Uma de minhas primeiras coberturas aqui pela NOIZE foi na Sexta Básica que reuniu Tulipa Ruiz, Baby do Brasil e Otto. Lembro que na época fiquei completamente impressionado com a maneira performática da cantora se apresentar, enrolando-se ao microfone, movendo-se no palco carregada em dramaticidade, levando o público a sentir suas músicas também de outras formas, com as canções do álbum crescendo graças a excelente banda que a acompanha. Aquele show me fez querer assistir a Tulipa ao vivo sempre que possível. E fui com muita felicidade na última sexta-feira, dia 22, ver o show de lançamento de Dancê, o terceiro álbum da cantora.
Antes de qualquer coisa, vale dizer que Dancê é excelente. Na minha opinião, o melhor da cantora até agora. Parece que no terceiro álbum Tulipa encontrou um caminho mais dançante que encaixa perfeitamente com seus agudos e versos rápidos tão característicos. É um álbum gostoso de ouvir do começo ao fim em diversos momentos, da festa em casa a uma estrada, com diversas camadas de audição, instrumental refinadíssimo (acharia um pouco ousado de minha parte questionar um álbum que envolveu participações do calibre de João Donato) e letras ainda mais sagazes que dos álbuns anteriores. Agora, de volta ao show.
O SESC Pinheiros estava lotado. Sexta foi a primeira das três apresentações de lançamento do álbum. É legal sentir como a expectativa era grande e como o ambiente do SESC trouxe um público muito diferente do da outra vez que cobri a cantora. Parecia que ali no SESC estavam verdadeiros fãs da cantora, de todas as idades e estilos, não apenas a brasilidade tropical que costuma frequentar a Sexta Básica. Casais de terceira idade e crianças lotavam o auditório, indiciando algo que não notara antes: Tulipa consegue agradar um espectro muito grande de pessoas, e ali era o dia perfeito para ela mostrar a uma parcela mais representativa e verdadeira de seu público sua nova faceta: a de diva da música brasileira.
Amigos, que show. De verdade, que show. Ainda estou com cada trecho na cabeça, relembrando a maneira como a cantora controlava a plateia como ela bem entendia: cantando, performando, conversando com todos sempre muy simpática y hermosa. Geralmente a primeira apresentação de um álbum, por mais que tenha sido ensaiado, tem um ou outro erro, algo que ainda precisa ser melhor afinado, principalmente nos intervalos e pausas entre uma música e outra, na maneira de se iniciar ou encerrar o show. Não foi o caso aqui. A noite já iniciou bombástica com “Prumo”, a faixa inicial de Dancê, com a cortina mal se abrindo e a cantora já soltando o grito: “Começou! Agora você vai tomar conta de si.” O primeiro verso já serviu como um sinal para várias pessoas se levantar e dirigir às laterais do palco para dançar e se jogar. Por alguns segundos, isso me fez pensar que talvez o auditório não tenha sido o melhor lugar para lançar o álbum, mas esqueci dessa chateação enquanto via todos dançando despreocupados no canto e senhores e senhoras sentados ao meu lado mexendo pernas e dedos ao compasso do ritmo dançante de cada música.
A segunda música do show foi “Proporcional”, na minha opinião a melhor do álbum. Tulipa desenvolveu uma pequena dança com as mãos e braços em movimentos crescente e decrescente, na qual o GG e o P da letra tornam-se movimentos compassados com a luz e bateria. Os metais (Odilei Machado no trombone, Amílcar Rodrigues no trompete e sax e flauta nas mãos de Daniel Nogueira e Cuca Teixeira, do Bixiga 70) faziam toda a diferença e tornaram a música com ainda mais groove ao vivo. Achei interessante notar como neste álbum Tulipa está com mais suingue e malemolência do que nunca. Após o início com as duas músicas de Dancê mostrando que a noite seria dançante, Tulipa entrou com “Pedrinho”, bela canção de seu primeiro álbum. Mas aqui a versão também estava um pouco mais dançante, uma alteração no ritmo muito importante não só para a noite, como para a própria música, que ganhou uma tonalidade mais leve. Nessa música a luz acompanhava a bateria da música, em um-dois, um-dois criando um efeito visual meio dramático. Na verdade, cada música do show contava com uma luz específica e uma certa especificidade no cenário que a tornava única. A quarta música foi “Like This”, com sua letra que me passa certa sensação de desespero e suspensão, de coisas não ou mal resolvidas e, assim como a letra, a performance de Tulipa chamava a plateia para prestar atenção em seus olhos, seus gestos, como se ela mesma estivesse mostrando os versos da letra em movimentos meticulosamente intensos. Bonito demais.
