Resenha | Um banho de som no NOS Primavera Sound Porto

19/06/2019

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Amanda Copstein

Por: Amanda Copstein

Fotos: Amanda Copstein

19/06/2019

Entrevistar música e pesquisar gente, é esse o lema de uma amiga querida e acho que nesses três dias de festival também foi o meu. Ir a um show nunca é apenas sobre a música, mesmo quando a gente quer que seja, por isso vou tentar contar aqui como foram esses três dias no Parque da Cidade, o local que recebeu pela oitava vez a edição portuguesa do Primavera Sound.

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Em 2018, completei meu primeiro ano vivendo em Portugal, foi um ano de adaptação estudantil, ou seja com menos dinheiro, e não podia investir em shows, festivais então estavam fora de questão. As atrações do Primavera são divulgadas por todos os lados da cidade e por isso não consegui escapar da angústia de saber que perderia o show do Nick Cave. Aceitei a tristeza, me convenci que haveriam outras oportunidades para ver os Bad Seeds e fiquei em casa na primeira noite. Quando acordei na manhã seguinte havia no meu inbox uma mensagem de um amigo dizendo que estavam precisando de pessoas para trabalhar na chapelaria do Primavera, que o trabalho era entre 23:00 e 7:00 e que eu poderia assistir aos shows fora do meu horário de trabalho. Não pensei duas vezes e consegui assistir o Nick Cave, longe do palco, na chuva e na última noite do festival entre meus dois turnos de trabalho na chapelaria da pista eletrônica que não devia ter capacidade nem para 200 casacos – imaginem o drama: pessoas nos seus mais diferentes “estados de espírito”, VP’s de empresas, turistas, pessoas famosas que desconheço, todos querendo um espaço que já não existia na chapelaria. Tudo isso se pagou quando eu ouvi o primeiro acorde dos Bad Seeds e corri pelo gramado molhado para não perder o começo do show que eu não pude ver até o final, mas que lembro da sensação até hoje.

Posso dizer que o resultado da história foi lucrativo, com o dinheiro que recebi pelo trabalho comprei uma jaqueta amarela de segunda-mão e ainda consegui beber algumas cervejas. Depois disso tudo eu fiquei curiosa sobre como seria de fato viver o festival, acontece que o público com que eu lidei na edição anterior não me fez ter muita vontade de estar por ali de novo e não fiz questão de ir conferir o line up desse ano. Mas então uma outra amiga me escreveu dizendo que nós tínhamos que ir, o Milton Nascimento viria tocar (O Bituca não veio, mas olha, ainda bem que a notícia chegou até a mim, porque deixar de viver algo apenas por causa de uma experiência não tão boa foi apenas mais uma escolha infeliz). Ok, comecei a contar as moedas. Nessa mesma época alguém comentou comigo que eu deveria voltar a fotografar, o que não levei a sério. Mas o tempo passou, mais amigos apareceram relembrando aquele início de vida profissional como fotógrafa e pensei “afinal, porque não?!”. Foi assim que esses três dias de festival aconteceram, que voltei a fotografar e passei a exercitar um outro tipo de escrita, porque queria ouvir o Clube da Esquina ao vivo.

Nessa edição do festival choveu apenas na primeira noite, o que pra mim rendeu em cama e febre, mas isso foi só depois dos três dias de música, fotografia, texto, encontros, desencontros e fugas, antes disso muita coisa boa aconteceu. Não me sinto à vontade para dizer que fiz a cobertura do festival, foram mais de 50 shows, alguns cancelamentos, e de fato foram poucos os que consegui assistir inteiros. Resumindo, passei três dias caminhando de um lado pro outro tentando ver e o ouvir o máximo possível e resultou que vi muita coisa boa pela metade, descobri outras tantas, me emocionei e vivi essa experiência de estar sozinha em um festival – alguns amigos estavam por lá e pude estar com eles em alguns momentos, mas descobri que em festivais de música estar sozinha é sinônimo de autonomia e que, nesses contextos, não ter companhia só nos proporciona a tão sonhada solitude. Claro que existem momentos não tão interessantes, mas foram poucos e estavam relacionados com comportamentos infelizes de homens bêbados, não quero dar relevância para isso, mas sabemos que é importante dizer que isso ainda existe, incomoda e que a gente se esforça para não deixar que estrague o nosso humor.

Não vou dizer que deu tudo errado no primeiro dia do festival porque vai soar dramático demais, mas foi quase. O sol abriu durante a tarde depois de uma manhã de muita chuva e cheguei ao Parque da cidade em cima da hora. Problemas com transporte, Portugal tem ruas estreitas em que, se alguém estaciona, carro nenhum mais passa… Enfim, quando finalmente cheguei à sala de imprensa do festival fiquei sabendo que não poderia fotografar os concertos de dentro do fosso e por isso na primeira noite tive que ficar colada na grade para fazer fotos, a sorte foi que a primeira noite era a com menos público, então já não foi assim um grande problema. A questão mesmo foi a chuva que pegou todo mundo de surpresa depois do show do Stereolab e de algumas horas de sol durante a tarde.

Os shows que salvaram esse meu primeiro dia foram o do Jarvis Cocker, que não deixou a desejar, o Stereolab que sem dúvida foi o grande responsável pelo público “adulto” da noite e a Solange, bom, a Solange é um fenômeno.

