Uma celebração do rock nacional a partir de um de seus principais celeiros. É essa a ideia do Porão do Rock, maior festival do gênero em Brasília.
Com um público de cerca de 20 mil pessoas, a 18ª edição do evento rolou nesse sábado (5), no estacionamento do estádio Mané Garrincha. Foram três palcos e 24 bandas – desde as que consagraram o rock nacional nos anos 80 e 90 até as novas expoentes da cena independente local.
Capital Inicial, Paralamas do Sucesso (que, apesar de carioca, é uma banda diretamente ligada à cena de Brasília por meio de Herbert Vianna e Bi Ribeiro) ), Filhos de Mengele e Plebe Rude, que reinavam absolutos nos anos 80, dividiram palco com os noventistas Raimundos, Autoramas (RJ), Alf (com participação da formação original do Rumbora) e os metaleiros do Angra e Dark Avenger, dentre outros. Os principais nomes da cena local dessa virada de século, Etno e Galinha Preta, também marcaram presença, junto aos grupos da novíssima geração Scalene e Dona Cislene.
Soma-se a isso a estreia no festival das bandas que venceram a seleção para figurar no line up. Alarmes, Almirante Shiva, Dependência Pulmonar, Kranka, Regicídio e Nenhuma Ilha – todas fizeram um aquecimento à altura para os shows maiores que viriam na sequência.
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A Turma da Colina
No final da década de 70, época da abertura política que anunciava o fim da ditadura militar no Brasil, havia em Brasília um grupo de amigos conhecido como Turma da Colina (dentre os quais Renato Russo e os irmãos Fê e Flávio Lemos, que viriam a fundar a banda Aborto Elétrico). Dos encontros e shows de garagem que eles mesmos organizavam saiu todo um movimento de bandas que deu ao rock brasileiro a sua primeira cara.
Algumas delas estavam lá.
O Capital Inicial tocou alguns clássicos e fez uma óbvia homenagem ao Aborto Elétrico – jovens e homens e mulheres de meia-idade formavam um coro forte e uníssono em “Veraneio Vascaína”, “Fátima” e “Que País É Esse”. Dinho Ouro Preto fez seu habitual discurso sobre a política nacional, criticando Dilma e Eduardo Cunha (“uma espécie de Darth Vader da política”). Nada que a gente não esperasse, mas o público correspondeu.
Os Paralamas do Sucesso fizeram uma sólida apresentação, com “Alagados”, “Lanterna dos Afogados”, “Trac Trac” e uma sucessão de hits da banda. Rolou também uma homenagem a Tim Maia, com “Gostava tanto de Você” e mais críticas ao momento atual da política brasileira. “Que País É Esse” ganhou outra (?) execução dos caras.
E os veteranos da Plebe Rude destruíram. Liderados por Phillippe Seabra, fundador da banda, e Clemente Nascimento (Inocentes), que entrou na banda em 2003, os caras eram só energia e fecharam o palco Vivo com sucessos como “O Que Se Faz” e “Anos De Luta”. E, claro, não faltaram referências à Nação Daltônica, título que ainda nos cai bem…
Rock Noventista
No início dos anos 90, Brasília já era referência absoluta para o rock nacional. Foi aí que surgiu o selo Banguela Records, que apostou em quatro jovens desbocados que faziam uma mescla de hardcore com forró e baião. O disco de estreia dos Raimundos, homônimo, foi o primeiro lançamento do Banguela, em 1994. “Puteiro em João Pessoa”, um clássico desse disco, não poderia ficar de fora do show dos caras no Porão. Tal como as demais bandas das antigas, o set list era todo de sucessos do grupo. “Mulher de Fases”, “A Mais Pedida” e “Quero Ver o Oco” (com participação do ex-baterista Fred) fecharam a noite com chave de ouro.
Falando em Fred, o show do Autoramas, outro ícone do rock noventista, marcou um dos momentos mais irreverentes do festival. O baterista, junto ao líder Gabriel Thomas, Érika Martins (Penélope) e o baixista Melvin, selou a justa união entre o rock carioca e o rock brasiliense. Teve “Mundo Moderno” e “Nada a Ver”, assim como “1, 2, 3, 4” e “Aquela”, ambas do Little Quail And The Mad Birds, banda de Gabriel que também teve disco lançado pelo Banguela nos anos 90.
Pra quem achava que o Rumbora, outro grupo que marcou o rock de duas décadas atrás, estava no passado, o show do Alf foi uma surpresa, embora não conseguisse animar muito o público. O cara tocou músicas da sua carreira solo, como “Pra Onda Boa Me Levar”, e chamou a formação antiga do Rumbora para o palco, tocando “Skaô” e “Mapa da Mina”. O cara também revisitou a Supergalo, outro grupo que contava com Fred na bateria.
O espaço dos metaleiros também foi garantido e bem representado pelo Angra (agora com o guitarrista brasiliense Marcelo Barbosa), que fechou o palco Pesado. Teve também Dark Avenger e as bandas de hardcore D.F.C. e a ótima Galinha Preta, que trouxeram um toque de humor à legião de headbangers.
Nova geração
De início, o line up do Porão parecia mais do mesmo – mas a nova geração de bandas de Brasília (umas mais, outras menos conhecidas) foi o diferencial da noite. E surpreendeu positivamente.
Os caras da Scalene estavam em sua segunda passagem pelo festival e garantiram uma boa sintonia com o público, do início ao fim, executando músicas dos três álbuns – destaque para “Surreal” e “Dance Macabre”.
Dona Cislene e Etno também representaram a cena dos anos 2000. A primeira tocava no Porão pela segunda vez e entoou sons já bem conhecidos do público, como “Má Influência” e “Ilha”, single mais recente dos caras, fechando com “Acorde a Cidade”, que contou com a presença no palco das bandas amigas Scalene, Trampa e Etno. Essa última, por sua vez, tratou de fazer um show denso e coeso em sua quarta participação no festival. Dessa vez, teve novidade: os caras apresentaram parte da trilogia lançada nesse ano, “7 Fronteiras”, que mescla música com a linguagem dos quadrinhos.
Uma surpresa super positiva dessa nova leva de bandas do Porão foram Alarmes e Almirante Shiva, duas das vencedoras da seletiva de bandas independentes do festival, que tocaram em sequência. O indie da Alarmes, formada em 2012, abriu bem a tarde de shows, com sons do seu primeiro EP.
A psicodelia setentista da Almirante Shiva, por sua vez, tratou de manter a vibe positiva que seguiria noite adentro. A banda, que tem apenas seis meses de existência, também tocou os sons do EP de estreia, lançado em agosto.
Missão cumprida para o festival. Em mais de dez horas de música, foi possível relembrar os clássicos que tornaram Brasília o celeiro do rock nacional nos anos 80 e 90 e conhecer um pouco da cena independente atual. E foi mesmo ótimo sentir o clima de amizade entre as bandas, independentemente do estilo de cada uma.
Vale ficar de olho – o rock segue firme no Planalto Central.