Nasce o Selo Voodoohop

13/06/2016

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Caroline Barrueco

Por: Caroline Barrueco

Fotos: Divulgação

13/06/2016

A Voodoohop acaba de lançar seu primeiro álbum, e ele está cheio de tracks inéditas produzidas em todos os cantos do mundo. De uma casinha no meio do mato da Chapada Diamantina, até os Alpes suíços, Entropia Coletiva I, o primeiro EP do coletivo, é uma síntese vibrante de todas as nuances desse grupo.

Criada em 2009 pela francesa Laurence Trille e o pelo alemão Thomas Haferlach, a festa Voodoohop sempre incentivou encontros e misturas em ambientes compostos por performances, decoração imersiva, projeções e instalações interativas. A música sempre foi mais um elemento a serviço de uma experiência multissensorial. Sua escolha por festas na rua e no centro da cidade foi incorporada por outros coletivos e hoje é parte da cultura independente de música eletrônica de São Paulo.

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Há anos existe a vontade de lançar um álbum coletivo, mas era tanta festa, que ninguém conseguia se concentrar em qualquer outra coisa.  Em 2015, porém, os membros do coletivo se espalharam pelo mundo e esse movimento possibilitou a concentração e maturidade necessárias para que o álbum Entropia Coletiva I nascesse. Esse álbum dá inicio aos trabalhos do selo Voodoohop, que pretende, nos próximos meses, lançar novas músicas inéditas de produtores da cena eletrônica mundial.

A segunda lei da termodinâmica é provavelmente a lei da física menos questionada de todas: a entropia tende a aumentar. Entropia é o nível de descontrole que temos sobre um sistema, e a Voodoohop é, na sua essência, a pura falta de controle. Incapaz de qualquer disciplina, a Voodoohop é uma rachadura no espaço-tempo, que proporciona explosões de hedonismo e caos. Ao abrir mão da organização em nome do acaso, a Voodoohop encontra sua força. E essa escolha também impede o seu progresso no sentido capitalista da palavra, e tudo bem.  É interessante acompanhar sistemas que preferem o encontro ao lucro, e como o DJ e produtor musical, Dunwich descreveu: “essa coletânea é mais um encontro”.

Apesar de não ter qualquer plano de divulgação, Entropia Coletiva I teve uma ótima recepção no Bandcamp, e na sua semana de lançamento ficou em primeiro lugar nas tags “downtempo”, “psichedelic” e “Brazil”. O álbum pode ser baixado de graça, ou com uma doação espontânea. O valor que for arrecadado através da compra do disco no Bandcamp vai ser revertido para a produção de uma edição especial em vinil da coletânea.

Conversamos com alguns dos produtores que participaram desse primeiro álbum, para que descrevessem suas tracks e seus processos de composição. Por curiosidade, também pedimos para que alguns participantes mostrassem uma foto do local onde estavam quando produziram sua track. Aos interessados por música eletrônica, mostramos uma janela para a [des]organização de alguns colegas:

A Macaca

A macaca produziu sua música na Chapada Diamantina, em parceria com Peter Power.

A macaca produziu sua música na Chapada Diamantina, em parceria com Peter Power.

Depois de muitos anos morando em São Paulo, em 2015, a francesa Laurence Trille se mudou para a Chapada Diamantina e de lá fez a produção e curadoria de Entropia Coletiva I, juntamente com Peter Power e Thomas Haferlach. Sobre a escolha dos artistas que participaram, Laurence conta que sente falta de mulheres: “eu queria mais tracks com energia feminina, mas percebi que ainda são poucas mulheres produzindo”, dos 16 artistas que participaram do álbum, quatro são mulheres.

A faixa que Laurence compôs em parceria com o músico irlandês Peter Power foi inspirada pela psicodelia e pela natureza da Chapada Diamantina: “A gente estava estudando teoria musical na Escola Gravitacional do Vale do Capão, e essa música surgiu como um exercício. Pegamos o violão e decidimos afiná-lo em 422hz para dar sonoridade mais oriental, o Peter gravou o violão e o acid synth e eu gravei o pandeiro, a moringa e a minha voz. Foi um processo de uma tarde inteira. Teve um momento que a gente discordou um pouco e eu saí pensando que não ia fazer mais nada com aquela música. Fui lá fora cuidar da horta e assistir ao pôr-do-sol, e de longe, escutando a música que estava saindo do estúdio, fiquei brisando com as plantas e a letra me veio bem naturalmente.”

Nos próximos meses Laurence quer continuar se dedicando aos encontros e produções do recém nascido selo Voodoohop, para lançar tracks de novos artistas e amigos. “To num processo de me afastar do papel de DJ. Agora quero investir em produzir com outras pessoas, gosto muito daquela sensibilidade que você tem que manter para compor um com o outro, deixar seu ego quieto e abrir espaço para ser permeado pelo outro, para que todas as vozes se escutem, nenhuma dominação, pura doação e criação. Sempre me interessei mais pelo processo coletivo do que individual, por isso gastei mais energia para o coletivo da Voodoo do que para minha carreira de DJ, mas agora to animada com esses novos projetos. Pensei em começar a tocar com esse novo projeto em sistemas penitenciários, hospitais, universidades (não só de arte), a festa na rua foi um primeiro passo mas agora quero um outro nível de abertura e mistura. Criar mais pontes entre mundos afastados que nem sabem precisam um do outro.”

