“No espelho, mudou. Ela não sabe parar”. O verso de “Caricatura”, de Nina Maia, pode representar a carreira que vem se formando para mineira que se criou paulistana. Com apenas 21 anos, já tem no currículo colaborações com Tiê (em Gaia, 2017), além de Liniker, Iza e Maria Gadú, na versão de “I Will Survive”. Também é ela quem assina as composições, arranjo e produção de seus trabalhos. Em outubro, se metamorfoseia e lança o primeiro álbum cheio, que, pela entrega de si, foi sugestivamente chamado Inteira (2024).
O disco chama a atenção pela mistura sofisticada de jazz pop e MPB, que podem acenar tanto ao Clube da Esquina quanto a Luiza Lian.
Já as letras remetem à jornada de um eu-lirico criado pela cantora. De início, transparecem vulnerabilidade (como em “tenho medo de ficar só”, de “Kaô”) e, chegando ao fim, força para se libertar (como “A batalha é com você, mas não é você”, em “Amargo”, onde divide os vocais com Chica Barreto em um dueto de vozes suaves e etéreas).
“A personagem começa trancada, questionando a si mesma e o mundo ao redor”, explica Nina, sobre o conceito que criou para o disco. “Aos poucos, ela passa a entender o que aconteceu dentro de si e o que a deixou nesse lugar. É a partir daí que ela busca se revelar, vai ganhando coragem e encara tudo isso, com amor e perdão. No final ela se liberta, depois de juntar todos os cacos e se refazer. Ganha força e vai pro mundo, inteira.”
A produção é assinada pela própria em parceria com Yann Dardenne (Seloki Records). Antes de chegarem aos nossos ouvidos em Inteira, as canções passaram por constante experimentação, inclusive diante do público, em apresentações ao vivo.
“Fazer shows e tocar as músicas ao vivo antes de gravar o disco também ajudou a entendermos os caminhos da produção”, comenta Nina. “Fomos testando propostas diferentes nestas apresentações, sentindo as possibilidades dos arranjos de cada canção”, completa.
Aa canções também foram lapidadas na fase de estúdio, fruto também do trabalho da super banda que a acompanha, com Thalin (que despontou neste ano com o ótimo projeto Maria Esmeralda, aqui, tocando bateria), Valentim Frateschi (baixo), Francisca Barreto (cello) e Thales Hashiguti (viola e violino).
Confira o Faixa a Faixa nas palavras da própria Nina Maia:
“CARICATURA“: Ponto de partida da história do álbum, uma jornada de autoconhecimento e libertação. A personagem ali é perfeita aos olhares e distante de todos, uma projeção de mulher. Todos nós precisamos de imagens para nos idealizar, e fazemos isso constantemente com as pessoas e com nós mesmos.
“KAÔ: Inspirada nas minhas origens mineiras e na sonoridade do Clube da Esquina, é uma viagem sonora sobre o estado de incerteza da vida interna. É sobre olhar para dentro e não saber exatamente quem é ou para onde está indo, mas seguir, acima de tudo.
“MAR ADENTRO”: É um samba-canção moderno. É a música mais eletrônica do álbum em relação à produção (que inclusive, conta com a colaboração da MALKA junto a mim e o Yann Dardenne), mas o tema poético reforça a melancolia clássica do gênero. O eu-lírico canta sobre estar trancada para o afeto e o amor, pois algo no mundo a machucou e desiludiu.
“SUA”: É a história, como um retrato antigo, da desilusão dessa personagem com o mundo e com a pessoa que a machucou. Há o luto da perda e há dor e desgosto. Mas também há, ao final, a esperança da luz e da saída.
“MENININHA”: É sobre proteção. Sobre se munir com forças espirituais ou vindas de amuletos e símbolos, e sair pelo mundo com coragem e firmeza. É também sobre a intuição feminina, sobre atravessar lugares sombrios e procurar saídas a qualquer custo. É uma música que adoro, e tem uma atmosfera e energia que fazem parte de mim.
“AMARGO”: Sobre reconhecer a necessidade do perdão para poder seguir. Perdoar a si mesma, principalmente. Sem isso, não há movimento de fato. A música foi gravada totalmente ao vivo, sem cortes, e conta com a participação da Francisca Barreto, grande amiga e musicista.
“SALTO DE FÉ”: É uma canção que escrevi como uma conversa comigo mesma. Nela, há um olhar de compaixão com o passado, e, apesar da melancolia do presente, há também a esperança de encontrar a luz, de atravessar. A parte instrumental ao final da música representa esse momento.
“INTEIRA”: É o fim dessa jornada. Depois de ter atravessado os caminhos, encarado todos os medos e processos, essa música é sobre finalmente encontrar a si mesma e ao outro, e viver o encontro com leveza. É sobre a possibilidade do amor e da emancipação. É o final dessa história, mas é só o começo.
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