Naná Vasconcelos, o maestro que comandou o carnaval de Recife

24/02/2025

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Por: Camila Estephania

Fotos: Divulgação/ João Rogério Filho

24/02/2025

De 2002 a 2016, Naná Vasconcelos comandou o ritmo de mais de 500 batuqueiros na sexta-feira pré-carnaval do Recife. A cada ano, reunia mais foliões para fazer tremer o Marco Zero da capital pernambucana. Um desses grupos tocados pela mágica do percussionista foi o Almirante do Forte, que entrou para o time em 2007. Não foi por falta de vontade que o grupo não participou antes, mas sim por falta de estrutura. Apesar do Mestre Teté, que preside o grupo, ter tentado desde o início, faltavam alfaias. 

 A confiança do artista no potencial do Almirante foi o incentivo fundamental para que o grupo lutasse por novos instrumentos até alcançar o quórum necessário para entrar no batuque. Quando a agremiação atingiu a meta, Naná garantiu um espaço dentro da sua seleção de maracatus. Na época, eles eram uma aposta entre grupos seculares como o Estrela Brilhante e Porto Rico. “O que ele fazia era muito importante, porque todos os mestres subiam no palco com ele, um babalorixá e as cantoras do Voz Nagô. Em qualquer lugar do mundo que o Naná visitava, ele falava do que fazia aqui com a gente, então todo mundo queria conhecer”, lembra Mestre Teté. 

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A oportunidade oferecida no Carnaval, até mesmo para os grupos que não estivessem em tanta evidência, conferia uma legitimidade cultural, que reforçava a identidade dessas comunidades. Por exemplo, o Almirante do Forte foi criado em 1931 como Maracatu de Baque Solto e assim permaneceu até 1970, quando se tornou Maracatu Nação, ou seja, de Baque Virado. Essa transformação representa o momento em que a agremiação passou a reverenciar a sua ancestralidade e, especialmente após a aproximação com Naná, passou a ser conhecida como um lugar de resgate da negritude. 

Isso acontece porque o maracatu Nação tem origem no século XVII, quando soberanos negros do Congo e de Angola eram coroados na Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, no Recife. Para celebrar essas realezas, eram feitos cortejos que, com o tempo, também passaram a acontecer no carnaval. A partir de então, a atividade ganhou o nome de maracatu, um termo usado de forma pejorativa para se referir a um “ajuntamento de negros e batuques”, o que mais tarde foi apropriado e ressignificado.

Essa raiz ainda se reflete na prática das nações atuais, que ainda mantêm a configuração formada por uma corte e pelos batuqueiros. Desse modo, são apresentadas as figuras do rei, rainha, o porta-estandarte e a dama do paço, a responsável por carregar a calunga, elemento detentor do axé e da força dos antepassados, geralmente ligada ao candomblé. Por isso, antes do Carnaval, todas as nações se protegem fazendo “obrigações”: oferendas dedicadas aos orixás, e outros rituais para purificar a calunga.

Tu maraca

Não é à toa, o evento era sagrado para Naná, que sempre destacava a abertura da folia como um momento para pedir a bênção dos santos e dos orixás. A magia por trás desse momento também transbordava na sua habilidade em fazer tantas nações diferentes pulsarem no mesmo ritmo, superando as diferenças entre os grupos, que tem seu próprio baque (batida) e maneiras particulares. Ele gostava de definir esse trabalho como uma “celebração das similaridades e exaltação das diferenças”.

“Não sei o que acontecia quando ele dizia ‘tu maraca’, todo mundo tocava certinho. É normal que aconteça um erro ou outro, mas com ele ninguém errava”, lembra o Mestre Teté. Segundo ele, bastavam apenas três ensaios, um na sede do Maracatu, e outros dois na Rua da Moeda, junto com os demais grupos. Era nesse momento que Naná ajustava os detalhes e explicava que ninguém toca sozinho, todos pulsavam como células do mesmo organismo.

Um trabalho heroico que, junto à carreira brilhante como percussionista, lhe rendeu a Medalha de Ordem do Mérito dos Guararapes, no grau Grã-Cruz. A comenda estadual foi entregue na abertura do Carnaval do Recife de 2013, pelo então governador de Pernambuco Eduardo Campos, também já falecido. Na época, o político destacou para a Folha de São Paulo a importância do percussionista para a juventude, por ser alguém que “mudou a vida de muitos pobres das periferias, que viram nele a oportunidade de crescer e desenvolver os seus talentos”.   