Peter Power

Peter Power: “primeira parte, criação, segunda parte, técnica, terceira parte, meditação.”

Peter Power: “primeira parte, criação, segunda parte, técnica, terceira parte, meditação.”

O músico irlandês Peter Power cuidava do selo europeu Kleine Reise e do clube de mesmo nome, quando, em 2013 conheceu a Voodoohop, que estava de passagem por Berlim. Depois disso, ele se mudou para São Paulo, acabou se juntando ao coletivo e ajudando a produzir e lançar o Entropia Coletiva I. O que chamou atenção de Peter foi que a Voodoohop é “livre para se transformar e não está presa em um formato particular, têm muitos participantes que vêm de todos os tipos de disciplina e estão constantemente inspirando uns aos outros”, e, segundo Peter, assim como o título do álbum, o grupo está “organizado, mas sempre indo em direção à desordem. Entendendo os limites para depois quebrá-los”.

Nos próximos meses Peter pretende passar por Berlim, e de lá continuar produzindo o selo Voodoohop: “o selo é uma plataforma para que músicos e amigos do coletivo possam manifestar suas criações na esfera pública. Nós acreditamos profundamente no direito à música livre e grátis, e queremos lançar essas criações da forma mais fluida e pura possível. E é por isso que lançar de forma independente e com a possibilidade de doação pelo Bandcamp funciona tão bem. É uma maneira de crescer organicamente e sem stress, já que eliminamos todas as complicações de se lidar com os meios convencionais de promoção e marketing.”

Xique-Xique

Bibiana Graeff e Xavier Dunwich produziram suas faixas entre os Alpes suíços, São Paulo e a roça de Minas Gerais.

Bibiana Graeff e Xavier Dunwich produziram suas faixas entre os Alpes suíços, São Paulo e a roça de Minas Gerais.

O DJ e produtor musical francês Xavier Dunwich tem duas participações em Entropia Coletiva I,a faixa “Gibbus” é uma parceria com EXZ. “Amo essa música porque da pra ouvir claramente as nossas duas influências juntas”, conta Dunwich.

Recentemente Dunwich, produziu, juntamente com a produtora e musicista, Bibiana Graeff,  um ep inteiro sob a influência das ondas “lentas, orgânicas e hipnóticas” da Voodoohop, e assim surgiu o projeto Xique-Xique. Sobre o processo de criação de Protetores & Orixás, a faixa de Xique-Xique que está em Entropia Coletiva I: “Biba e eu já tínhamos decidido que tentaríamos usar as vozes de um disco antigo de Umbanda chamado ‘Abertura e Encerramento  – Umbanda nas 7 linhas, de Carlos Buby’. Comecei trabalhar numa direção quando estava de viagem na Suiça, em Março. Fiquei num vilarejo na montanha chamado Grimentz, onde caiu muita neve a semana onde estava lá. Ficava dentro de casa a maior parte do tempo e tive muita inspiração pelo contraste entre o lugar -frio- onde estava, e os timbres – brasileiros- que eu manipulava. Quando achei algo, mandei para a Biba, pra saber o que ela achava da direção da música e do uso da voz. Ela gostou, terminamos a mixagem uns dois meses depois, em Heliodora, na casa do Pedro Vieira” (que também participa do álbum sob o nome ‘DJ Foi Mal’).

Para Dunwich o álbum Entropia Coletiva I acaba refletindo o que cada um dos participantes acredita que defina a Voodoohop. “Não recebemos nenhuma indicação a respeito do estilo da coletânea, acredito que cada um tentou entregar uma coisa que combinava com o estilo do coletivo, como se cada um tentasse de definir o espírito do coletivo a través de uma música.”

Talvez a artista mais polivalente do álbum, a gaúcha Bibiana Graeff já fez parte de inúmeros projetos musicais. Além de compor música eletrônica, ela já cantou e tocou teclado em bandas como Space Rave e Júpiter Maçã. Agora ela está experimentando a mistura de batuques eletrônicos e brasilidades no projeto Xique-Xique, em parceria com Dunwich. O primeiro EP do projeto está sendo finalizado e será lançado em breve pelo selo berlinense The Magic Movement. Além disso, Bibiana acabou de lançar outro EP, com seu projeto Anvil FX, pelo selo belga Draft Records.

URUBU Marinka

Estúdio da URUBU Marinka, em Leipzig, Alemanha.

Estúdio da URUBU Marinka, em Leipzig, Alemanha.

Marina Sarno, a URUBU Marinka, cresceu com a Voodoohop desde o começo. Ela conta que conheceu o coletivo quando recebeu do Thomas um papelzinho xerocado preto e branco com informações de uma festa, e algum tempo depois começou a experimentar como DJ. Para Marina, o Entropia Coletiva I é um álbum múltiplo, uma mistura de muitos estilos: “tem música indo para muitas direções: club music, canção hippie, mais experimental, uns lo-fi, outros extremamente hi-fi.”

