_por Patricia Palumbo
Não foi um dia fácil. Um torcicolo resistente, uma sensação desagradável de sacanagem por ter que pagar imposto e mais plano de saúde, já que a saúde publica não atende lá muito bem, a agenda lotada, cansaço acumulado, enfim, um humorzinho meio torto.
O show de ontem, dia 20, no Sesc Instrumental – que faço toda segunda desde 1998 – foi do Duo Nazário. Um show de música eletroacústica, música erudita contemporânea, improvisação do jazz e ritmos brasileiros. Uma música exigente, nada fácil e que concede pouco pra melodia. Lelo Nazário (teclados e programações) é um dos bambas do gênero no país. Zé Eduardo Nazário (bateria e percussão) tocou com Hermeto Pascoal e Egberto Gismonti e desde cedo sacou que o irmão iria traçar novos caminhos na composição depois de largar a faculdade de física aos 17 anos.
Enquanto assistia ao show fiquei pensando em como tudo aquilo fora do comum, do conhecido me caia bem num dia tão torto. Me senti adequada àquela dodecafonia, aos sons espaciais, ruidos e barulhos que Lelo e Zé Eduardo transformavam em música.
Porque é como na vida, há dias tortos, há dias estranhos, fora do tom, em outro compasso. Falei sobre isso no nosso bate papo com a plateia depois do show e os Nazário me entenderam perfeitamente. Estavamos na mesma estranha sintonia.
Na última coluna falei da poesia fora da caixinha feita pelos concretos. A música eletroacústica também é assim. E ainda lá no Sesc me lembrei de “Pulsar”, poema de Augusto de Campos musicado por Caetano Veloso que já me serviu de trilha num momento muito triste e especial da minha vida.
O poema é de 1975. Caetano gravou em 84 no Lp Velô com arranjo da turma que ele chamava de Banda Nova: Marçalzinho na percussão, Tavinho Fialho no baixo, Ricardo Cristaldi nos teclados, Toni Costa na guitarra, Marcelo Costa na bateria. Um arranjo delicado, todos tocando pouco, apenas comentando o texto mais lido que cantado.
“Pulsar” está no mesmo disco em que Caetano gravou “Lingua” com a participação resgate sensacional de Elza Soares. Na antológica letra o baiano fala de prosa caótica, de uma profusão de paródias que encurtam dores. “Pulsar” foi o jeito de me despedir de minha avó materna e a música serve pra isso. Também. À respeito ouça “Música Pra Ouvir” de Arnaldo Antunes ou “Minha Música” de Adriana Calcanhotto.
Acabei voltando ao tema da semana passada e cá estamos falando de poesia e música. Augusto de Campos tem parcerias musicais com Caetano, Cid Campos, Adriana Calcanhotto, Péricles Cavalcanti, Walter Franco, Arrigo Barnabé e Tom Zé. A canção popular em namoro firme com a poesia concreta. Como dizia Torquato Neto, poeta e cronista esperto, procure saber.
@patriciapalumbo é apresentadora dos programas Vozes do Brasil, no rádio, e o Instrumental Sesc Brasil na telinha. E uma de nossas jornalistas favoritas.