Sobre música, política e a importância da Virada da Ocupação

08/12/2015

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Nicolas Henriques

Por: Nicolas Henriques

Fotos: Rafael Arbex/Estadão

08/12/2015

Domingo passado, dia 06 de dezembro, foi um dia histórico para a cidade de São Paulo. Não só para a cidade de São Paulo, como também para o Brasil inteiro. Posso estar exagerando, posso estar sendo excessivamente otimista e hiperbolizando ao extremo a Virada da Ocupação, organizada pelo pessoal da Minha Sampa com os alunos que estão ocupando as várias escolas estaduais, pedindo a revogação do projeto de reorganização proposto pelo governador Geraldo Alckmin. Quando digo histórica não consigo deixar de pensar nas diversas teorias que mostram, que, hoje no mundo, com o fluxo de informações e de acontecimentos que temos, com a relativização e aceitação maior das diferenças e dos diferentes espectros que compõe a sociedade, não existem mais grandes épicos aglutinadores e transversais, que passam por tudo e todos gerando uma verdade quase dogmática sobre algo. O que temos hoje de mais rico são as micro-histórias, contada pelas pessoas do cotidiano, que estão aí, batalhando e vencendo aos poucos, de grão em grão, aquilo que demandam e desejam mudar, como os jovens das escolas estaduais ocupadas.

Com as ocupações e a voz de cada um pedindo não apenas a revogação dessa reorganização, como também por uma educação melhor, começou-se a traçar um panorama de viralização e apoio centrípeto. A partir de pequenos grupos de colaboração aos estudantes no começo do movimento, com o apoio das escolas mais centralizadas e cuidados às escolas periféricas e abandonadas, entendemos novas formas de colaboração e horizontalidade hierárquica, na qual, sem líderes e figuras ditatoriais, mais o apoio das redes sociais como fonte de comunicação rápida e transversal, conseguimos estabelecer e vislumbrar um futuro político e uma força de mudança na mão dos mais novos. As aulas públicas na rua, que geraram uma das imagens mais poderosas desse ano no Brasil, foi possível entender que a força e a determinação de quem sabe o que quer, é capaz de chamar a atenção de políticos para o poder do diálogo e da manifestação. Em cada um dos jovens que ali estavam marcando presença – e ainda estão –, foi possível entender que há, no país, um cenário promissor na mão daqueles que ainda não foram inseridos no mercado de trabalho, que ainda estão estudando e clamando por mais conhecimento, enquanto, ao mesmo tempo, dão aula em todos nós.

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Não consegui acompanhar todos os shows e o meu intuito aqui não é fazer a resenha, mas, vamos lá, é importante citar alguns dos artistas que participaram: Criolo (que deu um belo depoimento em apoio aos estudantes em um vídeo), Tiê, Céu, Arnaldo Antunes, além de vários outros artistas do mesmo calibre confirmados, até cantores e performances culturais ainda menores, que participaram conforme se inscreviam no site da própria Minha Sampa. Por medo da represália policial, o evento acabou sendo anunciado em cima da hora, não tendo o alcance que merecia, e quem quisesse participar precisaria se cadastrar no site da entidade e receber os alertas via SMS. Não tinha como fazer, o mais importante era não cancelá-lo e celebrar o protesto dos estudantes de forma pacífica.

Encontramos o Paulo Miklos por lá e aproveitamos para pedir a ele um depoimento:

Independente dos shows e do dia, o principal motivo que acredito estar fazendo essa resenha é acreditar que a música ultrapassa a simples audição; que música é, assim como qualquer forma de linguagem, um posicionamento político e ideológico; que a música se insere na sociedade e a sociedade se insere nela, e jamais, em hipótese alguma, devemos desconsiderá-la como válvula propulsora de mudanças muito maiores. Numa poesia musicada que poderia praticamente ser o marco zero do rap, Gil Scott-Heron disse que a revolução não seria televisionada. De fato, ela jamais será e, ontem, com o streaming do evento, os diversos shows, a maneira como tudo se manifestou e ocorreu de forma viralizada e pulverizada nas redes sociais, entendeu-se como sua frase e poesia são cada vez mais fortes e atuais. E de como, através da arte e da política, podemos transcender e conseguir mudanças cada vez mais fortes na sociedade. A virada foi apenas um dos pontos muito importantes e um marco, foi um dia histórico que não se deve esquecer nem diminuir, onde arte e política se uniram a favor da educação e contra a falta de diálogo e conduta policial, em busca de mudanças estruturais profundas em nossa sociedade e na maneira como a classe política lida com seus eleitores e, principalmente, com os jovens. Foi fantástico. Obrigado.

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08/12/2015

Sou pesquisador e escrevo resenhas de shows pagando de crítico musical porque gosto muito de música e minha verdadeira intenção era ser multi-instrumentista ou vocalista de alguma banda. O problema é que falta habilidade para tocar até campainhas mais complexas e meu alcance vocálico lembra uma taquara rachada.
Nicolas Henriques

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