O Terno apresenta “Melhor do que Parece” em show inesquecível no Auditório Ibirapuera

12/09/2016

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Nicolas Henriques

Por: Nicolas Henriques

Fotos: Victor Petreche

12/09/2016

A noite de sexta-feira escondia uma joia quente e dourada sob o frio de fim de inverno, que, antes de passar seu bastão para o início das gostosas noites quentes da primavera e verão, resolve dar uma última lufada gelada, principalmente entre as escuras árvores do Parque do Ibirapuera, enquanto rumávamos ao lindo Auditório do Ibirapuera, com suas ondas vermelhas e concha alva. O local estava lotado de pessoas com uma amplitude etária que há tempos não via num show. Muitos adolescentes, fãs fervorosos em contato com seus ídolos; jovens adultos que já ouviram muito indie e, cansados da mesmice do som gringo, encontraram no power trio paulista um último grande suspiro da guitarra; até idosos que estavam lá na espera de uma nostalgia promovida pela psicodelia renovada da banda.

Eram nove e vinte da noite quando, rompendo com as etiquetas do lugar, muitos se prostraram à frente do palco, esperando as cortinas se levantarem. Ao abrirem-se, vemos um palco tecnologicamente minimalista, com caixas de som e luzes pretas quase como monolitos, todas voltadas para a banda, esta centralizada com roupas de mecânico laranjas; um clima meio futurista, leve evolução de um traje que Devo usaria. Sob a banda, um grande tapete amarelo. O cenário estava lindo em sua simplicidade, fazendo-nos focar única e exclusivamente na banda.

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Tim Bernardes, Gabriel Basile e Guilherme D’Almeida.

Alguns segundos de silêncio foram necessários para estabelecer o início do ritual. O começo explosivo de “Não Espero Mais”, das músicas mais felizes do excelente Melhor do Que Parece, terceiro álbum da banda, já levanta a plateia e, se antes tínhamos algumas pessoas na frente do palco, agora poucas são as que ficam sentadas no auditório lotado.

Logo em seguida, uma luz alaranjada cai sobre a banda e um teclado em clima de balada começa. Pessoas se abraçam enamoradas com o romantismo e um quê de Disney, no bom sentido, de “Nó”. Antes de terminar, começa a primeira das várias improvisadas que a banda faz ao finalizar suas músicas. A acústica impecável do auditório é um casamento perfeito para a experimentação psicodélica da banda. As reverberações se espalham em confins e continuações cristalinas, ampliando horizontes musicais. A psicodelia do teclado de Tim Bernardes inclusive, nesse álbum, está mais harmônica, com toques mais clássicos.

Quando a música termina, a banda deseja boa noite em tom quase de radialista do interior em festa da cidade, com uma entonação que leva a vontade de repetir em alto e bom som o boa noite, numa brincadeira gostosa. Tim se levanta do piano e empunha a guitarra para cantar “Culpa”, o primeiro single do novo álbum, que possui um clipe finíssimo. A Stonehenge que era o sistema de luzes e o som pipocam no refrão, enquanto o vocalista mostra toda sua habilidade na guitarra em mais um solo antes de terminar a canção: é o momento dele brilhar. Tim dedilha com classe o instrumento, enquanto a plateia vai ao delírio.

As baixas luzes alaranjadas voltam, agora com um coro. É a vez do baixo de Gui D’Almeida anunciar “Depois Que a Dor Passa”, primeira das músicas que o tom alegre dá uma baixada, que as canções começam a mostrar que elas estão se voltando para dentro. Aí está a beleza do novo som d’O Terno: as letras estão naquela miudez introspectivamente profunda, lembrando também até canções de Maurício Pereira, que é dos maiores letristas que temos na música hoje. É como se a banda estivesse provocando uma explosão centrípeta, que, embora pareça com implosão, é diferente. O som explode, estoura, você consegue ficar dançando sem perceber as letras, mas aí chega a porrada da letra, com essa coisa de poesia cotidiana dos afetos. Dicionário de relacionamentos e suas rotas por vezes mais tortas do que gostaríamos e imaginávamos.

