O retorno da revista americana que marcou o rock dos anos 70

15/08/2020

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Isabela Yu

Por: Isabela Yu

Fotos: John Collier/ Reprodução

15/08/2020

A lendária revista musical Creem, fundamental para a cena americana dos anos 70, está ensaiando um retorno. O primeiro passo foi revisitar sua história no documentário Creem: America’s Only Rock ‘N’ Roll Magazine, nova empreitada do cineasta Scott Crawford, conhecido por registrar as bandas de punk e hardcore da cidade de Washington no filme Salad Days: A Decade of Punk in Washington DC, 1980-90 (2014). 

Lançado no festival SXSW do ano passado com elogios da crítica, o filme chegou aos streamings do hemisfério norte no dia 7 de agosto mas permanece sem previsão para estrear por aqui. O registro em vídeo da história de uma das publicações mais provocadoras da imprensa americana conta com depoimentos de músicos de diferentes gerações do rock: Alice Cooper, Kirk Hammett, Joan Jett, Suzi Quatro, Gene Simmons, Wayne Kramer, Thurston Moore, Michael Stipe, Chad Smith, entre muitos outros.

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O documentário é co-produzido pela jornalista e ex-editora Jaan Uhelszkis, que saiu da faculdade diretamente para a redação da publicação, e por J.J Kramer, herdeiro de Barry Kramer, publisher responsável pelo lançamento da Creem em 1969. A cidade de Detroit apresentava uma consistente cena musical na virada dos anos 70 com nomes como MC5, The Stooges e Alice Cooper

Inspirado pela música da época e na intenção de competir com a revista Rolling Stone, Kramer decide começar a sua própria publicação, depois dos anos de experiência como dono da Mixed Media and Full Circle, loja de conveniência que também vendia discos. Aos poucos, foi conquistando o coração do público jovem ávido por material sobre as bandas favoritas do momento. “Ela era o nosso Facebook, a nossa forma de rede social”, compara Wayne Kramer, do MC5.  

O projeto deslanchou na mão de dois editores cheios de personalidade e com estilos diferentes – chegavam a sair na mão na frente dos colegas de redação. Estudante da Wayne State, a faculdade local, Dave Marsh queria dar um tom mais político para as pautas, buscava a vanguarda da contracultura. Já o californiano Lester Bangs não queria saber de nada disso, chamado para editar a seção de resenhas, seu espírito anárquico criava desavenças dentro e fora da redação. Cinco anos depois, quando Bangs deixou Detroit por Nova York, a tiragem da Creem chegava a 200 mil, se tornando a segunda revista sobre música mais lida no país. 

Foram pioneiros na cobertura de gêneros musicais que se tornaram fundamentais para a música contemporânea. Por exemplo, a edição de maio de 1971 apresenta pela primeira vez o termo “punk rock”, em um artigo de Marsh sobre ? and the Mysterians, e também a estreia de “heavy metal”, na matéria escrita por Mike Saunders sobre Sir Lord Baltimore. Alguns artistas chegaram a até mesmo colaborar com textos, caso de Patti Smith e Lenny Kaye

Na matéria “I Dreamed I Was Onstage With Kiss in My Maidenform Bra” (Sonhei que estava no palco com Kiss no meu sutiã Maidenform) publicada em agosto de 1975, a jornalista e co-roteirista Uhelszkis relata a experiência de subir no palco de um show banda Kiss com uma guitarra desplugada e o rosto coberto com a maquiagem característica da banda. Segundo a crítica do jornal The New York Times sobre o filme, o conteúdo provocativo das matérias também era ofensivo. “O sexismo casual e a homofobia são tristemente típicos de sua época, e a sensibilidade racial era inexistente”, escreveu o jornalista musical Mike Rubin. 

Foto de Barry Levine para matéria “I Dreamed I Was Onstage With Kiss in My Maidenform Bra” (1975)

Nostalgia 

Talvez alguma dessas histórias soam familiares por causa do longa Quase Famosos (2000), cultuado filme do cineasta e jornalista Cameron Crowe. A relação de mestre e aprendiz da ficção aconteceu na vida real entre o diretor e Bangs. “A parte de Lester era a chave para o filme dar certo, porque ele tinha muita personalidade e foi uma figura muito importante na minha vida”, disse na época do lançamento. 

A vida da revista foi breve porém brilhou durante os anos 1970, se tornando menos potente no início da década seguinte. O idealizador faleceu após uma overdose de anestésicos em 1981, deixando a empresa para o filho J.J, de apenas quatro anos. A Creem ficou em Detroit até 1986, quando foi comprada por uma empresa californiana e realocada na cidade de Los Angeles, onde durou apenas mais três anos até fechar de vez. 

Lester Bangs em foto de Charles Auringer

Já a história real de Bangs se mistura com a ficção. Alcoólatra e viciado em remédios, o escritor que se auto proclamava “o melhor jornalista de música do país”, morreu de overdose em 1982. O jornalista Greil Marcus organizou o livro póstumo “Psychotic Reactions and Carburetor Dung”(1987) com textos do colega de profissão sobre John Coltrane, Barry White, Kraftwerk, David Bowie, Lou Reed, entre muitos outros. 

A novidade de 2020 é que o herdeiro J.J Kramer conseguiu de volta os arquivos da revista, depois de um longo embate legal. Então além de lançar o documentário, organizou uma edição comemorativa com os melhores momentos da revista, que chegará às bancas americanas no dia 1 de novembro. Há também o papo sobre uma possível série de televisão em desenvolvimento.

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15/08/2020

Isabela Yu

Isabela Yu