Por dentro dos festivais: experiências memoráveis, altos investimentos

22/08/2023

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Renan Guerra

Por: Renan Guerra

Fotos: Hanny Naibaho/Unsplash/ Reprodução

22/08/2023

Para os fãs de música, os festivais funcionam como parques de diversão, pois é o local ideal para encontrar amigos, viver experiências maravilhosas e também gastar uma boa grana. A realidade após isolamento social é de que as opções só aumentaram. Apenas em maio deste ano, foram realizados 35 festivais de música, segundo a plataforma Mapa dos Festivais

Da música eletrônica ao sertanejo, os eventos fazem muito dinheiro girar. Estima-se que o The Town, irmão paulistano do Rock in Rio, que acontecerá ao longo de cinco dias, em setembro, movimente R$1,7 bilhão e gere 20 mil empregos. O investimento de R$300 milhões deve impactar na experiência do público, pois a empresa está mudando a circulação do local. A “Cidade do Rock” construída no Autódromo de Interlagos tem cinco palcos e deve receber 500 mil pessoas ao longo dos dois finais de semana.

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Nós dissemos “come to brazil” e eles vieram!

Neste ano, Coldplay fez uma série de shows esgotados, Lollapalooza Brasil bateu recordes de público – mesmo com o cancelamento de Drake e Blink-182 – e ainda temos uma série de nomes que irão pousar por aqui nos próximos meses, de Paul McCartney a Alanis Morisette e Red Hot Chilli Peppers, a nomes mais pop, como The Weeknd.

“O mercado está aquecido, nunca tivemos essa grande oferta de festivais em tantas cidades. Entendemos como uma demanda represada pela pandemia, criando assim um novo perfil de consumo. Estamos otimistas, e 2023 é um ano importante para entendermos esse novo ritmo”, afirma Isadora Almeida, coordenadora artística da 30E, empresa responsável pelo MITA e pelas turnês de comeback do NX Zero e Titãs.

Além das diferentes ofertas ao público, esse mercado também está aquecido em suas movimentações internas. A dança das cadeiras entre o Lollapalooza e o Primavera Sound gerou inseguranças no público. Nos últimos dez anos, a Time For Fun (T4F) foi responsável pelo Lolla, mas a partir do ano que vem, a Live Nation ficará encarregada pela produção do evento. Por sua vez, o Primavera passou para a T4F em sua segunda edição nacional, que acontecerá em dezembro. 

Como essas mudanças vão impactar os eventos? Com ausência de mulheres e pessoas negras como headliners, o festival espanhol decepcionou uma parcela do público que esperava um repeteco de atrações pop como na elogiada edição do ano passado. Outra questão que repercutiu online foi a troca do Anhembi por Interlagos, pois, mais uma vez, há impactos diretos no bolso de quem se programa para passar horas dentro de um mesmo lugar. 

A questão das tiqueteiras: por que os ingressos de festivais são tão caros

As tiqueteiras são as empresas que fazem o trâmite da compra e venda dos ingressos e possibilitam os pormenores do seu ingresso. Essas empresas estão na mira de muitas reclamações: da dificuldade de compra em sistemas instáveis até o preço das taxas embutidas no tíquete digital.

Quanto aos valores embutidos no preço, é preciso levar uma série de fatores em conta, como explica Lúcia Lucas, gerente de operações da Ticketmaster Brasil: “Levantamos todos os custos de produção para o cálculo, de hotel, a alimentação da equipe, até a quantidade de barricadas. Depois, nós entendemos a demanda baseada nos números de vendas de shows que já rolaram no Brasil ou que estão rolando lá fora. Assim conseguimos precificar os ingressos, levando em consideração a média dos preços do mercado e, claro, um valor que cubra as despesas”. 

Como o cachê das bandas internacionais é em dólar, o câmbio encarece o preço final dos ingressos. As expectativas dos analistas oscilam — há quem preveja que o dólar baixe para R$4,40 até o fim do ano, outros sugerem alta até os R$5,40 —, mas, em média, faça as contas de um show no país multiplicando o valor por cinco. “É complicado, muitos shows dão prejuízo. Com o dólar como está, tirando os grandes blockbusters sold out, a maioria dos shows internacionais são difíceis de fazer ou de fazer por um preço acessível”, explica Lúcia. Toda a soma de custos e despesas precisa ser paga com uma soma que envolve os ingressos e a verticalização de consumo – a venda de bebidas e comidas e as taxas de conveniência.

Outra questão que entra nessa conta são os temidos cancelamentos. Segundo Lúcia, é comum que muitos artistas achem a logística complicada, por isso é usual que se tente fazer uma conexão do festival com outras datas de shows na América Latina. Isso facilita a turnê e traz menos possibilidades de prejuízo. 

Mesmo assim, cancelamentos acontecem e Lúcia conta que é algo complexo: “Muito dinheiro foi investido em produção, no pagamento de equipe, na montagem, no sinal de locação do local, no catering, até os copos da cerveja já foram comprados. Então, quanto mais perto do show um artista cancela, mais prejudicial será”.

Ela explica que muitos fatores precisam ser considerados na hora de fechar uma turnê ou um festival. “Acho que a dificuldade do booking é separar gosto pessoal do comercial. Tem muita coisa que eu adoro e queria ver ao vivo, mas sei que não vai vender. Infelizmente, quando você está dentro de uma empresa, a aposta tem que render resultados e lucro”, reflete Lúcia. 