Gabriel Basile

Tim troca sua guitarra para começar uma nova canção, ao que Biel Basile, baterista, já solta num tom jocoso “guitarra nova!”. Com essa pequena interpelação, o sinal é dado para a bateria começar com “Deixa Fugir”. De tão natural a situação, pareceu que tudo foi milimetricamente ensaiado, e cada um brilha no momento certo. O acaso funcionando ordenadamente, num contraste em plena harmonia com a letra da dor e da aceitação em contraste com o ritmo alegre. Fino demais, assim como foi a transição absurda para “Lua Cheia”. Um corte brusco, um ruído de guitarra anunciando toda a conjunção astral da canção. O momento é tão grandioso que até o pequeno esquecimento de um verso por Tim esquece, levando a banda a sorrir, passa em branco. Ninguém liga. Mais um grande solo final transforma toda a catarse da plateia em pura arrebentação sonora.

Rápida como tormenta, violenta como ressaca é a continuação do som para uma nova versão de “Ai, Ai, Como Eu Me Iludo”, num ritmo acelerado combinando com o novo álbum. A acelerada fez, inclusive, a plateia levar nas palmas das mãos o último refrão. Ao término, Tim parou para agradecer os diretores de seus dois últimos clipes, o já citado “Culpa”, feito por Bruno Shintate, e o belíssimo clipe de “Ai, Ai, Como Eu Me Iludo”, da Alaska Filmes. Logo em seguida, o vocalista começou a falar do processo de gravação que levou três meses para gravar, desde janeiro. E, com humor à Pereirinha & Pereirão, faz uma zoeira consigo mesmo.

Sem deixar a psicodelia ir embora, a banda começa “Eu Confesso”, com mais um momento de improviso que faria Tame Impala desejar fazer algo parecido, principalmente quando surge, para arrematar a sequência de canções do álbum anterior, O Cinza. É notável, ouvindo as canções um pouco mais antigas da banda, como, ao longo dos álbuns, a voz de Tim foi ganhando contornos mais cristalinos. Talvez um processo de aumento da confiança e afirmação da voz característica. Posso estar viajando, mas é gostoso ver essa confiança na banda como um todo. O Terno é uma banda muito boa, e aos poucos vão mostrando ainda mais sua força. Durante a canção, mais um pequeno momento instrumental de virtuosismo: o baixo pesado de Gui, hipnotizante como no bridge de “Wasted Days”, de Cloud Nothings, que, para este que vos escreve, é o maior momento de um baixo funcionando como mantra no rock recente.

Tim Bernardes

A banda volta a falar com a plateia, até para respirar um pouco. “Esgotou os dois dias. Minha tia não vai nem conseguir ver o show”, Tim conta. A própria tia responde gritando que lá está, num momento de descontração, principalmente porque a próxima canção ia ser o grande momento dessa explosão introspectiva da banda. A luz abaixa e começa “Volta”. Essa é talvez a letra mais poderosa do álbum. É uma gigantesca porrada sobre a saudade, sobre a perda. É aquela música que destoa um pouco do resto do álbum que, mesmo com traços melancólicos em meio a alegria, não chega no poderio nostálgico de “Volta”. A canção tem toda a dor para ser uma nova “Trovoa”, ou uma versão mais harmônica e maior do que “Não”, música solo do próprio Tim Bernardes. É uma música que dói, não é pouco. Ela trabalha dentro de tudo aquilo que poderia ter sido dito e evitado, mas o tempo não permitiu. O voltar sentimental é aquele pedido que mistura o passado e o presente para tentar dar um sentido no futuro. A guitarra que cresce no trecho final da música apenas reforça toda a tristeza da incompletude da história. Nessa canção, o amor ainda não se transformou. Ela é a sombra da própria canção-título do novo álbum. Ou então da própria nostalgia gostosa, daquilo que já passou e se tornou um aprendizado, como a da próxima canção do show, “Minas Gerais”, música de road trip, saudosa como o estado que homenageia. Uma música que tem bucolismo em cada linha.

