Música de Periferia: Um papo com os criadores do portal Embrazado

15/09/2020

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Brenda Vidal

Por: Brenda Vidal

Fotos: Jeferson Delgado/Portal Kondzilla/Reprodução

15/09/2020

Tá oficialmente no ar o portal Embrazado! Hoje, dia 15 de setembro, marca uma fase potente do projeto dedicado a cavoucar, mapear, difundir e reverberar a música que ecoa pelos becos, vielas, vilas, favelas, enfim, pela periferia de norte a sul do país. Com reportagens, podcasts e vídeos, a iniciativa ganha apoio da Chamada Música em Movimento, um programa da Petrobras Cultural.

O que hoje pode ser acessado aqui é fruto da inventiva união de quatro pesquisadores pernambucanos: GG Albuquerque, Igor Marques, Rodrigo Édipo e Igor Jatobá. Instigados pela revolução criativa da música de periferia, eles inicialmente começaram a organizar uma festa local para tocar as novidades. Virou um sucesso. Da pista, eles partiram para um podcast e, agora, gerenciam um portal que é um verdadeiro documento histórico sobre os sons que vêm das margens.

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No podcast, fenômenos são tratados com suas devidas complexidades: a prisão do DJ Rennan da Penha, a relação entre cultura periférica e igrejas evangélicas, as mulheres no pagodão baiano e o trabalho dos produtores do bregafunk são algumas das temáticas já abordadas. No portal, você poderá dar um rolê por cenas contemporâneas como o funk mineiro, o beiradão amazonense, a cena de forró do Ceará, o reggae do Piauí e de Maranhão, e muito mais. Com o apoio do edital, o portal abrirá, em breve, uma convocatória pública para firmar parcerias com correspondentes locais que possam cobrir as cenas periféricas que ocorrem em seus estados.

O lançamento do portal Embrazado não poderia passar batido por aqui. Conversamos como metade do grupo; GG Albuquerque e Igor Marques bateram um papo com a NOIZE sobre o que há de embrazado na música periférica, de que forma o portal dará suporte à cena, o que ela tem a ensinar e quais são os artistas e gêneros que eles estão de olho e que são grandes apostas para viralizar. Solta o play e confira a entrevista:

Por que a música periférica é embrazada?
GG: Acho que as músicas periféricas são atravessadas por diversos afetos e estados de espíritos, incluindo os mais tristes, como a sofrência. Ainda assim, a ideia de embrazado atravessa muitos gêneros e práticas musicais das periferias brasileiras. Embrazar é um ímpeto revigorante de vitalidade, alegria e encantamento. É uma vontade incontrolável de se mexer e festejar. É a versão funkeira do axé, que nas religiões de matrizes africanas é a energia primordial da vida. Então, muitas músicas periféricas são regidas pela mentalidade e a corporalidade do embrazamento. Não como uma fuga da realidade, mas, ao contrário, como uma atividade na qual nos afastamos do cotidiano do mundo para nos fazermos mais fortes e capazes de viver nele e transformá-los.

Como a música periférica e suas redes estão sendo impactadas pela pandemia do Covid-19, que instituiu protocolos de segurança que inviabilizam aglomerações e eventos presenciais?
GG: Infelizmente, estão concentradas em gêneros musicais e artistas específicos. Enquanto as lives de forró e sertanejo custam de R$ 12 mil a R$ 400 mil, uma artista como a DJ Iasmin Turbininha (que já tem um nome consolidado no funk carioca) não consegue apoio financeiro para fazer uma live. Os DJs estão passando a produzir mais músicas e recebendo pela produção, sem renda de shows. Alguns artistas tiveram apoio do auxílio emergencial, mas muitos outros não. O que eu vejo é que muita gente está recorrendo a bicos ou voltando ao seu trabalho paralelo à música. Tem muito MC e dançarino trabalhando de ajudante de pedreiro ou cortando cabelo, por exemplo. Acho que a maior questão agora é pensar em ampliar e democratizar as conquistas da Lei Aldir Blanc para os artistas e produtores culturais da periferia. Pensar em mutirões e oficinas que possam informá-los sobre a lei e como se inscrever nos editais que virão dela é um ponto importante.