Desde a metade do ano passado Marina está morando em Leipzig, na Alemanha, e tem ido semanalmente para Berlim, para discotecar em diversos clubes da capital. Para os próximos meses, “o plano é produzir mais e mais músicas e conseguir dar conta de tanto plano já feito de parcerias que não conseguem ser cumpridas. Cada dia eu acho mais chato esse papel de DJ solitário e mais excitante fazer música junto. Na verdade eu quero é formar uma banda.”

Projeto Mujique

Fabiano em seu estúdio, em Pouso Alegre.

Fabiano em seu estúdio, em Pouso Alegre.

O mineiro Fabiano Scodeler entrou em contato com a Voodoohop através do Zé Rolê, que há tempo toca junto com o grupo. Ele conta que encontrou o grupo pela primeira vez em um dos festivais produzidos pela Voodoo em uma cachoeira em Heliodora, Minas Gerais, “eu achei demais, não só pela questão dos ótimos sons, mas também pelo fato de como as festas aconteciam: de um lado, de uma forma caótica, com muitas decorações e performances, mas, de outro, porque havia um respeito muito grande com os diferentes grupos que participavam da festa.” No álbum, Fabiano participa duas vezes, primeiro com a faixa Cosmossamba, em parceria com Thomash e também com a faixa Congadada do seu Projeto Mujique, sobre essa segunda música, Fabiano explica que é uma homenagem a um ritmo tradicional do interior de Minas Gerais: “é a tentativa de fazer uma congada, que é um ritmo desenvolvido pelos negros da região onde nasci, mas com uma roupagem moderna, eletrônica. A batida é próxima da da congada, mas a parte harmônica já vai para outro lado, como se fosse um guitarra dedilhada e no meio fica mais eletrônica.”

Kupalua

Kupalua é performer e musicista. Usa paisagens sonoras que capta em diversos ambientes, voz e efeitos que transporta o público a esferas escondidas deste mundo, onde cada coisa viva tem sua própria canção. Pesquisa cantos de cura, que são transferidos para suas composições, em suas performances instaura um ambiente meditativo e pesquisa alteração das ondas cerebrais atravéz do som.

Jaku Nã

kaloan

Jaku Nã é o nome do novo projeto de Kaloan Meenochite, que também faz parte, junto do Pilantropov Pausãnias, do grupo de experimentação e imersão keroøàcidu suäväk.

Assim como A macaca, Peter Power e Iaci, Kaloan também compôs sua música no Vale do Capão, na Chapada Diamantina, Onde, durante algumas semanas de 2015, aconteceu o primeiro Acampamento de Verão Voodoohop, no qual mais de 15 artistas se reuniram para criar e trocar experiências. Kaloan conta que foi muito enriquecedor estar em um ambiente com profissionais e amigos de tantos backgrounds diferentes: “eu mudei para a Chapada Diamantina e de lá tava convivendo com a Lau o Peter, a Iaci e vários outros amigos que vieram nos visitar, vários deles alemães, produtores e djs. Eu mostrei as músicas do meu álbum para a galera e escolhemos juntos uma track dentre as que eu já havia produzido.” As outras tracks feitas por Kaloan vão aparecer um um álbum que será lançado em julho, pela Kimuso Records.

Esse ano a Voodoohop pretende repetir a experiência do acampamento de verão, dessa vez em em sítio em Leipzig, na Alemanha, onde produtores de música eletrônica e experimental vão poder se reunir, criar e conviver.

Thomash

thomash

Thomas, de bermuda amarela, produzindo.

O alemão Thomas Haferlach é formado em inteligência artificial, então ele teve que lidar muito com sistemas digitais entrópicos na sua universidade. Mas nada daquilo o preparou para produzir festas pelo Brasil, “entropia significa medida da variação ou desordem em um sistema. A Voodoohop vive dessa luta entre ordem e desordem no caos. Toda nossa organização, performance e estética tem sempre um pé na desordem.” Eufemismos à parte, Thomas, que hoje mora em Berlim, se prepara para a próxima turnê do coletivo pela europa.

Assim como os outros colegas, Thomas está feliz com a boa recepção de entropia Coletiva I “A gente não esperava tanto sucesso. Lançamos sem press release, sem escrever para blogs ou outros contatos.  Carregamos as músicas para o bandcamp e compartilhamos pelas nossa paginas nas redes sociais. O que mais me deixa feliz é que mesmo que o público possa baixar de graça, uma grande parte das pessoas está contribuindo e pagando. Fazendo com que a coletânea entre no bestseller em várias categorias do bandcamp. Isso segue uma linha que ja começamos na época das festas, não pensando em ‘público consumidor’ mas em ‘colaboradores’ todo mundo pode potencialmente fazer parte da voodoo, alias o próprio coletivo se criou a partir de frequentadores que começaram a se envolver.”

Escute aqui o álbum Entropia Coletiva I, de Voodoohop, na íntegra. E, se quiser, aproveite para fazer uma doação para financiar o vinil da coletânea .

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13/06/2016

Caroline Barrueco

Caroline Barrueco