A próxima canção do show é “Vamos Assumir”. Luzes brancas caem sobre a banda. Para mostrar o virtuosismo, Biel mostra o sintetizador ao lado da bateria fazendo um som mais sintético, mostrando todas as camadas da música. A complexidade estrutural de um power trio é geralmente limitada ao virtuosismo dos membros da banda com determinado instrumento. No caso d’O Terno, o que temos é, além do virtuosismo de cada um, a capacidade de multi-instrumentistas. O som enriquece e não parece que temos apenas três pessoas ali tocando. Ao acabar a música, a banda anuncia o novo álbum e também Talita Hoffmann, designer do álbum. Além disso, começam a falar de como, enquanto gravam, é fácil fazer sons complexos, e colocar novos sons, como um trombone. Na falta dele, que será essencial na próxima canção, Tim lança mão de um kazoo, para começar “O Orgulho e o Perdão”, com seu clima de fanfarra e malandragem. Para emendar, a banda toca “A História Mais Velha do Mundo” só que, dessa vez, acompanhada de uma música bônus que não está no álbum, assim como aqueles CDs dos anos 90 que a última música tem 12 minutos de silêncio e depois começa uma nova joia escondida. É uma ótima música que poderia ter entrado no álbum, assim como o “Fora, Temer” proferido por Tim ao final da música, levando todos a cantar em coro por alguns segundos.

Guilherme D’Almeida

Já se passara uma hora de show, quando a banda anuncia que está chegando ao fim. Antes do hino “Melhor do Que Parece” começar, Tim fala mal das redes sociais, num tom irônico, ensaio perfeito da própria letra, que fala sobre pessoas que apenas reclamam sobre tudo sem nem notar que, na verdade, podemos estar vivendo o melhor de nossos tempos. Não que precisemos ser como Dr. Pangloss, mas que podemos agir mais como Louis C.K. quando fala de nossos tempos. As cortinas se abrem ao fundo, apresentando uma gigantesca tela em branco. No meio do mantra final da canção, que percorre por três minutos, a parede fica amarela. Esteticamente impecável, assim como a diminuição da banda, jogando todo o finalzinho para a plateia terminar em coro. Momento muito bonito, de transferência e assimilação do mantra.

A banda se despede sob os aplausos de todos, que logo pedem para ela voltar. Em questão de segundos, eles voltam e tocam “66”, do primeiro álbum da banda, que é logo costurada em mais uma transição absurda, entrando “Culpa”, onde a banda começa a agradecer todo mundo que participou do processo do álbum e do show. Antes mesmo de terminar, a banda faz um pout-pourri de “Bote ao Contrário” com “Pare!”, do Zezé Di Camargo & Luciano, mostrando um pouco do que é a beleza também do show de Pereirinha & Pereirão.

Saí de lá com a sensação de que a banda está em seu melhor momento. O som continua fino e levantando de adolescentes a tiozões. As letras agora estão mais profundas e dolorosas, assim como a sintonia entre seus membros. Apesar de Victor Chaves ser um ótimo baterista, Biel Basile casou perfeitamente. Se O Terno fosse inclusive um filme, seria daqueles excelentes vencedores de Sundance sobre o primeiro amor e as dores de um menino que vai amadurecendo. Daqueles que todos se identificariam e adorariam, com frases impecáveis, fotografia deslumbrante e trilha sonora inesquecível. Tudo correto.

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12/09/2016

Sou pesquisador e escrevo resenhas de shows pagando de crítico musical porque gosto muito de música e minha verdadeira intenção era ser multi-instrumentista ou vocalista de alguma banda. O problema é que falta habilidade para tocar até campainhas mais complexas e meu alcance vocálico lembra uma taquara rachada.
Nicolas Henriques

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