Essa observação parte do interesse constante de Naná em inserir a música no cotidiano das crianças. O projeto “Língua Mãe” é um exemplo das iniciativas do pernambucano para defender a inclusão do ensino de música nas escolas públicas brasileiras. Além disso, oferecia oficinas de percussão para os jovens, como aconteceu no Cambinda Estrela e no Estrela Brilhante. “Ele botava as crianças para tocar, se preocupava com isso, porque queria nossa continuidade. Dizia que era dos meninos que vinham as pessoas grandes”, relembra Mestre Teté.

Carnaval como fio condutor

Talvez o trabalho fosse a sua maneira de saciar a fome de aprendizado do menino curioso que ele foi um dia. Sem acesso às aulas de música, Naná descobriu a arte sozinho. Após batucar muito nas caçarolas de casa, seu pai, Pierre Vasconcelos, o levou para tocar na boate da sede do bloco Batutas de São José, onde o patriarca tocava manola, o violão tenor. Naná tinha apenas 11 anos e precisou de autorização do Juizado de Menores para participar da banda sob a condição de jamais descer do palco. Ali, entre um baile de carnaval e outro, a folia ensinou para o garoto as bases do ritmo. 

Quando Pierre faleceu em 1957, Naná entrou no lugar dele na Banda Municipal do Recife, aos 13 anos. No entanto, como arquivista, sua função se resumia a entregar partituras para os músicos sem poder tocar nos instrumentos. Insatisfeito com esse papel, Naná comprou uma bateria à prestação e passou a estudar sozinho no camarim do teatro, onde a banda ensaiava. O que aprendia como autodidata, ecostumava aplicar às músicas que ouvia no rádio, as transformando em sambas.

O talento para executar novas músicas com perfeição foi o diferencial na hora de garantir a sua vaga como baterista em grupos de jazz do Recife. A experiência que ele somou a partir disso lapidou a autoconfiança que o levou a se apresentar para Capiba. Naná era o único músico capaz de defender o maracatu “Dia Cheio de Ogum”, de autoria do compositor, no festival O Brasil Canta, apresentado no Rio de Janeiro, em 1967.

Na época, Capiba já vinha se consagrando como o maior compositor do Carnaval pernambucano. Para se ter uma ideia, quatro anos antes, ele havia escrito “Madeira que cupim não rói” para o hino do bloco Madeira do Rosarinho, que tornou-se uma das músicas mais emblemáticas do cancioneiro. Embora Naná não tenha ido para o Rio defender os famosos frevos do autor, pode-se dizer que ter chegado lá através de um maracatu de Capiba foi a bênção carnavalesca que o destino orquestrou para abrir os caminhos do percussionista.

Apesar de não ter vencido o festival, ele saiu vitorioso da competição. Seu prêmio foram as amizades, como a do conterrâneo Geraldo Azevedo e Milton Nascimento. Encantado com a musicalidade de Naná, o mineiro o convidou para gravar no seu terceiro disco em 1969. Pouco depois, o saxofonista argentino Gato Barbieri conheceu o trabalho do pernambucano e o convidou para acompanhá-lo em turnês pela América Latina, Estados Unidos e Europa. Em 1970, Naná resolveu se fixar em Paris, onde morou por seis anos. Depois viveu nos EUA por mais 27 anos até voltar a morar no Recife, em 2000. 

Nas suas andanças pelo mundo, conheceu o cineasta italiano Bernardo Bertolucci, que o definia não como “músico”, mas como “a música”. Essa acepção do percussionista o representa e até justifica porque ele dizia que nunca havia deixado Pernambuco, mesmo após viver décadas fora do país. Enquanto música, Naná continuou ecoando nas ruas e no baque das alfaias, que seguem tocando durante o ano inteiro para se encontrar no Carnaval, e agora também celebrar o seu legado. 

Esta matéria foi publicada originalmente na Revista Noize que acompanha o vinil de Itamar Assumpção e Naná Vasconcelos “Isso Vai Dar Repercussão”, lançado em 2022.

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