Vocês estabelecem três grandes objetivos com o portal: difundir, capacitar e fomentar as produções culturais periféricas. Como tá sendo implementar isso no contexto incerto que vivemos e que tem atingido até quem está na grande indústria musical?
GG: A pandemia afetou bastante o nosso projeto, que agora vai ter que ser feito todo remotamente pela internet. Perdemos um pouco da nossa potência, mas ainda somos orientados por esses três princípios, de diferentes maneiras. Difundir tem a ver com o olhar jornalístico e investigativo que estamos propondo para essas cenas que foram historicamente excluídas ou negligenciadas pela crítica cultural. Mapear essas cenas, contemporâneas ou históricas, é o primeiro passo para se formar uma historiografia sobre essas culturas musicais para que elas possam entrar na memória da música brasileira. Antes de nós, outras pessoas se empenharam nesse trabalho. Mas ainda há muito a se fazer. Capacitar é estimular mais e mais pessoas a produzir um trabalho sobre essa cena, sobre sua realidade na periferia. Faremos uma oficina de redação jornalística para alunos do ensino médio de escolas públicas, sempre buscando o diálogo, sem nenhuma imposição vertical. A ideia é tentar mostrar como eles podem abordar fenômenos que são próximos a eles de um modo jornalístico, tentando estimular a multiplicação dessas narrativas. Não queremos “ensinar”, mostrar o modo “certo” de se contar uma história ou de se construir uma narrativa. Nossa proposta é mostrar e oferecer uma possibilidade, dentre várias possíveis, de pensar a realidade cultural que os cerca, a partir da nossa experiência enquanto pesquisadores e jornalistas. E fomentar tem a ver com o fortalecimento das conexões entre as diversas cenas musicais do país. Vamos realizar intercâmbios artísticos, com artistas de diferentes regiões gravando músicas juntos. A ideia é unir, por exemplo, uma cantora de pagodão baiano com um DJ de bregafunk do Recife. Ou chamar um MC mineiro para cantar em uma música feita por uma DJ de tecnomelody de Belém. Tentar fazer essas conexões se espalharem mais e mais — e, claro, remunerando os artistas pelo seu trabalho. Ainda com o intuito de fomentar, vamos abrir uma convocatória para que pessoas possam escrever para o site (também recebendo cachê). E essa convocatória tem entre os seus critérios de seleção a diversidade de gênero e a vivência em regiões periféricas. Assim, vamos estimular narrativas sobre a periferia produzidas pelas pessoas que vivem na periferia.

Através das pesquisas acadêmicas que cada um desenvolve e o trabalho de difusão pelo Embrazado, enxergo vocês como pontes entre mundos bem diferentes, periferia, academia e produção de conteúdo. Como é o tráfego por esses ambientes? A academia ainda segue como um espaço não receptivo aos saberes periféricos?
GG: Acho que isso muda em relação a cada área. Na musicologia, por exemplo, sinto que ainda há um certo desconhecimento, apesar das pesquisas valiosas de gente como Carlos Palombini. Eu sou de comunicação. Concluí o mestrado e iniciei o doutorado tudo em 2020, e acho que é uma área bem mais aberta, até pela imensidade que gêneros como o funk possuem nas plataformas digitais. Mas, a meu ver, ainda precisamos avançar na discussão sobre os procedimentos criativos destes artistas da periferia. Não só por ter criado uma expressividade sonora muito particular e única, mas também pela sofisticação e pelos novos parâmetros de criação musical que estão nas pautas dos DJs/produtores. Eles não falam sobre melodia, harmonia ou ritmo. É um debate muito refinado que toca em assuntos como a percepção física do tempo (vide a aceleração dos BPMs do funk carioca), as frequências do som (o beat grave e agudo do funk mineiro), a relação entre corpo e música (vide o passinho dos maloka), os softwares de edição. É uma outra forma de se pensar a música e também um outro modo de imersão no ato criativo, que passa por uma relação íntima com os dispositivos tecnológicos, fazendo uma apropriação criativa destes. 

Igor: A gente faz parte de uma geração de estudantes que ingressaram na universidade após consolidação do sistema de cotas. É um contexto único na história da produção científica no país, com a política de cotas contribuindo de modo seminal na democratização do ensino superior. É notável o quanto esse mecanismo tem gerado um enriquecimento de mais pesquisas sobre cultura popular. Digo isso pra ressaltar que apesar da universidade ainda ser um privilégio para poucos, na última década a gente tem visto resultados que apontam para uma proximidade maior entre a universidades e as periferias. Já sobre o trânsito entre a academia e a comunicação, eu enxergo como movimento que deveria ser natural para o conhecimento científico, que tem como dever apresentar soluções para problemas sociais. Digo isso como cientista social em formação e também como técnico em comunicação visual. Trabalhos acadêmicos não deveriam morrer na universidade pública, a gente cria problemas de pesquisas para gerar contribuições para a sociedade. Então, eu vejo a comunicação como uma possibilidade para que essas pesquisas cheguem a mais pessoas. Valendo reconhecer também que muitos não conseguem fazer esse trânsito por falta de incentivo mesmo, nesse sentido é importantíssimo o edital da Petrobras dando valor ao projeto e potencializando nossas pesquisas.

