Rico Dalasam e seu primeiro EP para abalar as estruturas do rap

24/03/2015

Powered by WP Bannerize

Paula Moizes

Por: Paula Moizes

Fotos: Henrique Grandi

24/03/2015

Ele esperou o momento certo para Rico Dalasam surgir, mas antes que pudesse mostrar de verdade seu talento e flow, o single “Aceite-C” e o rótulo de “primeiro rapper gay do Brasil” o definiram como algo exótico. Mas Rico Dalasam não quer e não será esquecido como qualquer outro produto embalado pelo mercado.

Minutos antes de lançar seu primeiro e aguardado EP, Modo Diverso, ele trocou uma ideia com a gente. Eu ainda não tinha o EP em mãos (ou melhor, nos ouvidos) para perguntar algo relacionado ao material. Agora que saiu posso dizer que Modo Diverso é tudo o que rapper nos contou que seria, e mais. Mesmo uma cultura de mashups como a do rap carrega padrões que podem e devem ser destruídos. Rico Dalasam desconstrói o rap em Modo Diverso ao trazer referências que não estamos acostumados a ouvir com rimas, além de mensagens de aceitação e empoderamento em faixas como “Deise” e “Reflex“. Também têm um pouco de pancadão do funk e amor nas duas faixas que abrem o EP, tudo isso misturado com muito requinte e inteligência, um trabalho digno de Rico Dalasam.

*

Qualquer conclusão sobre Modo Diverso seria precipitada. Não poderia ser diferente vindo de um artista como Rico, que conseguiu rever conceitos estagnados dentro do próprio do rap com o qual ele se identificou na adolescência. O repertório do rapper é grande e Modo Diverso é apenas o começo desse fervo.

Você já começou fazendo rimas com essa mensagem de aceitação ou foi aos poucos?

No primeiro instante, nas batalhas e tal, eu fazia igual a todo mundo, falando do cotidiano. Aí quando a gente começou a trabalhar esse primeiro EP que a gente veio com “Aceite-C” e com toda essa narrativa que você tá acompanhando.

Em algum momento você deixou de escrever algo por medo da resposta?

Acho que você precisa tá livre pra criar e tal. A gente esperou mó tempão pra que alguma coisa acontecesse e pra que a gente sentisse que fosse o momento oportuno de pôr as coisas na rua, as músicas. Quando a gente viu que era o momento certo é porque a gente viu que tava cheio de confiança.

Por que esse era o momento certo pro Rido Dalasam aparecer?

Eu pensei em um momento quanto ao que o rap estava vivendo nos últimos anos e de olho no panorama todo eu vi que podia muito bem existir um Rico Dalasam do jeito que eu imaginava. Sem ter que ficar se moldando ou reduzindo o que eu penso pra poder oferecer pro mercado, pras pessoas.

Como é esse panorama do rap que você estava percebendo?

Nos últimos anos houve um avanço desde a forma de trabalhar até o próprio consumo, né? O consumo de rap em esferas muito maiores. E pensando nisso eu pensei que já dava pra existir o Rico Dalasam, o Modo Diverso, e que não seria um tiro na água e só uma polêmica. Poderia ser o início de uma narrativa musical duradoura.

Por que escolher o rap para se expressar, um estilo que não estava acostumado com a mensagem que você transmite?

É o jeito que eu sei fazer música, tá ligado? Eu não sei fazer música de outro jeito que não for desse jeito aí que a gente tá vendo, de misturar as rimas, de cantar um pouco. E a minha porta de entrada pra um conhecimento musical sempre foi o rap. Eu não tive outro acesso.

E isso começou em casa, na rua ou na escola?

Ah, o rap é o rap da rua que a gente aprende, foi vivendo. Eu já ouvia, já consumia, minha irmã mais velha já tinha um rolê com o rap. Eu já ia em shows, mas lá por 2006 eu comecei a ir nas batalhas e aí passei a me ver MC e ver que dava pra fazer tudo aquilo ali que os caras tavam fazendo, só que do meu modo, tá ligado?

Você tem muito essa coisa do visual também. Por que acha importante unir o som à imagem?

Além de ser mais fácil de consumir, tu consegue trazer mais corpo pra narrativa e pra falar o que você acredita da forma que você acredita. A imagem ela já conta, a gente tem uma ligação muito forte com a imagem. E tem a minha história também, já trabalhei como produtor de moda, já fiz várias coisas e não teria como ocultar isso.

A representatividade é muito importante e acredito que você esteja vivenciando isso por outro lado agora, certo?

A cada cidade que a gente tem ido nós encontramos gente que vai mostrar a música que faz, sabe? Depois dos shows eu sempre tento fazer um after ou alguma coisa. A gente conhece as pessoas e vê que tem muita gente com coisa boa presa, guardada, e a gente consegue empoderar isso, mostrar que é possível você pôr seu som na rua e, a partir da qualidade que ele tem, você conseguir conquistar seu espaço independente do que você canta, é a sua verdade. Dentro do rap, o critério fundamental é você cantar a sua verdade.

Modo Diverso surge junto com seu discurso de que “o fervo é protesto”. Por que acredita que manifestações culturais podem incomodar tanto quanto uma passeata, por exemplo?

Cara, acho que quando a gente impulsiona o pensamento autônomo e livre, você sem dúvida vai contrariar e vai gerar uma inquietação em quem quer governar a partir da dominação, entende? O que a gente conhece da história do nosso país, são sempre pessoas dispostas a ditar e manobrar a massa sem permitir que a massa tenha pensamento autônomo e independente. Se a gente conseguir construir esse pensamento, a gente consegue quebrar normas e padrões e criar um novo senso sobre as coisas.

No que você se inspira para conseguir esse flow mais solto e dançante do que outros raps mais quadradões que a gente está acostumado a ouvir?

Eu ouço bastante coisa e quando a gente foi construir o Modo Diverso queríamos isso: uma possibilidade de mostrar que o rap se enquadra e consegue dialogar com mil outros gêneros musicais. No EP, você vê que a gente conseguiu pegar referência de muita coisa sem perder a essência e a estética de rap. Claro, ressignificando e trazendo modernidade.

Está preocupado em agradar todo mundo?

Olha, eu tava preocupado em fazer música de qualidade, sempre. Bem produzida, bem mixada, bem masterizada. Essa era a preocupação maior. E como a narrativa é algo pioneiro e como a gente queria que a música também tivesse um pouco disso, brincamos com muita coisa, sempre pensando em qualidade, criando novos sensos sobre nicho e estar dentro do rap oferecendo coisas que ainda não foram oferecidas.

Tags:, , ,

24/03/2015

InfinitA
Paula Moizes

Paula Moizes