Jarvis Cocker com certeza é um dos artistas mais interessantes de fotografar, extremamente performático, ele veio com o Jarvis Cocker introducing Jarv is… O Stereolab voltou a tocar depois de um intervalo de dez anos e relançou os primeiros singles. A Solange fechou a noite e não autorizou fotografias para além das oficiais do festival. Com uma cenografia especial, uma banda excepcional e grupo de bailarinos de apoio, sinto que posso dizer que ela impactou a todos nós em um espetáculo que reuniu muito mais que música. Quem acompanha as produções da artista pode entender um pouco melhor ao que me refiro, os clipes da artista surgem ao longo do show como referências visuais a partir das coreografias e figurinos, tudo isso de uma maneira muito discreta e impactante. Com músicas do último álbum e do anterior, Solange seduziu a todos em um espetáculo que mistura música, performance, artes visuais e dança. Acho que depois do show todo mundo ficou um pouco perdido.

O segundo dia do festival foi diferente, sem chuva tudo fica melhor. A produção do festival me concedeu o acesso para fotografar (muito obrigada!) e consegui chegar em tempo ao show da Surma que foi o primeiro do dia. Considerada uma das figuras importantes da nova música portuguesa ela teve seu disco Antwerpen nomeado para melhor disco europeu do ano em 2017 ao lado de nomes como The xx e Fever Ray. E ela ainda se revelou extremamente simpática quando a encontrei no meio do festival, até fizemos umas fotos. Se você tem curiosidade de saber o que tem de música hoje em Portugal, a Surma com certeza é um dos nomes para investir o seu tempo.


A Courtney Barnet esteve no palco principal representando o clube das garotas de camiseta branca e calças pretas enquanto o público aproveitava o sol no gramado do Parque. Em mim, foi quase como um carinho, e com certeza um dos pontos altos dos três dias desse festival que contou com muitas mulheres como headliners. Mais tarde teve Interpol que passa aquela sensação de ainda estarmos em 2009, que parece sempre igual e que de alguma forma ainda emociona liberando aquele indie que ainda existe dentro de nós.

No show do James Blake todos estavam curiosos para ver se a Rosalía iria aparecer, e não apareceu. Durante a apresentação, um espanhol que parecia revoltado me perguntou se eu achava que ele tinha esse potencial para ser considerado um headliner, ao que que respondi que definitivamente a presença de palco não foi um fator decisivo para isso. Nas poucas palavras em que se dirigiu ao público, Blake anunciou a última música do show e que isso foi definido contratualmente, se desculpou por não falar português e disse “se de alguma forma você se conectar com essa próxima música, você deve entender que não é um problema dizer para alguém como nos sentimos, essa pode ser a coisa mais forte que você pode fazer”. O  drama dominou o fim da noite e depois dessa voltei pra casa. No ônibus com pelo menos 33,3% de brasileiros, 33,3% de gringos e 33,3% de portugueses pude ver boa parte das pessoas acompanharem a aterrisagem da Rosalía no Porto através da postagem que ela compartilhou no Instagram de dentro da cabine do piloto.

O último dia do festival foi forte, intenso e lavou a alma. Começou bonito com O Terno e com um grupo de fãs fiéis cantando todas as músicas. Na sequência entraram os Viagra Boys com o seu punk mutante que ainda não conhecia e virei fã. E então aconteceu o que pra mim foi o ponto alto do festival, Jorge Ben Jor. Foi emocionante ver o parque lotado com todos cantando e dançando com a banda do Zé Pretinho. Bateu uma adrenalina junto com a vontade de que a festa nunca acabasse. Tudo muito parecido com os shows em que estive dele no Brasil, só que aqui não tem guaraná, nem suco caju, muito menos goiabada para sobremesa, mas todos sabem dançar e até os que não falam português cantaram junto.

O show da Kate Tempest e o da Rosalía foram ao mesmo tempo, o da espanhola começou primeiro e preciso admitir que fiquei hipnotizada, tão cega que esqueci do show da inglesa que eu adoro, sou fã e que estava no topo da minha lista. O impacto da Rosalía em Portugal é muito grande, por isso é comum escutá-la por aqui em diferentes contextos. Já havia assistido a alguns clipes e como minha colega de casa é fã, já havia sido levemente influenciada a simpatizar com a menina. Já sabia que todos iriam dançar, mas fiquei surpresa com a presença de palco dela. Com um número de bailarinas maior que a banda, que se limitava a uma mesa de som e três vozes de apoio, o show da Rosalía foi cheio de efeitos visuais e teve direito até a um escorregão da cantora (sem danos) quando ela desceu do palco para cumprimentar o público. Se arriscando a falar em português, ela declarou amor ao Porto, ao festival e disse que volta. Corri e ainda consegui pegar a última música da Kate Tempest, que me deixou sem ar e não foi por causa da corrida…

Quem encerrou os shows do festival foi a Erykah Badu. Sinto que poderia escrever todo um texto sobre as duas horas e meia em que ela e sua banda estiveram no palco, sobre a magia dessas horas em que todos estivemos juntos, por que sim, foi mágico. Foi bruxaria boa e parece que fui enfeitiçada, já não haviam pernas cansadas, fome e nem mau humor (ela nos deixou 40 minutos esperando antes do show começar…). Foi um show espontâneo em que Badu esteve sempre a interromper a banda, que tinha tanta sintonia que essas interrupções nem de longe soaram como um problema, se criou um novo ritmo e que tudo virou energia, como um ritual em que fomos banhados apenas com boas vibrações.

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19/06/2019

Artista visual
Amanda Copstein

Amanda Copstein