Igor Marques e GG Albuquerque (Foto: Andre Soares)

 

E, de modo sintético, como é a dinâmica da periferia por região do país? O que tem sido produzido nas periferias de diferentes cantos do Brasil que as diferem? 
Igor: As periferias têm dinâmicas muito diferentes, mas se fosse pra apostar numa definição comum a todas elas, diria que a maior característica é a pluralidade e a invenção criativa. Com as pesquisas que a gente vem realizando ao longo dos anos, é muito visível como as periferias brasileiras são vanguardas artísticas há décadas. Desde as aparelhagens do Pará, com ritmos super acelerados, ao brega romântico recifense, cada uma tem riquezas culturais e artísticas únicas. Então, tem muita coisa sendo produzida ao mesmo tempo, do bregafunk do Recife ao beiradão amazonense, do forró de favela do Ceará ao reggae remix no Piauí e no Maranhão, é bom ficar atento que mesmo dentro dessas cenas tem criações e potências criativas muito valiosas e diferentes entre si. Por isso, apostaria na diversidade como elo entre essas cenas. 

O que vocês aprendem com a música periférica? 
Igor: Poxa, a gente aprende tantas coisas que fica difícil tentar sintetizar… Pensando aqui, talvez o que mais me toca é a expansão de sensibilidades com a musicalidade e também com as histórias das pessoas, por que eu sinto a música como documento histórico. E falando de música periférica, a gente pode ver como muita história deixou de ser contada por preconceito ou mesmo surdez de certos setores da sociedade que vem negligenciando a potência criativa de tanta gente, sabe? 

Vocês abrirão vagas para correspondentes no portal. Qual é o perfil dos e das correspondentes que vocês almejam? 
Igor: A gente tá buscando a participação de quem curte as músicas que são produzidas nas quebradas das regiões metropolitanas de BelémPA , Belo Horizonte – MG, Recife – PE, Rio de Janeiro – RJ e Salvador – BA, que são as capitais diretamente contempladas pelo projeto que foi aprovado pelo edital Petrobras Cultural. Vamos selecionar um correspondente para cada cidade, eles vão receber uma bolsa de R$400,00 para produção de conteúdo em texto e/ou imagem. Na nossa seleção, serão priorizadas pessoas residentes em zonas periféricas, prezando também pela diversidade de gênero e raça. Isso por que o Embrazado quer impulsionar não somente as cenas musicais desses lugares. Quer estimular também a reflexão e documentação sobre os movimentos musicais, artistas, produtores e os trabalhadores das músicas periféricas que são historicamente negligenciados das grandes narrativas da música brasileira. Nesse sentido, as pessoas que têm proximidade com essas cenas têm um papel importantíssimo para entendermos as imbricações que a música tem com as culturas nas periferias dessas cidades.  

Quais são as cenas que vocês apostam para estourar nesse fim de ano e começo do que vem?
GG: É sempre complicado indicar cenas ou artistas que possam estourar porque essas coisas fazem sucesso quando menos se espera. O bregafunk existia há quase dez anos quando MC Loma estourou com “Envolvimento”, por exemplo. E esse ano as coisas se complicaram por causa da pandemia. Muito artista ficou parado ou, pelo menos, diminuiu o ritmo de produção. Mas entre as coisas que vale a pena ficar de olho, destaco o Grime. É uma cena que já vem acontecendo há uns anos e começou a ser noticiada por muitos canais e sites de rap. O estilo vem de Londres e aportou no Brasil com Vandal, de Salvador, e Bakkari, de Fortaleza, mas depois no Rio de Janeiro muitos nomes se uniram e a coisa ganhou cara de cena mesmo, com SD9, Fleezus, Leall, VND. Dentre esse pessoal do Grime carioca, destaco a N.I.N.A., que tem feito ótimos sons, como “A Bruta, A Braba, A Forte” e “Identidade”, que mostram um potencial enorme. Tem também a cena cearense do Forró de Favela (tema do nosso próximo podcast que sai dia 17/09). Aí vale ficar atento em Danieze Santiago, cantora romântica que já é uma estrela em muitos estados nordestinos e em breve deve alcançar o patamar nacional. E quero indicar também o Aguidavis do Jeje, um grupo afropercussivo de tradição Jêje-Mahin, do Terreiro do Bogum, em Salvador. O primeiro disco deles está previsto para ser lançado este ano pelos selos QTV e Rocinante.
Igor: Além do que GG apontou, eu tenho observado uma renovação de geração interessante no arrocha, aquele mais romântico, da sofrência. Isso porque nomes como Malu, Kevi Jonny e Anna Catarina têm conquistado públicos grandes em diferentes regiões do país. A Malu, por exemplo, tem feito um sucesso surreal entre os caminhoneiros. Outra aposta é a Priscila Senna, que tem uma carreira de 15 anos já consolidada no brega romântico do Recife e tem ganhado mais espaço pelo nordeste desde o ano passado, quando passou a investir no sertanejo e principalmente no arrocha. 

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15/09/2020

Brenda Vidal

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