Intimismo e descobertas no Sofar Sounds

23/09/2015

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Nicolas Henriques

Por: Nicolas Henriques

Fotos: Victor Petreche

23/09/2015

O Sofar Sounds é uma grande definição para um ótimo fechamento de fim de semana. O projeto, nascido em Londres em 2009, busca trazer shows intimistas e secretos de artistas independentes que estão começando a fazer seu nome agora. É um movimento que, sem querer puxar sardinha, é muito legal ver acontecer, uma vez que ele ocorre em mais de 150 cidades pelo mundo inteiro, sempre apostando em novas músicas. Toda a questão do segredo é sempre importante no Sofar: nunca sabemos onde será o evento até dois dias antes dele acontecer, assim como só descobrimos os artistas que tocarão quando chegamos no lugar. Nessa edição específica, o evento aconteceu na sede do Catarse, plataforma de financiamento coletivo, que vem apoiando uma penca de músicos independentes também. É um casamento mais que justo.

A própria casa do Catarse deu certo ar intimista de fim de domingo para o evento, com um corredor lateral amarelo comprido, cheio de tapetes e banquinhos para sentar. Como o fim de semana foi de um calor tremendo, o espaço contou com a sorte de ser uma casinha em meio a prédios altos, que sombrevam e tornavam o ambiente bem fresco e ameno.

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Os shows da tarde, que duram entre 20 e 30 minutos cada, eram de três artistas que não conhecia: Rodrigo Ciampi, daqui de São Paulo; Sheila Simmenes, norueguesa, acompanhada pelo contrabaixista e homem das cordas Peter Mesquisa; e o carioca Leo Middea. Gostei do fato de saber que ali conheceria três novos músicos. E, por isso, fiz uma mini resenha de cada um, como vocês verão a seguir.

Rodrigo Ciampi

O cantor, esguio e de cabelos longos, movimentava-se contidamente lânguido, com uma cadência meio malemolente. Estava lá lançando seu álbum, Trama, e começa a cantar um samba tranquilo, com ele no pandeiro, acompanhado de um cavaco e um leve batuque de bongô. A voz do cantor tem certa gravidade suave, sem se estender em vogais ou exageros. Voz bonita demais de ouvir. Gostosa.

A segunda música é de sua amiga Lilian Rocha, uma MPB mais densa sobre identidade, que dialoga com o espaço plural escolhido para o Sofar, repleto de identidades e aberto para receber várias pessoas. Ouvindo a viola seca, às vezes sem nota alguma sendo segurada, lembrando um berimbau, lembrei da música “X do Capote”, de Ronaldo Silva, que ouvi num show do Felipe Cordeiro tempo atrás. Ambas músicas nos convidam a sermos cautelosos, a entendermos a atmosfera que, por vezes, é lúgubre. São poesias da noite, mas não quero dizer que sejam músicas das noites e trevas, morte e afins. Na verdade, apenas a atmosfera tem algo de carregado, de uma maneira densa e bonita.

A terceira música também é de um outro amigo, Renato Pessoa, que, junto com Rodrigo, possui um grupo vocal chamado Banho Maria. Pela qualidade das músicas e profundidade lírica, a plateia chegou a elogiar os amigos do cantor. É uma música que começa com pandeiro duplo e violão sertanejo meio repentista, árido, com algo do country e do blues também. Outro som atmosférico e selvagem.

Gostei bastante da apresentação do cantor. As músicas todas têm algo do brutal. Duma violência suspensa. O violão é sempre interrompido e grave. A percussão é atmosférica. A voz tem algo de suave mas sombria. Muito bom.

Sheila Simmenes e Peter Mesquita

Quando a norueguesa Sheila Simmenes entrou no palco, um pouco tímida, com um vestido azul e um sorriso acanhado, mal esperava ouvir ela mandando ver no português e falando com a plateia entre todas as músicas, contando histórias sobre o processo de criação e de como ela imaginou as metáforas e as histórias por trás de cada música. Ela também estava lançando um álbum novo, gravado nessa ponte aérea doida Noruega-Brasil.

A primeira coisa que Sheila pediu era para que todos saíssemos do show com o coração cheio de amor. E, pela primeira música, acertou em cheio. Peter Mesquita engatilhou um contrabaixo pesado, bem jazzista. A voz suave, suspirada, com batida que lembra pequenas síncopes de Sheilla pareciam fazer naturalmente um trip-hop sensual, típico de um Portishead. Sílabas ditas respirando, como se cantadas no ouvido de alguém durante uma noite de sexo. Ela fala sobre seu desejo de ter autocontrole nas letras. É a música sobre um tesão apaixonado, de quem também está apaixonada pela própria paixão. Cega. Só desejando o outro em qualquer lugar, em que cada sofá chão tapete bancada da cozinha lavanderia banheiro transformam-se em camas. De arrepiar.