Nos quase dez anos que está na empresa, ela acompanhou diversos casos acontecerem. “Já fechamos shows porque o agente tem um artista maior que queremos trazer e precisamos agradá-lo, mas que também não bombou nas vendas, porém não foi um fracasso. Em outras vezes, temos um lugar para quatro mil pessoas que não chega nem a mil. Cancelar não é uma opção, porque fica chato e desgasta a nossa relação com o agente. Então, fazemos promoção e cortesia até encher. Muita gente pensaria ‘não era melhor cancelar?’. Mas, cancelando, perdemos o valor dos ingressos, e temos que pagar cachê de qualquer forma. A gente tem os mesmos gastos, mas além do valor dos ingressos, conseguimos converter um pouco do prejuízo com as vendas de bebidas, merch, etc.”, comenta Lúcia. 

Festivais de música e o risco de investir em experiências

O número de festivais aumentou, os valores dos ingressos também e, claro, o número de furadas também. Nos últimos anos tivemos mais casos de festivais que se tornaram perrengues para quem estava por lá, como aconteceu com o Doce Maravilha, o REP Festival e o Xama – todos no Rio de Janeiro e prejudicados pelas condições climáticas. 

O diretor de TV e cinema Daniel Ferro vivenciou alguns eventos marcantes da nossa cultura recente, justamente pelo seu grau de caos. Daniel esteve no fatídico Woodstock 99, testemunhou o 7×1 da Alemanha sobre o Brasil no Mineirão, na Copa de 2014 e, claro, ele estava no REP Festival deste ano.

Ferro estava lá para fazer um documentário sobre a cena do rap, mas com a forte chuva, tudo ficou inviável e o trabalho foi interrompido. “Acredito que as coisas não evoluíram para algo pior porque o jovem carioca tem um perfil mais tranquilo e consegue tirar onda e rir de tudo. Vira meme. Já em Woodstock, o contexto era outro. E deu no que deu”, conta Daniel, que esteve no revival em 1999.

O evento se tornou um marco de tudo que pode dar errado, porém estamos falando de uma era pré redes sociais, então os relatos ficaram pulverizados. A história voltou à tona com o lançamento de dois documentários no ano passado: Woodstock 99: Peace, Love and Rage, da HBO Max, e a série Desastre total: Woodstock 99, da Netflix.

Daniel Ferro testemunhou todas aquelas imagens de destruição. Na época, o cineasta tinha 19 anos e foi com um amigo aproveitar os três dias de evento. A ideia era chegar por lá e encontrar uma terceira pessoa, a responsável pela barraca do camping. Os celulares eram raros na virada do milênio, então eles não se encontraram. O ponto de encontro era às 10h da manhã no portão da entrada, porém existiam três portarias a 3 km de distância entre elas. 

“Além de toda a doideira que foi o final de semana, ainda dormimos no homeless shelter, o abrigo dos sem barracas, que nada mais era do que um galpão vazio na base militar que era o espaço do evento. Na hora que o bicho pegou no domingo à noite, vi que não terminaria bem então fiquei longe. Aquele lugar foi meu oásis, quem diria”, lembra Daniel. 

Mas não pense que ele é pé frio, nada disso. Como jornalista e documentarista, Daniel fala que quer estar onde a história acontece, então ele se considera um sortudo: “Estive em Woodstock 99, vi o Ayrton Senna vencendo em Interlagos, testemunhei o 7×1 no Mineirão. Os dias comuns a gente acaba esquecendo, mas os que são diferentes a gente lembra para sempre e todo mundo quer ouvir sobre”. 

Apaixonado por festivais, ele já foi em inúmeros eventos pelo mundo: Warped Tour, Reading Festival, Riot Fest, Monsters of Rock, Lollapaloozas, mas como um bom carioca, ele tem um evento preferido. “Nada se compara ao poder do Rock in Rio, a emoção que ele entrega, a história que ele construiu. A experiência tanto para o público, quanto aos artista e profissionais que trabalham lá dentro é inigualável. Fora o simbolismo gigantesco que ele tem para nossa cultura de eventos e a história do pop e rock no país. A gente precisa valorizar o Rock in Rio como um patrimônio brasileiro – e que deixa qualquer festival no mundo no chinelo”, diz Daniel.

Essa paixão por festivais tem aumentado cada vez mais o turismo musical. E não estamos falando só de viagens internacionais, mas também de eventos dentro do Brasil. É o caso do jornalista Gabriel Bentley, que viajou a Barcelona para conferir o Primavera Sound e se prepara para ir a Petrópolis curtir o Rock the Mountain. 

“Na primeira vez que fui pro RTM, em 2021, foi por meio de um convite de última hora de um casal de amigos. Eu estava em busca de coisas novas e vi que o line-up tinha Gal, Caetano, Marina Lima por menos de R$400, o que nunca aconteceria em São Paulo”, divide Gabriel Bentley. Apaixonado pelo Rio de Janeiro, ele usou o evento como uma desculpa para passear pelo estado, conhecer a serra fluminense e levou de quebra uma nova paixão. 

A melhor forma de chegar até Petrópolis é se organizar com antecedência para encontrar estadia e entender como transitar pela cidade. “Eu voltei falando que era o ‘Coachella das montanhas’ e panfletando. Comprei o ingresso da edição do ano seguinte quando estava no ônibus voltando pra SP – e o mesmo aconteceu quando em 2022. Tenho ingresso para a edição de novembro deste ano”, comemora o repórter. 

Além disso, ele dá a dica: quem se prepara acaba gastando menos dinheiro. “Compensa garantir nos primeiros lotes. Paguei R$200 para ver Maria Bethânia, Marisa Monte, Alcione e Maria Rita em um lugar que tem uma vibe super diferente e um lance de neutralização de pegada de carbono. Gosto do deslocamento. Já fui para Belo Horizonte no Sarará e no Rock in Rio. Acho legal porque tem a organização com a galera, a oportunidade de conhecer um lugar novo – e até flagrar artistas no meio do público. Eu adoro”, finaliza o jornalista.

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22/08/2023

Renan Guerra

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