Na ânsia por definir a música do homem à frente do LCD Soundsystem, apela-se para termos como disco punk, electropunk e dance punk. No entanto, é o que as une – o punk – o mais próximo que se chega de uma explicação para o trabalho do nova-iorquino James Murphy, para a coerência que seu projeto manteve em toda a trajetória e a chave para se entender seu iminente fim. Depois de alguns shows de despedida, incluindo três no Brasil (17/2 no Rio, 18/2 em Sampa e 20/2 em Porto Alegre), Murphy encerrará o mais importante capítulo de sua carreira tocando no imponente Madison Square Garden, em Manhattan. Para um artista avesso aos encantos do showbizz, um final tão grandioso quando sintomático.
“Eu já dei mais entrevistas que os quatro Beatles juntos ao longo de toda carreira da banda”, contou ao The Guardian, em meio a declarações sobre as proporções descabidas que bandas provenientes do underground assumem com o hype. Antes de tornar-se um amálgama pop, eletrônico e alternativo, capaz de atrair mais admiradores do que poderia prever e desejar, Murphy carregava, no cérebro criativo, mais dúvidas que certezas.
O material sobre as origens de James Murphy é disperso, confuso e conflituoso. Sabe-se que em fins da década de 90, era um DJ cujas aspirações musicais tinham como background uma longa adolescência ligada ao punk e o pós-punk. Enquanto buscava dar um norte à vida com a chegada dos 30 anos, viu surgir em Nova Iorque bandas como o The Rapture e o Radio 4, que faziam um certo resgate do dancepunk – derivação natural do pós-punk – e afirmavam a música eletrônica como elemento fundamental no rock alternativo do início do século 21. Nesse contexto, James Murphy e o amigo Tim Goldsworthy, recém chegado da cena eletrônica londrina, juntaram-se para criar a DFA Records, selo que passaria a lançar as bandas desta cena emergente, ao mesmo tempo em que Murphy dava início ao LCD Soundsystem.
Foi a DFA que, em 2001, lançou “Losin My Edge”, o primeiro single do LCD Soundsystem. A música encontrou um ambiente receptivo a seus 7 minutos de lenta progressão. A cena nova-iorquina, então tão sensível ao electro quando ao punk, abraçou os beats crus e a base sintética sobre os quais Murphy apenas falava, da mesma forma que fizeram Jello Biafra, do Dead Kennedys e Fred Schneider, do B-52s, 20 anos antes. No entanto, demoraram três anos para que LCD Soundsystem, o disco, chegasse às ruas e Murphy finalmente passasse a colher reconhecimento mais amplo pelo seu trabalho autoral.
Em “Losing My Edge”, Murphy discursa sobre os jovens de 2001 que se orgulham de um conhecimento musical vasto e preciso, graças à internet – mas que não viveram nada que ele viveu: não foram aos shows de grandes bandas, não conheceram as bandas obscuras quando estas tocavam em inferninhos underground, nem ostentam uma coleção de discos construída em paralelo à própria história. Mais do que isso, “Losing My Edge” é uma forma de auto-repreensão por se importar com isso, um sintoma de estar envelhecendo não só em corpo, mas em espírito. Em pouco tempo, esses mesmos jovens se orgulhariam por conhecer o LCD Soundsystem e Murphy seria a representação do cool.
Prova cabal disso são a nota 8.2 e as duas notas 9.2 atribuídas pela Pitchfork a LCD Soundsystem, Sounds of Silver e This Is Happening, primeiro, segundo e terceiro discos do LCD, respectivamente. Detentores do saber indie, os críticos da Pitchfork parecem ter assumido a música do grupo como parâmetro para si própria: se na primeira resenha, declaravam ser discutível a capacidade de Murphy fazer grandes álbuns, nas subsequentes, não esperavam mais do que a manutenção do padrão para lhe atribuírem dois enaltecedores 9.2. Na época em que o pop dispunha do respaldo de música de primeira linha, Murphy estabeleceu a ligação entre o mundo de glamour e afetação, a que não pertencia, e uma certa crueza canhota herdada de tótens não tão distantes, como o Velvet Underground e Brian Eno.
É a música concisa e contagiante desses três discos que o quarentão Murphy tocará nos shows da Popload Gig. O setlist deve ser focado em singles como “Losing My Edge”, “All My Friends”, “Drunk Girls” e “Time To Get Away”. E que venham com a mesma energia que sobra nas performances abaixo:
Aguarde, semana que vem tem mais posts bacanas sobre o LCD, com muita música que influenciou Murphy e muita música que ele criou tocada por ele e por gente grande que deve tê-lo feito chorar.