Com quatro músicas já tocadas, Tulipa resolveu fazer uma declaração de amor aos que dançavam nas laterais do palco, falando que Dancê foi feito em homenagem a cada pessoa foda que ela via dançando em seus shows e achava sempre sensacional cada passo inventado, cada ritmo particular que alguém dava a uma música específica. A plateia estava agora também capturada pela simpatia da cantora.
A próxima música foi “Jogo do Contente”, seguida por “Virou”, música que conta com a participação de Manoel e Felipe Cordeiro. Inclusive, na apresentação de domingo, o cantor paraense apareceu para dividir o palco. Depois de “Virou”, veio “Só sei dançar com você”, com Tulipa se amarrando lindamente num microfone com luzinhas vermelhas ao longo dele. Parece que a partir dessa música, cada uma cantada contava com uma performance exclusiva, adicionando uma camada nova de leitura no espetáculo. Em “Reclame”, um lampião desceu ao palco e ela o ornou com seu tule, num gesto bonito e poético; com Pontual ela fez uma dancinha de robô.
Na segunda pausa para falar, Tulipa apresentou a banda, deixando bem claro que o time ali era muito respeitado, mostrando que não à toa todo o álbum e som da noite estava de altissimo nível. Além do quarteto de metais já citados, a boy band, como a própria cantora intitulou-os, contava com Márcio Arantes (que produziu o último álbum do Wisnik com a Ná Ozetti) no baixo, Luiz Chagas e Gustavo Ruiz na guitarra e, para fechar, Caio Lopes na bateria. Nove pessoas muito talentosas em palco não tem como dar errado, meu povo. Que fique claro isso.
A décima primeira música do show foi “É”, e a décima segunda “Expirou”. Já passadas uma hora de show, a sensação que dava era a de que qualquer momento poderia ser a última música, uma apreensão bem ruim quando o show estava tão alto-astral como esse. E a apreensão ainda se tornou maior, pois ao fim de “Expirou”, Tulipa deixou o palco, enquanto a banda permaneceu tocando. Parecia que o fim estava chegando, pois a luz também foi se abaixando. Mas não. Tulipa Ruiz ressurgiu com uma manta roxa cobrindo seu corpo inteiro tal qual Joseph Beuys em “I Like America and America Likes Me”. Era um momento mais sombrio do show, condizente com a letra taciturna de “Víbora”. Ao fim da música, a manta foi jogada para trás criando uma espécie de véu de rainha de conto-de-fadas, para poder cantar “Oldboy” e sua letra que passa certo ar de persistir e bancar uma mudança de comportamento que, uma hora, tudo vai dar certo.
Após “Oldboy”, a cantora pediu para todos se levantarem para dançar, pois, se não tivessem dançado até agora, não daria mais tempo. E qualquer dança valeria a pena, pois não havia uma coreografia certa para ela, e nós podíamos dançar como quiséssemos, de Sara Jane a Pina Bausch. O show realmente estava chegando ao final. Uma pena.
“Físico” foi a próxima música a ser tocada. Tulipa jogou para um fã cantar, que mandou muito bem no refrão, empolgando de vez a plateia, que já estava toda à frente do palco, dançando e tirando fotos com a cantora, que se comunicava com todos, dos que estavam à frente aos que ficaram no balcão. Em seguida, a cantora fez um belo cover dançante de “Você me dá um disco?”, do Novos Baianos, dedicando a música à Baby do Brasil.
Depois de agradecer muito à plateia e todos presentes, a cantora anuncia que tocará sua última música, e a escolhida foi “Sushi”, com sua letra de súplica para um fechamento num relacionamento, como se o próprio fim do show fosse algo que nós não queríamos que acontecesse, mas que, como tudo na vida, tem seu fim. Durante a música, a banda toda se postou em linha, dando um ar épico para o final. A cantora saiu de cena e os pedidos de bis não paravam, que veio com “Proporcional” sendo cantada mais uma vez. Um belíssimo fechamento para um show incrível.
A sensação que fiquei ao fim do show foi a de que Tulipa Ruiz realmente, com essa apresentação e esse álbum, alçou-se a um novo patamar da música brasileira. Se antes ela era tida como um dos nomes mais fortes dessa nova geração, agora acredito que ela transcendera sua época e firmara-se como uma das grandes cantoras e intérpretes da música brasileira, com sua voz única e presença de palco assustadora. Que mulher!