Resenha | Familiars – The Antlers

23/06/2014

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Leonardo Baldessarelli

Por: Leonardo Baldessarelli

Fotos: Reprodução

23/06/2014

Por três anos, o único integrante do The Antlers foi o hoje vocalista e guitarrista Peter Silberman. A banda surgiu em 2006, inspirada no nome de uma música do The Microphones, como um projeto de Silberman para lançar as faixas que gravava em casa. Em 2011 o The Antlers lançava seu quarto álbum, Burst Apart. Já era um trio, com a formação que segue até hoje, mas o vocalista não havia deixado de ser o líder e principal compositor. Logo após a chegada do disco, a Pitchfork fez uma entrevista com Silberman para a seção “5 – 10 – 15 – 20”, em que grandes nomes da música falam sobre os álbuns que marcaram os intervalos de cinco anos das suas vidas. O vocalista tinha 20 anos em 2006, quando gravou seu primeiro álbum, Uprooted, e seu disco favorito na época era The Glow Pt. 2, do The Microphones. Naquela entrevista, além de citar uma forte influência de Elliott Smith em suas primeiras gravações, Silberman comentou que, hoje em dia, é difícil para ele lembrar da época. Ao mesmo tempo em que estudava os métodos de gravação usados por seus ídolos para começar a produzir, o músico vivia um dos tempos mais conturbados de sua vida, período que inspirou a história por trás de Hospice, disco que fez o mundo conhecer o The Antlers.

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Hospice (2009) foi o terceiro álbum da banda e o primeiro como um trio. Extremamente melancólico e carregado com composições mórbidas, que contam a história do relacionamento entre um homem e uma mulher que sofre de câncer, o trabalho chamou atenção pelas belíssimas letras de Silberman e pelas harmonias e melodias tristes e exageradas. Antes disso, o músico já havia lançado, sozinho, um segundo álbum, In The Attic of the Universe (2007). As influências acústicas de Phil Evrum e Elliott Smith eram bem claras na sonoridade de Uprooted e do segundo disco, mas o The Antlers surgia com peculiaridades, ainda mais expostas em Hospice. A banda tinha um som bombástico, com grandes ápices, em refrões, solos ou construções atmosféricas que explodiam no meio das canções, às vezes se repetindo muitas vezes. O tom da música do The Antlers era levado por essas características, mas as pequenas mudanças foram inevitáveis. Já em Burst Apart Silberman criava mais composições levadas pela atmosfera e pelas sutis intervenções melódicas, como “Putting the Dog to Sleep” e “Every Night My Teeth Are Falling Out”. A mudança se acentuou no EP Undersea (2012), em que apenas a faixa “Endless Ladder” tem um pequeno refrão, que poderia ser confundido com o verso. Essas mudanças se tornam ainda mais visíveis no novo álbum da banda, Familiars (2014), primeiro lançamento do The Antlers por um selo grande do mundo indie, o ANTI-.

A primeira faixa divulgada, “Palace”, parece algo próximo ao som antigo da banda, mas ao mesmo tempo bastante diferente. Ela chegou com o arranjo de instrumentos de sopro mais pesado que a banda já usou, incluindo um solo. Silberman entrega uma bela melodia, mostrando a evolução da sua voz, que já pode ser ouvida em Burst Apart, ao levar a canção inteira sem falsetes. “Hotel” segue o mesmo clima, com mais uma melodia exagerada e um componente inédito na música do trio, um solo de guitarra, que acaba sendo o ápice da canção. Das outras faixas, as únicas que chegam próximas dos momentos bombásticos são “Doppelganger”, no momento em que Silberman começa a cantar a melodia e dá a impressão de que vai seguir uma linha harmônica pegajosa, mas acaba usando sua voz para acentuar a atmosfera; e em “Surrender”, durante dois momentos: no ápice melódico do verso, onde o vocalista canta variações de “We have to make our history less commanding”, e no pequeno solo de guitarra.

Ouvindo “Familiars”, é impossível não pensar no papel de Undersea na evolução da banda. O EP de 2012 tinha quatro músicas com uma sonoridade homogênea, ligadas indiretamente ao tema do EP. Olhando para seu nome e sua capa, é fácil pensar que o desejo da banda era criar sons semelhantes à beleza de se estar no fundo do mar. Essa consistência harmônica está presente no novo lançamento, e com ainda mais força. A sequência da quarta faixa, “Intruders”, até a sétima, “Parade”, poderia ser separada do álbum e dar vida a um EP. As canções trabalham com melodias neutras e harmonias que buscam a criação de atmosfera, com Silberman adicionando partes de extrema beleza a partir de uma maneira sutil, sem buscar os grandes refrões de clássicos da banda como “Epilogue” e “Sylvia”.

A parte instrumental ganha com a adição de arranjos de sopro em todas as faixas, com a exceção de “Director”. Além desse novo “padrão” da banda, os outros dois integrantes aparecem mais do que nos lançamento anteriores. Darby Cicci, baixista, que também divide os teclados com Silberman, constrói um arranjo de baixo marcante em “Parade”, conseguindo se destacar no meio de trompetes, teclado e duas guitarras. Já o baterista Michael Lener consegue criar sets interessantes em todas as faixas, trabalhando sua percussão de um modo que adiciona algo às composições e ao mesmo tempo dá liberdade para os trabalhos harmônicos se destacarem.

Procurando modos de descrever “Familiars” enquanto o ouvia em uma viagem de ônibus, logo pensei no álbum como um grande abraço. Não lembrava que isso era justamente o que estava retratado na capa. Em uma outra entrevista para a Pitchfork, no início de junho, Silberman, compositor de todo o álbum, revelou que boa parte do disco se baseia na ideia de um confronto consigo mesmo, de superação dos próprios medos. As letras dão conta disso, trazendo um discurso de esperança, tratado da forma literária que o vocalista traz suas histórias. Ao invés do desespero intrínseco às composições de Hospice, a beleza de Familiars está na alegria sutil presente. Para alguém que já chorou ao som de “Epilogue”, os sentimentos quanto à mudança de clima são diversos, mas, dentro da vida e da obra de Silberman, é impossível não ver esse passo como uma evolução.

Na entrevista de 2011, o músico comentou que, apesar de não chegar perto de ter os problemas com heroína e a depressão de Elliott Smith, se identificava muito com as composições do artista. Talvez Peter Silberman ainda não tivesse pensado que, assim como Elliott, ele já havia passado por tempos extremamente difíceis em sua vida. A música do cantor noventista e os primeiros discos do The Antlers têm isso em comum. São expressões de situações extremas, em sua maior parte melancólicas e depressivas. Silberman ainda agradece a Elliott e ao The Microphones por tê-lo ajudado a superar alguns momentos difíceis. Essa superação é o que está tratada em Familiars. O músico olha para si e compreende tudo o que aconteceu, são memórias que deixam de ser pesadas para serem tratadas com certo afeto, dando origem a uma música que mira o futuro.

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23/06/2014

Redator de social media, jornalista, músico, emo, jogador de bocha, astrólogo e benzedeiro nas horas vagas. Um colono que se encontrou na cidade grande e agora pensa que sabe escrever sobre qualquer coisa.
Leonardo Baldessarelli

Leonardo Baldessarelli