atende pelo nome de seu progenitor, Mescalines. O registro foi lançado em show no Estúdio Lâmina, no último dia 13/02. Chega recheadão com aquele tantão de referências e estilos musicais já supracitados que eclodem em oito faixas cabulosas repletas de rock cruzão e experimental, puro sangue. É um trampo vigoroso, vertiginoso e refinado com seus estigmas, místicos transcendentais devidamente registrados como o blues xamânico fodaço, na sétima faixa, “Pássaro Vermelho II” que poria Jim Morrison em transe; ou a ritualística, primeira faixa, “Serpente De Bronze”, com a batida vigorosa, na cozinha de Mariô, tal qual um tambor tribal primitivo pulsando no ritmo do coração, e os acordes vibrantes e distorcidos da Harmony de Rubens, fazem correr eletricidade pela base da coluna; ou ainda a crescente e repleta de camadas “Nebulosa”, a sexta faixa te joga dentro de uma viagem dimensional lisérgica Sci-Fi. A capa do CD por si só é uma ode ao seu conteúdo, repleta de signos herméticos e místicos, o trampo da arte ficou a cargo da Fefa Romanova.

O álbum foi manufaturado em um único dia. Em diminutas e muito bem proveitosas cinco horas de gravação, todas as faixas gravadas em um ou dois takes, no máximo. Prova que a Mescalines adequa o tempo e espaço a suas necessidades. O registro e a mixagem ficaram a cargo de Tomás Oliveira no Estúdio Gerência. “O Tomás Oliveira que também é um incrível músico nos ajudou bastante para que esse disco existisse se não fosse por ele realmente não saberia se teríamos esse disco nas mãos.”, diz Mariô.

Os riffs fumetas, transições arrebatadoras, alterações nervosas promovidas pelo slide na guita de Jack Rubens; a batida monstra em variações secas e suingadas, que se alternam freneticamente, da batera de Mariô Onofre, fundem-se, dão pulso e marcam, criam uma aceleração contínua, e esse é o mote, em momentos variados, durante a execução das oito faixas álbum. Abaixo “Mescalines” na íntegra. Merece apreciação no talo…então aumenta o som da bagaça!

A psicoatividade dos mantras evocados pelo som da Mescalines abrem canais de percepção sutis que conduzem a realidades inacessíveis de pura contemplação. Feche os olhos, se permita, sinta e se deixe levar ao infinito das possibilidades!

Para quem estiver em São Paulo nesta terça, 01/03 e quiser conferir in loco o desempenho ao vivo dos caras, vai rolar um gig do Mescalines no espaço cultural Mundo Pensante. Depois, a dupla ruma para Brasília, onde se apresenta no Bendito Benedito Pub Bar, dia 04/03 e Goiânia, no Delirium Music Festival, Centro Cultural Martim Cerere, dia 06/03.

Tags:, , , , , , , , , , ,

29/02/2016

Gaúcho, de Porto Alegre, vivendo a 15 anos no Rio de Janeiro. Colaborador da Vice Brasil e autor lusófono do portal de mídia cidadã Global Voices.

Fabiano Post