A segunda música, ela avisa, será em norueguês, e se ela cantar errado ninguém notará. É sobre separação e aquele momento em que, mesmo independentes do amor que uma pessoa sente pela outra, alguém precisa tomar a decisão de acabar com o relacionamento. Situação dolorosa que todos já passaram, em algum dos dois papéis. Peter Mesquita larga o contrabaixo e começa a dedilhar o violão. Sheila canta gesticulando muito. Mesmo sem entender a língua, pelos gestos dá pra entender a distância sendo criada num relacionamento, o fim chegando e a necessidade da dura decisão ser tomada.

A terceira música fala sobre as experiências da infância e adolescência que te acompanham. É uma música leve, que combina com a voz delicada da cantora, nos compassos de uma Soko, talvez. A última música, “Wake Up for Love”, conta com a participação de Lucas Silveira, do Fresno, mas, como o cantor não estava presente, ela transformou o dueto numa canção solo. Com a voz de Sheila, a tristeza do acordar sozinha torna a música fofa, e combina também para fazer aquele amor matinal com a janela aberta e um sol leve entrando por ela; quase uma introdução dos vídeos da X-Art.

Ao final, achei as músicas bonitas, mas, com exceção da primeira, muito parecidas, o que talvez me fez acreditar que a necessidade de uma banda fosse uma ótima para a cantora ganhar texturas e diferenciar melhor as músicas.

Leo Middea

O cantor carioca tambem está lançando o segundo disco. Vai sozinho ao palco montado com tapetes a altura do público. Voz e violão. E que baita voz! Senti alguma coisa de Pepeu e Gil, com ressoadas e timbres que lembravam também Caetano. Ou seja, em tudo era algo da ordem de um neotropicalismo, inclusive na letra, falando sobre o dom tibetânico da amada. Tinha algo de “Sexy Iemanjá” na letra. Gostoso de ouvir, mas nada muito novo.

A segunda música chama-se “Valsa”, que você pode conferir no link abaixo sobre o que ela é. Com começo de bossa, a nossa valsa, ela tem uma certa tristeza de Phil Veras, com a letra bem na linhagem do Rubel. A música é sobre a saudade da perda. Dolorida.

O disco do cantor que está sendo lançado se chama Dança do Mundo. Bancado por financiamento coletivo, era outra causa que unia o Sofar ao Catarse, que já teve mais de 450 projetos e sete milhões de reais arrecadados em projetos musicais.

Para a próxima música, Leo chama de volta ao palco Peter Mesquita. Ele fica só na voz, numa canção sonoramente muito boa, cheia de aliterações que a voz dele consegue brincar e ganhar potência. Tem algo de Novos Baianos na música. Também de “Menina mulher da pele preta”, de Jorge Ben, falando sobre a Mulher Brasileira. No entanto, a letra achei um pouco clichê, algo que já vimos muito em diversas músicas, de Martinho da Vila aos já citados Jorge Ben e Novos Baianos. A última música foi aquela metamúsica meio Zeca Baleiro, falando sobre as métricas e compassos e a criação de música como metáfora para algo maior. No caso, o amor da amada. Nessa canção específica, a voz de Leo ficou ainda mais caetaneada, casando bem com tudo. Era o fim de sua apresentação. No entanto, rolou um bis, com a música “Meu Público”, canção sobre o processo de fazer sucesso e se vender para o mercado.

Fiquei com a sensação de que Leo Middea tem uma voz incrível, toda tropicalista, e músicas boas, na linhagem do Zeca Baleiro. Gostoso de ouvir, legal.

E o fim o Sofar Sounds no Catarse foi essa mistura gostosa de músicas calmas e intimistas num ambiente gostoso e fresquinho, perfeito para um fim de domingo longe do Faustão. Ô loco, meu.

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23/09/2015

Sou pesquisador e escrevo resenhas de shows pagando de crítico musical porque gosto muito de música e minha verdadeira intenção era ser multi-instrumentista ou vocalista de alguma banda. O problema é que falta habilidade para tocar até campainhas mais complexas e meu alcance vocálico lembra uma taquara rachada.
Nicolas Henriques

Nicolas Henriques